Discurso de SEXA PR por ocasião da Assembleia Popular Nacional da Argélia

Argel
03 de Dezembro de 2003


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

Sinto como uma honra especial esta oportunidade que me é concedida para usar da palavra na Assembleia Popular Nacional. Encontram-se reunidas nesta Assembleia, representante do povo argelino, as principais forças políticas da Argélia. É a todas elas que me dirijo, em nome de um país próximo e amigo, que deseja ter convosco estreitas relações de amizade e cooperação.

Esta ocasião é um momento alto na Visita de Estado que efectuo à Argélia, correspondendo a um convite em boa hora formulado por Sua Excelência o Presidente Bouteflika. Esta é a primeira visita ao mais alto nível entre os nossos dois países desde 1982. Espero que no futuro os nossos contactos se tornem mais frequentes e intensos, como justifica o facto de sermos dois países geograficamente próximos, com significativos laços históricos e uma forte relação de amizade.
Espero, por isso, que a minha presença entre vós constitua um marco significativo no nosso relacionamento, servindo para o estreitar e aprofundar, como desejamos, e para relançar uma cooperação mutuamente proveitosa.

País do Sul, Portugal sempre atribuiu grande importância às relações com os Estados do Magrebe, quer no plano bilateral quer na qualidade de membro da União Europeia. Queremos que as relações com a Argélia atinjam progressivamente o patamar já alcançado nas relações de Portugal com os vossos vizinhos. Para o efeito, é importante reforçar o diálogo político, completar o quadro contratual que rege as nossas relações e promover os intercâmbios económicos e culturais.

As nossas relações comerciais e económicas não são insignificantes, mas devem ser mais equilibradas e têm ainda um largo campo para se desenvolverem. Por isso me faço acompanhar nesta visita de uma importante delegação empresarial, composta por homens de negócio que, na sua larga maioria, já conhecem o vosso país, estando interessados em desenvolver com ele toda a sorte de intercâmbios. Estou seguro que os contactos aqui estabelecidos permitirão consolidar relações já existentes e abrir novas portas.

Com a assinatura do Acordo de Associação entre a Argélia e a União Europeia, que prevê a criação de uma zona de comércio livre a partir de 2010, bem como uma cooperação significativa em outras áreas, abrem-se novas e importantes perspectivas para as nossas relações. Este acordo, à semelhança dos que foram firmados com a quase totalidade dos parceiros mediterrânicos da União Europeia, é um marco da maior importância e o resultado até agora mais tangível e concreto do Processo de Barcelona. A sua entrada em vigor vai constituir um grande passo em frente nas relações entre a União Europeia e a orla sul do Mediterrâneo.

O espaço de prosperidade e paz que a Europa criou com o processo de integração iniciado nos anos 50, e que vai agora consolidar com o alargamento a mais dez países da Europa Central e Oriental, não é um espaço fechado sobre si próprio. Os países vizinhos da União Europeia, nos quais incluímos naturalmente os nossos parceiros do Mediterrâneo, são parceiros de primeira importância na construção de uma zona cada vez mais vasta de paz e prosperidade, constituída por uma teia de relacionamentos feita de oportunidades e disciplinas, da qual ambos temos a beneficiar.

O processo de integração económica desenvolvido através da abertura comercial precisa de ser apoiado por outras iniciativas, tais como o estabelecimento de uma Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica a criação da Fundação Euro-Mediterrânica para o diálogo entre culturas e civilizações, que deverá avançar em breve, e a criação de um Banco de Investimento vocacionado para o Mediterrâneo, a que Portugal tem dado o seu apoio político. Trata-se, em suma, de construir progressivamente uma rede institucional que sirva de base e estruture relações cada vez mais densas entre a União Europeia e os seus parceiros mediterrânicos.

Estou em crer que o formato sui generis de integração e cooperação criado pela União Europeia deve ser fonte de inspiração para outros agrupamentos regionais. Vemos, por isso, com muito interesse o relançamento da União do Maghreb Árabe. No mundo globalizado de hoje, é uma ilusão pensar que, isoladamente, podemos encontrar o caminho do desenvolvimento. Cada vez mais é necessário apostar na troca de experiências, na cooperação, na procura de sinergias a nível internacional. Neste contexto, a crescente abertura das economias é inexorável. Sabemos que as autoridades argelinas estão a empreender um conjunto de reformas nesse sentido.

Nas últimas décadas, Portugal também percorreu um longo caminho no sentido de abrir a sua economia ao exterior e expô-la à competição internacional. É um caminho semeado de dificuldades e que exigiu adaptações por vezes dolorosas mas que, globalmente, teve resultados muito positivos. Estamos dispostos a partilhar convosco os ensinamentos que retirámos dessa experiência em campos muito sensíveis como o das privatizações, da reforma do sector bancário, do apoio às pequenas e médias empresas, que são de importância vital para o sucesso económico.

