Discurso de SEXA PR por ocasião do Banquete oferecido pelo Presidente da República Turca, Sr. Ahmet Sezer


15 de Setembro de 2003


Senhor Presidente
Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores

Agradeço-lhe reconhecido, Senhor Presidente, as suas amáveis palavras e generosa hospitalidade. Para mim, para a minha mulher, e para toda a comitiva que nos acompanha, constitui uma enorme satisfação visitar a Turquia, um grande país, nosso aliado, desempenhando um papel de grande importância na região em que se insere e cuja vocação para integrar a União Europeia é hoje plenamente aceite.

Atribuo, Senhor Presidente, um alto significado a esta visita. Pretendo, através dela, relançar as relações entre a Turquia e Portugal, em todos os domínios — político, económico e cultural. Por isso me faço acompanhar por uma importante delegação, constituída por membros do Governo e representantes da Assembleia da República e também por um numeroso e importante grupo de empresários, bem como por personalidades de destaque do mundo cultural português. Todos eles, estou certo, pelos contactos que irão estabelecer e pela actividade que irão desenvolver, darão um contributo importante para o sucesso desta viagem.

Situados em flancos opostos da Europa, Portugal e a Turquia têm tido, ao longo da história recente, contactos esporádicos e pouco intensos.

O facto de serem ambos membros da NATO constituiu, na segunda metade do século XX, um factor de aproximação. Todavia, essa circunstância não foi suficiente para dar ao relacionamento bilateral verdadeira densidade. Embora o desenvolvimento do turismo tenha contribuído para um melhor conhecimento recíproco, as trocas económicas têm fraca expressão, os contactos culturais são raros e superficiais e o quadro contratual entre os nossos dois países tem importantes lacunas.

Chegou a altura de alterar esta situação. Desde logo, a aceitação da candidatura da Turquia à adesão à União Europeia — uma decisão de alcance histórico a que Portugal deu o seu inequívoco apoio — constitui um elemento de importância decisiva para o reforço das relações entre os nossos dois países, que temos o dever de aproveitar. Não houvessem outras razões para nos aproximarmos, essa seria suficiente para justificar todos os esforços que — tanto ao nível de Chefes de Estado como ao nível dos dois Governos — estamos agora empreendendo no sentido de desenvolver os nossos contactos, aprofundar o nosso conhecimento recíproco, promover a todos os níveis a amizade entre os nossos povos.


Senhor Presidente
Excelências

A candidatura da Turquia à adesão à União Europeia, apresentada em 1987, foi uma decisão voluntarista, que sucessivos governos turcos invariavelmente subscreveram, sem se deixarem desencorajar pelas reservas que suscita em alguns quadrantes e pelas dificuldades que apresenta.

Atentas as complexidades do caso da Turquia, considero que o reconhecimento da vocação europeia da Turquia, consubstanciado pela aceitação por parte da União Europeia da sua candidatura de adesão, no Conselho Europeu de Helsínquia, deve ser valorizado como uma decisão de alcance histórico, com múltiplos significados.

É uma decisão de grande importância para o moderno Estado turco, que assim vê em parte reconhecido o sucesso da sua opção pela adesão à União Europeia, corolário do processo de modernização e da democratização iniciado sob a égide de Ataturk.

Mas é também uma decisão de grande significado para a União Europeia. Com efeito, na aceitação da candidatura turca está implícita uma visão da União Europeia como construção política e jurídica aberta e regida por valores abstractos e não como o produto histórico de uma determinada tradição cultural e religiosa com fronteiras geográficas bem definidas.

Reconhecer a candidatura da Turquia significa assim uma reafirmação eloquente da natureza fundamentalmente laica dos sistemas políticos pelos quais os países europeus e a própria União são governados bem como dos valores de carácter universal em que se fundam — o respeito pelos direitos humanos, pelo Estado de direito e pela democracia.

Os princípios nos quais assenta o reconhecimento da vocação europeia da Turquia — princípios de não discriminação por motivos culturais ou religiosos — significam igualmente que a sua candidatura deverá ser apreciada exactamente pelos mesmos critérios por que outras foram julgadas.

Por conseguinte, de acordo com as decisões adoptadas em Copenhague, a União Europeia espera da Turquia, antes de fixar uma data para o início das negociações de adesão, o cumprimento integral dos critérios políticos para a adesão. Portugal congratula-se com o esforço enérgico desenvolvido pelas autoridades turcas no sentido de adaptarem a sua legislação aos padrões comunitários e acredita que igual zelo será posto na aplicação da legislação que tem sido recentemente adoptada.

