Discurso de SEXA o PR por ocasião da Cerimónia de Abertura do Colóquio "As Mulheres na Ciência ao Serviço da Paz e do Desenvolvimento"

Lisboa
10 de Novembro de 2003


Excelências
Minhas Senhoras e Meus Senhores

O futuro não está escrito, e a sua dimensão é essencial para encarar o presente como o cruzamento de dois processos: o do passado, histórico, e o do futuro, conjectural. O futuro não acontece por fatalidade; ele decorre apenas em parte dos indicadores de natureza económica: a outra parte que o constrói resulta das visões e das determinações dos principais agentes e actores da sociedade em que vivemos.

A ciência é crucial para o nosso país. A manutenção de processos ou formas de organização caducos e a recusa em experimentar e avaliar novos procedimentos paga-se caro, neste mundo de concorrência acrescida.

Por isso há que apelar a todas as iniciativas que criem um clima favorável à ciência e à inovação e que criem condições concretas para que a competitividade das organizações e a produtividade das empresas portuguesas se eleve.

No passado era principalmente ao quotidiano que se iam buscar as novas ideias, numa prática que se assemelhava a uma acumulação de conhecimentos sobre como aproveitar as forças da natureza. Foi assim até há cerca de cinquenta anos.

Porém, este mecanismo alterou-se drasticamente. A criação das indústrias de alta intensidade tecnológica, na segunda metade do nosso século, assinala a importância central das aplicações da ciência nas sociedades do mundo industrializado.

A prática empresarial e societal passou pois a depender fortemente de novas ideias cuja origem está intimamente associada ao esforço científico, isto é, não deriva da linguagem natural ou do saber comum. O processo de desenvolvimento tecnológico transformou-se radicalmente.

Por outras palavras, se na linguagem de todos os dias os valores, as atitudes e as expectativas de índole científica não circularem nem se afirmarem, a própria capacidade de representar e manipular a realidade fica severamente limitada. As escolhas não serão, certamente, as mais adequadas aos tempos e aos contextos em que vivemos.

Já nos finais do século XIX, Antero de Quental apontava como causa principal da nossa decadência a repressão do espírito crítico, experimental, inovador e universalista. Hoje, mais do que nunca, temos que continuar a fazer de Portugal um país moderno, aberto à contemporaneidade, um país em que a educação, a ciência, a cultura e a cidadania sejam, de facto, considerados como condições insubstituíveis de realização individual e colectiva.

Sabemos hoje que a herança do passado só se torna viva se lhe juntarmos o impulso prospectivo do futuro. A esperança que faz com que os homens ajam e lutem por causas e ideais, para além da satisfação dos interesses imediatos e egoístas, assenta nas nossa capacidade de criar novos conhecimentos e novas possibilidades de progresso sustentado.

Sabemos também que a complexidade da nossa época e dos problemas que nos põe exige maior informação, mais esclarecimentos, mais comunicação, mais participação, mais consciência. O próprio destino das sociedades democráticas depende, em larga medida, disso mesmo. Não podemos aceitar um Mundo ou uma sociedade atravessada por um novo e ainda mais terrível, dualismo – de um lado os poucos que possuiriam tudo poder, saber, tecnologia, informação, dinheiro, capacidade de decidir, de escolher, de manipular; do outro, os muitos que nada teriam e nada poderiam.

Não podemos aceitar que as inquietações, dúvidas, perplexidades do tempo levem, tantas vezes com propósitos inconfessáveis, à exploração do irracionalismo mais primário, da superstição mais grosseira, do fanatismo mais agressivo.

A curiosidade pelo novo e pelo diferente, o desejo de explicar, o amor do conhecimento são desde os gregos, o motor primeiro do nosso processo civilizacional e da nossa definição como civilização de muitas culturas e de muitas racionalidades.

A ciência, o método experimental, a observação metódica, a procura da prova, a produção da lei, a organização do conhecimento, a razão crítica marcaram e deram origem a uma nova fase da vida da humanidade, com mudanças radicais em todos os domínios, do particular em geral, do económico ao social, das instituições aos costumes.

Devemos ter presente que a ciência exige recursos e meios poderosos. Temos de ganhar consciência de que apostar a fundo na investigação científica é o investimento a prazo mais rentável, pois é o que mais valoriza o que os países têm de precioso: a capacidade intelectual de criar, de inventar, de descobrir, de realizar.

É cada vez mais claro que as actividades científicas têm que ser considerados como inseridas em fenómenos de natureza cultural, mais vasta e, portanto, que a ciência é ela própria uma parte integrante e indissociável da cultura.

A necessidade de divulgar os resultados e outros acontecimentos científicos, bem como de tornar conhecidos do público as opiniões e as interrogações dos cientistas, a necessidade de avaliar os impactos dos grandes projectos tecnológicos e, sobretudo, de analisar os progressos científicos em termos das implicações futuras, são reais, prementes e sérias.

A opinião pública, os segmentos especializados da população, o sistema educativo, os actores e agentes económicos e políticos não se podem alhear nem alienar das grandes questões da ciência, envolvendo a ciência. O alargamento e aprofundamento da cultura científica é tarefa primordial em todas as sociedades que querem continuar a ser avançadas.

Hoje, mais do que nunca, torna-se imprescindível compreender o mundo em que vivemos, bem como as escolhas que se configuram. Porque, igualmente mais do que nunca, temos necessidade de aprender, observar e experimentar ao longo de toda a nossa vida. A cidadania implica a participação. A solidariedade implica independência.

A democracia pode por vezes parecer frágil no seu funcionamento. Mas o nosso dever colectivo é reforçá-la sistematicamente, porque o seu fortalecimento é, inclusivamente, a medida da sobrevivência da nossa identidade cultural, dos nossos valores e das nossas percepções.

Não haverá paz no mundo, nem desenvolvimento sustentável, nem democracia. E só haverá democracia se a defesa dos valores da livre expressão da cidadania fôr inscrita a letras de ouro nas mentes de todos, homens e mulheres sem excepção, bem como nas constituições dos estados soberanos que dividem a superfície do globo.

Ara que este grande objectivo surja, triunfante, das lacunas, de uma história problemática, feita de escassez no que toca aos recursos e de incompreensão relativamente aos outros, vamos certamente precisar de muito mais ciência e de muito melhor ciência e, ainda, criar uma cultura que acolha a inspiração, o conhecimento e a curiosidade. É com o voto de que veremos nascer esse novo mundo, que com orgulho baseará a vida justa e o bem-estar das gerações vindouras, que aqui nos juntamos hoje, sob os auspícios da Comissão Nacional da UNESCO e da Comissão para a Igualdade e para os direitos das Mulheres. A ambas, o meu obrigado.