Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão de Abertura do Congresso dos Farmacêuticos

Centro de Congressos de Lisboa
27 de Novembro de 2003


Quero começar por cumprimentar os farmacêuticos portugueses que, nas suas diversas áreas de intervenção profissional, contribuem para a melhoria da qualidade do nosso sistema de saúde e para o progresso da investigação.

O universo científico e técnico das profissões de saúde tem vindo a modificar-se com uma efectiva aproximação multidisciplinar, dinamizando actividades de investigação que são fundamentais para a qualidade do ensino e da prática profissional. O exercício da investigação centrada nos problemas de saúde dos portugueses não é um luxo; pelo contrário, contribui para melhores resultados em saúde, permite o aperfeiçoamento da formação dos profissionais e pode constituir, ainda, um instrumento de controlo das despesas em saúde.
À medida que a investigação progride e os seus resultados são reconhecidos por doentes e cidadãos em geral, aumenta, também, quer a confiança, quer o seu grau de exigência.

Mas os gastos em saúde representam uma permanente fonte de preocupação para os cidadãos e para os governos. É por isso positivo que o conjunto de iniciativas que se tome no sentido de melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde seja acompanhado por medidas de contenção de gastos, de modo a colocá-los em patamares compatíveis com a riqueza das nações.

O combate ao desperdício deve-nos preocupar a todos e permitir identificar as áreas em que existam intervenções não efectivas ou ineficientes, bem como as razões por que ocorrem. Por isso é necessário, na área do medicamento, saber mais, reunir mais conhecimento e informação, nomeadamente sobre os modos de utilização de medicamentos, sobre as boas práticas dos prescritores e sobre os padrões internacionalmente recomendados.

Este é seguramente o caminho para que as escolhas políticas neste domínio, que são inevitáveis, não contribuam, elas próprias, para agudizar velhas desigualdades ou provocar o aparecimento de novas assimetrias sociais.

A política do medicamento reveste-se de enorme delicadeza e o seu aperfeiçoamento exige um elevado grau de conhecimento e informação; por isso, a decisão política não pode desperdiçar os contributos da investigação.

O estudo sobre as desigualdades na saúde mostra-nos que o rendimento e a escolarização dos cidadãos constituem factores de diferenciação no acesso a estes bens e serviços de saúde. Assim sendo, impõe-se que os resultados das políticas não sejam objecto de uma leitura geral e abstracta. É que, por detrás dos grandes números, podem esconder-se assimetrias indesejáveis e sinais de vulnerabilidade social que é imperioso corrigir.

A questão dos preços dos medicamentos permite-me uma segunda reflexão. Sabe-se que ela tem tradução particularmente dramática em África, sobretudo em ligação à luta contra a SIDA. A compreensão de parte da indústria farmacêutica para com as enormes dificuldades dos países, governos e cidadãos que não podem pagar a factura dos medicamentos ao mesmo preço do praticado em países desenvolvidos representa, por si só, um resultado positivo que deve ser saudado e aprofundado. Todos nós podemos contribuir para que o drama sentido em muitos países da África subssariana, em particular em países lusófonos, seja atenuado. Tal será possível com mais e melhor cooperação de universidades, empresas e das ordens profissionais, que, como é o caso da Ordem dos Farmacêuticos, já estão envolvidas neste movimento de solidariedade internacional.

Acredito – e é esta a minha última reflexão – que será com esta atitude de compreensão e ligação efectiva aos grandes problemas sociais do nosso tempo que o papel das ordens se pode desenvolver e ser reconhecido como uma mais valia para toda a sociedade.

É fundamental que as ordens, enquanto entidades públicas, questionem com sentido auto-crítico e abertura solidária o âmbito geral da sua intervenção.

Os cidadãos esperam, estou certo disso, que as ordens profissionais na área da saúde contribuam para o progresso global do sistema de saúde: para que problemas centrais sentidos pelos cidadãos possam ser atenuados, como a questão do acesso aos cuidados necessários; para que haja mais estudo e reflexão e a decisão técnica e política possa ser sustentada pela evidência científica, seja da ciência farmacêutica, da economia ou das ciências sociais; para que alguns problemas possam ser antecipados, como é o caso da formação dos profissionais, da sua carência ou do seu excesso; para que a ética e a responsabilidade passem dos diplomas para a rotina da actividade profissional; para que os problemas da qualidade não sejam descurados, em especial em contexto de prioridade à contenção de gastos; para que haja plataformas de diálogo entre profissionais, escolas e utilizadores, visando sempre a melhoria da resposta dos prestadores de cuidados.

Penso sinceramente que a Ordem dos Farmacêuticos me acompanha nesta preocupação de retirar um peso que muitos vêm como demasiadamente corporativo das ordens profissionais da saúde na sua intervenção na sociedade portuguesa. Deste modo os ganhos serão repartidos, já que, por um lado, os cidadãos encontrarão nas ordens genuínos provedores das suas expectativas e necessidades e, por outro, os profissionais sentir-se-ão mais reconhecidos e integrados na sociedade.