A União Europeia existe fundamentalmente para servir os povos europeus. Ser membro da União Europeia confere importantes benefícios, no plano político e económico, os quais, em Portugal, permanecem bem vivos na memória colectiva. Por isso, não nos é difícil compreender a prioridade atribuída à adesão pelo vosso país e a perseverança com que persegue esse objectivo.

Mas a União Europeia não pode apenas fundar-se na soma do interesse individual de cada um dos Estados que a compõem. Para que ela se possa desenvolver e afirmar, mantendo o seu carácter aberto, é necessário que todos os seus membros tenham a noção de pertencerem a um todo que é mais do que a soma das partes. Ser membro União Europeia impõe deveres de solidariedade, de boa vizinhança, de partilha de objectivos comuns, sem os quais ela dificilmente poderia continuar a existir.

Não se trata de negar os interesses próprios de cada Estado, ou iludir as diferenças de opinião, perspectiva ou interesse que possam entre eles surgir, mas de tratar essas diferenças num espírito construtivo e solidário, com flexibilidade e abertura, e com a consciência desperta para os valores que nos unem numa comunidade de destino. Nesse espírito, estou convicto que as autoridades turcas saberão agir com generosidade e visão do futuro, na gestão do seu relacionamento com os seus futuros parceiros na União, de forma a resolver alguns contenciosos ainda pendentes que podem causar dificuldades no seu processo de adesão à União.


Senhor Presidente
Excelências

Tal como a Turquia, Portugal não olha apenas para a Europa. Virado para o Atlântico, Portugal tem relações privilegiadas com outros continentes, onde se situam países irmãos, a que estamos profundamente ligados pela história e pela cultura e que estão agora agrupados na Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Integramos a Comunidade Ibero-Americana. Somos membros fundadores da Aliança Atlântica, que continua a ser o supremo garante da nossa segurança e defesa.

Nenhuma dessas relações foi prejudicada ou afectada por pertencermos à União Europeia. Pelo contrário, creio que foram potenciadas por esse facto. Fora da Europa, ganhámos influência por a ela pertencermos. Mas trouxemos também, para dentro da Europa, a possibilidade de um relacionamento mais rico, com a África, com a América Latina, com a própria Ásia.

Também a Turquia, tendo a União Europeia como meta, não esgota nela o seu relacionamento externo. Situada num ponto de confluência entre várias culturas e civilizações, a Turquia desempenha um papel de primeiro plano na região em que está inserida. Exemplo de modernidade para os países que a rodeiam, a Turquia é, para o mundo ocidental, um precioso aliado numa região turbulenta e marcada pela instabilidade.

Num momento em que o reforço da Política Externa e de Segurança Comum é um dos objectivos principais da União Europeia, a crescente aproximação entre esta e a Turquia é vantajosa para ambas as partes, e representa, para a região em que o vosso país se insere, um factor de estabilidade e progresso muito relevante.

A posição regional da Turquia não é fácil e tem, por vezes, custos elevados, que resultam das repercussões políticas, económicas e sociais de situações de crise na sua periferia. O caso do Iraque é, neste contexto, particularmente relevante. Em toda esta questão de excepcional gravidade e melindre, que vos afecta directamente a múltiplos níveis, as escolhas das autoridades turcas são merecedoras de todo o respeito por parte da Comunidade Internacional. Pela minha parte, quero apenas formular votos para que, após décadas de opressão e sucessivas guerras, que deixaram marcas profundas na sua sociedade, o Iraque possa, o mais rapidamente possível, retomar a via do progresso e recuperar, em paz, a plena soberania.


Senhor Presidente
Excelências

O objectivo que hoje me traz aqui — dar conteúdo concreto à amizade entre a Turquia e Portugal, desenvolvendo a todos os níveis a sua cooperação e conhecimento recíprocos — exigirá, para ser cumprido, esforços persistentes. Será necessário ultrapassar preconceitos, nascidos, como sempre acontece, da ignorância e, através de uma acção continuada no terreno, criar as bases para um relacionamento mais intenso, do qual ambos os povos têm muito a beneficiar. Estou certo que esta visita dará um impulso importante a esse objectivo, mas dependerá dos dois Governos, bem como das nossas sociedades civis, dar-lhe continuidade.

De uma coisa estou certo: nos tempos que correm, já não existem quaisquer razões que possam justificar o relativo alheamento em que a Turquia e Portugal têm vivido. Por isso aceitei, com todo o gosto, o convite em boa hora formulado por Vossa Excelência para esta visita, que reputo de extremamente oportuna e importante.

É pois com sincero entusiasmo, Senhor Presidente, Senhora Sezer, que formulo um brinde à amizade entre os nossos dois países, à prosperidade e ao sucesso da Turquia e à saúde e felicidade pessoal de Vossas Excelências!