Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão de Entrega dos Prémios Norte-Sul do Conselho da Europa

Assembleia da República
24 de Novembro de 2003


Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhora Presidente da Assembleia da República da África do Sul, Drª Frene Ginwala
Senhor Doutor Almeida Santos e querido amigo
Senhor Representante do Secretário-Geral do Conselho da Europa, Klaus Schumann
Senhor Presidente do Conselho Executivo do Centro Norte-Sul, Dr. Míguel Matinez
Senhoras Embaixadoras e Senhores Embaixadores
Senhoras e Senhores Deputados
Ilustres convidados

É com renovada satisfação que participo em mais esta edição da entrega dos Prémios Norte-Sul, não só pelo simbolismo que esta distinção encerra, mas também pelas individualidades que este ano são galardoadas, cujo perfil pessoal, vida e actuação ilustram de forma tão eloquente os valores que este Prémio representa bem como os princípios e ideais que celebra.

Permitam-me que destaque o equilíbrio e quase simetria de percursos, a perfeita complementaridade, raramente igualados em edições anteriores, entre as duas individualidades que este ano serão distinguidas: a Dr.ª Frene Noshir Ginwala e o Dr. António Almeida Santos. São ambos duas figuras marcantes no plano humano, intelectual e político, que dedicaram as suas vidas à luta pela liberdade e à construção de uma sociedade democrática nos seus respectivos países.

A Dr.ª Frene Noshir Ginwala, nascida num dia 25 de Abril, na África do Sul, filha de pais exilados em Moçambique, cujos estudos em direito, no Reino Unido, predestinavam a uma brilhante carreira de jurista, optou desde muito cedo por colocar os seus conhecimentos, o seu talento, a sua coragem e determinação ao serviço do Congresso Nacional Africano, quando, após as convulsões de Sharpeville, este passa à clandestinidade. Durante as três longas e duras décadas que se seguiram, a vida, no exílio, de Frene Noshir Ginwala confunde-se com a do ANC, mantendo-se em estreito contacto com os seus líderes históricos, como Nelson Mandela e Olivier Tambo. Viveu na Tanzânia, no Reino Unido, na Zâmbia e em Moçambique, e sempre fiel a si mesma e às suas convicções políticas, alternou trabalhos de jornalista com o de correspondente, deu aulas, participou em inúmeros congressos e conferências internacionais e realizou trabalhos e investigações diversas, designadamente para as Nações Unidas e a UNESCO, sobre o apartheid, o direito das mulheres, o desenvolvimento ou ainda sobre a problemática da transferência das tecnologias.

De volta à África do Sul, em 1991, desenvolveu uma importante actividade em prol da promoção da igualdade dos direitos da mulher e da sua participação na vida política. Em 1994, é eleita Presidente da Assembleia Nacional, cargo que tem exercido com grande inteligência, empenho e sentido político, contribuindo não só para dignificar a instituição parlamentar como para a fazer evoluir, tornar mais transparente e devolver-lhe um rosto mais humano, mais próximo dos cidadãos, que por ele se exprimem. No exercício desse exigente magistério, tem continuado a pugnar pelo diálogo e pela cooperação sempre mais estreita entre os povos, pela libertação do povo africano, pelo seu desenvolvimento, pelos direitos dos mais fracos, pela igualdade entre homens e mulheres, pela promoção da condição da mulher africana.

O Dr. António Almeida Santos, a quem me unem laços antigos de uma velha amizade, que explica o tom próximo e emotivo das minhas palavras, participou activamente nos mais importantes actos e movimentos da Oposição democrática à ditadura. Após a Revolução do 25 de Abril, afirmou-se como um dos mais notáveis políticos e governantes do novo regime. Jurista eminente, a sua acção e produção como legislador é, sem sombra de dúvida, uma das mais relevantes da democracia portuguesa. Homem generoso e afável, fiel a uma visão humanista e universalista, que cultivou desde os bancos da escola, possuidor de múltiplos talentos literários e artísticos, Almeida Santos é um apaixonado por África e pelo diálogo entre todas as culturas. Ele mesmo dá permanentemente esse exemplo de diálogo. Como deputado e Presidente da Assembleia da República, contribuiu muito para prestigiar a instituição parlamentar. No exercício dessas elevadas funções, contribuiu para estreitar relações com outros parlamentos de vários países. Grande figura humana, intelectual e cívica, o Dr. Almeida Santos é uma referência para todos os que entendem a política como uma actividade que se propõe humanizar a vida e tornar o mais justo e pacífico.

O Prémio Norte-Sul fica hoje mais rico, ao acolher na família dos seus galardoados, estes dois insignes tribunos do povo, que ajudaram a escrever a história da democracia e da liberdade nos seus países e cuja vida é para todos nós um grande exemplo e encorajamento.

Muito obrigado aos premiados, pelo que fizeram, têm feito e vão continuar a fazer, ao serviço dos direitos fundamentais da pessoa humana, da liberdade, e da emancipação dos povos.

Num mundo em que persiste a fractura norte-sul, em que a igualdade de oportunidades é ainda negada a tantos dos nossos semelhantes e em que o empenho e a luta por um mundo mais justo e humano revestem plena actualidade, apesar dos inúmeros progressos que os últimos cinquenta anos de esforços concertados e de solidariedade internacional têm permitido arrecadar, há que prosseguir este combate fundamental, em que é o destino da Humanidade que se joga.

A importância da atribuição do Prémio Norte-Sul não é meramente simbólica, mas constitui sobremaneira uma chamada de atenção para a realidade, para a nossa inequívoca responsabilidade individual e colectiva na promoção dos ideais da paz, da liberdade, da igualdade, do respeito pelos direitos e pela dignidade da vida humana.

Muito obrigado ao Conselho da Europa, a que estou tão ligado, por não desistir deste combate, e, ao Centro Norte-Sul, na pessoa do seu Presidente, por se manter fiel às suas convicções e ideais. Muito obrigado ao Senhor Presidente da Assembleia da República pela sua hospitalidade. Muito obrigado a todos.