Num mundo em que a competição é cada vez mais exigente, beneficiando naturalmente os mais fortes, é importante que os países de média dimensão, como a Argélia e Portugal, reforcem as suas parcerias. Temos de contrariar, com um esforço esclarecido e voluntarioso, a tendência natural para privilegiar relações com os países mais ricos em detrimento de outras com países com uma dimensão mais próxima da nossa, com os quais podemos estabelecer parcerias mais equilibradas e mutuamente proveitosas. Espero que a minha visita contribua também para esse fim.


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

Para que possa prosperar e consolidar-se, a relação entre a União Europeia e os seus parceiros do Mediterrâneo não pode circunscrever-se às trocas económicas. Ela tem de assentar, também, num relacionamento político que desejamos sólido, maduro e confiante.

Não podemos consentir que as nossas relações fiquem reféns das actividades criminosas de organizações terroristas que visam, pela sua sinistra acção, destruir as bases de uma sã e amistosa convivência entre povos, religiões e culturas.

Importa por isso intensificar o nosso diálogo, multiplicar os contactos, abordar sem complexos o que nos separa mas também valorizar devidamente o que nos une. Conhecendo-nos melhor, estou certo que encontraremos terreno comum para nos aproximarmos.

Por isso, Portugal está também profundamente empenhado em revitalizar o diálogo político, quer no plano bilateral, quer no plano da União Europeia, quer no âmbito do processo 5+5. Encaramos com o maior interesse a primeira cimeira deste forum que terá lugar em Tunes dentro de dias, da qual, espero, possam sair novas ideias e iniciativas.

Cada vez mais, nos tempos que correm, é necessário o diálogo entre as duas margens do Mediterrâneo, entre a Europa e a África, entre o mundo ocidental e o mundo islâmico. Cada vez mais é importante esse diálogo, dizia, porque dele resultará, estou convencido, a percepção de que — não obstante as nossas diferentes identidades e culturas — nada de insuperável nos separa, que partilhamos afinal as mesmas aspirações, que os nossos povos têm ambos o mesmo desejo de liberdade, dignidade e prosperidade.

A democracia, o Estado de direito, o respeito pelos direitos humanos não são apanágio de nenhuma cultura ou civilização. Representam formas de organização política ao alcance de todos, sempre passíveis de serem aperfeiçoadas e moldadas às características de cada Estado, que visam realizar de forma progressiva, mas sempre imperfeita, os ideais da igualdade de oportunidades, do respeito por uma lei justa e abstracta, do usufruto dos direitos individuais, no respeito pelos interesses colectivos. Creio que estas são aspirações partilhadas pelos homens e mulheres de todo o mundo, independentemente das suas crenças religiosas e das suas diferentes culturas.


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

Para que se cumpra a visão de uma região mediterrânica em que o mar ligue, em vez de separar, é de fundamental importância resolver alguns conflitos que infelizmente perduram. Penso, em primeiro lugar, no conflito entre Israel e os palestinianos, um conflito que dura há demasiado tempo, sem solução à vista e que muito contribui, pelos seus múltiplos reflexos, para perturbar o relacionamento entre os dois lados do Mediterrâneo.

Portugal tem a este respeito posições claras. Israel tem o direito de viver em paz e em segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. Os palestinianos têm o direito a constituir um Estado independente e viável nos territórios ocupados desde 1967. Apoiamos os esforços do Quarteto para trazer a paz àquela zona martirizada pela violência. Temos de quebrar o ciclo trágico de ataques e retaliações, gerador de ódio e incompreensão, em que israelitas e palestinianos se enredaram após o falhanço das negociações de paz conduzidas ao longo da década de 90.

Apesar dos acontecimentos dos ultimos anos, não podemos desistir nem perder a esperança. A Iniciativa de Genebra é sinal de que o ideal da paz não se apagou nem entre israelitas nem entre palestinianos. O balanço trágico de décadas de conflito mostra que nunca pela violência se poderá resolver o problema de Israel e da Palestina.

Décadas de ocupação apenas têm servido para consolidar o sentimento nacional entre os palestinianos, cujas aspirações a um Estado são hoje reconhecidas por toda a Comunidade Internacional. Só através da negociação, apoiada com firmeza pela Comunidade Internacional, e no respeito pelas relevantes resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, poderá ser encontrada uma solução que ponha finalmente cobro a este trágico conflito.

Assistimos, também, com a maior preocupação e consternação, ao desenrolar dos acontecimentos no Iraque. É necessário encontrar, com urgência, forma de devolver aos iraquianos a soberania sobre o seu país, sem ao mesmo tempo os deixar à mercê de grupos que não lhes oferecem nenhuma perspectiva para além do caos.

