Discurso de SEXA PR por ocasião do banquete oferecido em sua honra pelo Presidente da Argélia, Sr. Abdellaziz Bouteflika


02 de Dezembro de 2003


Senhor Presidente
Excelências
Minhas Senhoras e meus senhores

Começo por agradecer a Vossa Excelência o convite para visitar a Argélia, gesto de amizade que muito me tocou e ao qual gratamente correspondo. Esta visita reveste-se para mim de um significado muito especial, por várias razões: primeiro, pela projecção política do vosso país, que forjou a sua têmpera nos grandes conflitos da segunda metade do século XX; depois, pelos laços de amizade e proximidade entre povos de cultura mediterrânica como os nossos; finalmente porque se reveste de um carácter histórico nas nossas relações, por ser a primeira de um Chefe de Estado português em mais de vinte anos.

Considero um privilégio a possibilidade de privar com Vossa Excelência ao longo destes dias. De 1963 a 1979, Vossa Excelência foi a voz da Argélia no palco internacional, uma voz que sempre nos habituámos a ouvir com atenção e respeito, uma voz que se elevou com nitidez na defesa dos povos oprimidos. Como Presidente da República, Vossa Excelência levou a cabo uma acção apaziguadora, que permitiu à Argélia virar uma página do seu destino colectivo, encontrando um novo rumo para o seu desenvolvimento e para a sua inserção no sistema internacional. Presto-lhe a minha homenagem pela sua acção de estadista em prol da Argélia.

Penso que esta visita constitui uma grande oportunidade para relançar as relações entre os nossos dois países, permitindo um novo olhar sobre as nossas realidades e a forma como evoluíram nos últimos vinte anos. Num mundo cada vez mais conturbado, as nossas circunstâncias são, apesar de tudo, promissoras. Entre a União Europeia e os seus vizinhos do norte e do Mediterrâneo, está a construir-se uma parceria fundada na integração económica, no diálogo e na cooperação política estruturada, que oferece aos nossos povos perspectivas de estabilidade e de progresso. Com base nessa parceria, temos todas as condições para construir, com confiança, uma relação bilateral mais sólida e mutuamente benéfica.

No plano bilateral, é necessário intensificar os contactos políticos e desenvolver as trocas, que são favorecidas pela complementaridade das nossas economias. A Argélia é um parceiro importante para Portugal, não apenas por ser o nosso principal fornecedor de gás natural. Queremos, pela nossa parte, ser mais activos no vosso mercado, de modo a termos relações económicas mais equilibradas. As perspectivas de desenvolvimento que se abrem no vosso país, aliada à experiência que adquirimos em certos sectores chave, tais como as obras públicas, as privatizações e as pequenas e médias empresas, permitem encarar com optimismo as possibilidades de aumentarmos as nossas trocas. O interesse demonstrado pela Argélia pelos empresários portugueses é prova disso mesmo. Acompanham-me nesta viagem cerca de cinquenta homens de negócio, de sectores como as obras públicas e a construção civil, a cerâmica, o vidro, a cortiça, os produtos farmacêuticos, os equipamentos industriais, os moldes, a construção e reparação naval, o petróleo e o gás e, naturalmente, a banca, todos elas com comprovado interesse na Argélia. Estou seguro de que esta visita contribuirá para consolidar as relações já existentes e abrir novas portas.

A assinatura do Acordo de Associação entre a Argélia e a União Europeia, que estabelece uma zona de comércio livre a partir de 2010, é outro factor que abre novas e importantes perspectivas. Este acordo, à semelhança dos que foram firmados com a quase totalidade dos parceiros mediterrânicos da União Europeia, é um marco da maior importância e o resultado até agora mais tangível e concreto do Processo de Barcelona. A sua entrada em vigor, vai constituir um grande passo em frente nas relações entre a União Europeia e a orla sul do Mediterrâneo. O Acordo assinado com a Argélia prevê igualmente a cooperação em matéria judicial. Relevo, com satisfação, que se irá realizar dentro em breve, no âmbito do programa MEDA, uma acção nessa área entre os nossos dois países — o estágio de 30 polícias na Policia Judiciária portuguesa na área do combate ao grande banditismo.

O processo de integração económica desenvolvido através da abertura comercial precisa de ser apoiado por outras iniciativas, tais como o estabelecimento de uma Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica, a criação da Fundação Euro-Mediterrânica para o diálogo entre culturas e civilizações, que deverá avançar em breve, e a criação de um Banco de Investimento vocacionado para o Mediterrâneo, a que Portugal tem dado o seu apoio. Todas estas iniciativas irão contribuir para estruturar as nossas relações e multiplicar os nossos contactos.

Estou persuadido que, no seu conjunto, constituem uma base sólida para o desenvolvimento duradouro das nossas relações.


Senhor Presidente
Excelências
Minhas Senhoras e meus senhores

Cada vez mais, nos tempos que correm, é necessário o diálogo entre as duas margens do Mediterrâneo, entre a Europa e a África, entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, de modo a derrubar preconceitos, esclarecer mal entendidos e dissipar uma nota de crispação introduzida pelo 11 de Setembro.

A Argélia tem sentido em corpo e alma o efeito devastador do terrorismo. Deixo aqui uma palavra de simpatia às famílias argelinas, e foram milhares, que perderam os seus no combate que as autoridades argelinas tiveram de travar, e ainda travam, contra grupos terroristas. Agora que todos estamos alertados para o perigo que eles representam, compreendemos melhor o alcance desse combate. Perante aqueles que só apostam no caos e na destruição, que matam sem olhar a quem, não pode haver tolerância.

Num momento em que tanto se fala desse fenómeno, convém no entanto procurar ser rigoroso. O terrorismo não pode ser associado a nenhuma fé, pois ele é, em si mesmo, a negação de valores básicos da moral que são partilhados por todas as religiões. O terrorismo não pode também ser associado a nenhum povo, pois ele é em si mesmo acto criminoso individual, ainda que politicamente motivado. Todos sabemos, por fim, que nem sempre existe acordo sobre o que constitui ou não terrorismo.

O terrorismo é uma forma de violência com intuitos políticos. Para o combater, não bastam por conseguinte, por mais necessários que sejam, os meios militares e policiais. É necessário também dar-lhe uma resposta política, criando esperança onde hoje impera o desespero, criando condições de dignidade para aqueles que hoje se sentem excluídos e humilhados, oferecendo à juventude perspectivas de futuro.

Acredito profundamente que, independentemente de religiões e culturas, a humanidade partilha aspirações comuns, cuja realização está ao alcance de todos: aspirações a uma vida digna, livre de graves privações materiais, vivida em segurança, que permita a cada indivíduo, seja homem ou mulher, exercer os seus deveres e direitos em liberdade. Acredito que este ideal democrático não conhece fronteiras, embora a forma de o realizar dependa naturalmente do carácter dos povos e das suas circunstâncias.

Uma das lições do século XX foi que, para o ideal democrático se poder realizar, é condição prévia que os povos possam determinar o seu destino de forma livre e independente. O direito à auto-determinação, pelo qual a Argélia tão corajosamente se bateu, é uma conquista que não pode ser posta em causa. O domínio estrangeiro representa hoje em dia uma opressão intolerável. Por isso me parece, quer no caso do Iraque, quer no caso da Palestina, que é essencial colocar em marcha processos que visem entregar a estes povos a soberania sobre os respectivos territórios.

Tal como Israel tem o direito de viver em paz e em segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas, reclamamos com insistência, para os palestinianos, o direito a constituírem um Estado independente e viável. Temos de quebrar o ciclo trágico de ataques e retaliações, gerador de ódio e incompreensão, em que israelitas e palestinianos se enredaram após o falhanço das negociações de paz conduzidas ao longo da década de 90. Trazer a paz àquela zona martirizada pela violência deve constituir, sem margem para dúvida, uma prioridade da comunidade internacional.

Quanto ao Iraque, é necessário encontrar, com urgência, forma de devolver aos iraquianos a soberania sobre o seu país, sem ao mesmo tempo os deixar à mercê de grupos que não lhes oferecem nenhuma perspectiva para além do caos. Espero que seja ainda possível encontrar forma de, sob a égide das Nações Unidas, única organização com a necessária legitimidade, e com a colaboração empenhada de toda a Comunidade Internacional, realizar um processo de transição ordeiro que devolva ao povo iraquiano um Iraque unido, seguro e livre da tirania de que foi vítima às mãos de Saddam Hussein.

Resolver estes dois problemas constituiria sem dúvida um contributo da maior importância para desanuviar o ambiente internacional, tão carregado de tensões e prenhe de violência. A União Europeia tem que estar à altura de dar um contributo importante para estes dois objectivos.

Uma palavra também sobre África. Quero saudar as autoridades argelinas pelo papel decisivo que desempenharam na criação da União Africana e do NEPAD, iniciativas da maior importância para devolver a esperança aos africanos num momento tão difícil e conturbado da sua história. Portugal continuará, no plano bilateral e nas instâncias internacionais, a fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para colaborar no processo de desenvolvimento e democratização de África e para combater os terríveis flagelos que assolam esse continente, em parceria e estreita colaboração com os africanos. Pugnamos pelo aprofundamento das relações entre a União Europeia e a África e permanecemos disponíveis para acolher, em Lisboa, a segunda cimeira Europa África.


Senhor Presidente
Excelências
Minhas Senhoras e meus senhores

Muito haveria ainda para dizer sobre o momento internacional. Mas esta não é boa ocasião para nos demorarmos a examinar problemas que nos pesam mas que em muito nos ultrapassam. Hoje é, antes de mais, uma ocasião de regozijo por nos reencontramos, como amigos, animados da vontade de construir em conjunto um futuro que sirva os interesses dos nossos povos. Quero por isso terminar, Senhor Presidente, exprimindo o meu regozijo, e de toda a delegação que me acompanha, por poder realizar esta visita. Agradeço-lhe, a sua generosa hospitalidade e as provas de calorosa amizade que me tem dado. Não esqueço que a Argélia foi terra de refúgio para portugueses distintos, que aqui se exilaram quando não havia liberdade em Portugal, e que tiveram, no período posterior ao 25 de Abril um papel destacado na vida política portuguesa. Foi também aqui que se fixou e morreu o grande escritor português Manuel Teixeira Gomes, distinto homem político e Chefe de Estado no período da 1ª república portuguesa. Cumpre-nos agora renovar e actualizar os nossos laços de amizade e desenvolvê-los em proveito dos nossos povos. É esse o sentido da minha presença aqui.