Nenhum país tolera hoje em dia viver sob ocupação estrangeira, e muito menos um Estado com os pergaminhos e a história do Iraque. Espero que seja ainda possível encontrar forma de, sob a égide das Nações Unidas, única organização com a necessária legitimidade, e com a colaboração empenhada de toda a Comunidade Internacional, organizar um processo de transição ordeiro que devolva ao povo iraquiano um Iraque unido, seguro e livre da tirania de que foi vítima às mãos de Saddam Hussein.


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

A Argélia conhece bem as consequências do terrorismo pois foi dele vítima ainda bem recente. Quero aqui deixar uma palavra de simpatia às famílias de milhares de argelinos e argelinas vítimas de uma violência cega e horrorosa.

Saúdo as posições firmes e inequívocas tomadas pelas autoridades argelinas e a empenhada colaboração que sempre deram desde que a tragédia do 11 de Setembro nos alertou para a escala e para a dimensão verdadeiramente global da ameaça terrorista. Desde então, os exemplos do que sucedeu na Indonésia, no Quénia, em Marrocos, na Arábia Saudita, na Turquia mostram que a ameaça não foi debelada.

Precisamos de nos manter firmes e vigilantes no combate ao terrorismo internacional.

Não podemos ceder um milímetro perante grupos sem qualquer respeito pela vida humana, que matam indiscriminadamente civis, que visam semear o ódio, a discórdia e o medo. Mas devemos evitar que esse combate, tão necessário, se trave à margem da lei e à custa das liberdades e garantias próprias de sistemas democráticos.

Ele não pode também ser conduzido unicamente pela via militar e policial. É necessário criar esperança onde hoje impera o desespero.

O desemprego, o sentimento de exclusão social, a falta de perspectivas de vida, em particular das populações jovens e recentemente urbanizadas, são factores de instabilidade a que é necessário dar resposta. É também fundamental, através do diálogo, combater o fanatismo e impedir que a mensagem niilista do terrorismo encontre terreno fértil para se expandir. Há que denunciar, com vigor, a invocação de motivos religiosos para perpetrar actos em tudo contrários às mais básicas regras da moral, património comum de todas as religiões do livro.


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

Ao longo da sua história como Estado independente, a Argélia tem desempenhado um papel de relevo em prol da emancipação dos povos e da solução pacífica de conflitos, em especial no continente africano.

Esperamos que a constituição da União Africana e o NEPAD, iniciativas nas quais a Argélia teve, mais uma vez, um papel de liderança, permitam a África tomar um novo rumo e relança-lá no caminho do desenvolvimento. A pobreza, a doença, a violência que infelizmente se fazem sentir em zonas tão vastas do continente a sul do Sahara, minando os próprios fundamentos dos Estados, são um escândalo a que ninguém pode assistir indiferente. Como portugueses e como europeus, assumimos a nossa responsabilidade histórica perante a África, e procuramos contribuir de forma solidária para a sua pacificação, desenvolvimento e democratização. Mas não nos podemos substituir ao esforço dos próprios africanos para transformar o seu destino individual e colectivo.

As ambiciosas estruturas políticas criadas pela União Africana e o seu compromisso para com os valores da paz, da solidariedade, da democracia e da boa governação são prova de uma nova atitude de determinação que é bem necessária para atacar os graves problemas com que a Africa se debate. Trata-se de um esforço que a União Africana pode liderar mas que deve contar com a colaboração de toda a Comunidade Internacional, em particular no que diz respeito a três objectivos prioritários: a prevenção e resolução de conflitos armados, a luta contra a pobreza e e o combate à devastadora epidemia de HIV-SIDA.

Portugal, seja no âmbito da CPLP, da União Europeia, das Nações Unidas, ou no plano das relações Estado a Estado, é uma presença constante e empenhada ao lado dos países africanos. Dentro dos limites das nossas capacidades, temos agido, em particular juntos dos países de língua portuguesa, a favor da paz, da democracia e do desenvolvimento. Continuaremos a fazê-lo, por dever, convicção e interesse, mas sempre com sentido de colaboração com outros países amigos empenhados nos mesmos objectivos. Somos uma voz activa no apoio ao desenvolvimento das relações entre a África e a Europa, continuando disponíveis para receber, em Lisboa, a segunda cimeira União Europeia-África.


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

O momento sombrio que vivemos no plano internacional impõe-nos um dever de sobriedade, de realismo, de maturidade política. A globalização é uma tendência que se impôs, mas os seus efeitos, são como sempre, ambivalentes. Ela abre-nos novas oportunidades mas também nos expõe a novos riscos. Mais do que nunca precisamos de lançar pontes e unir esforços para dar resposta aos desafios do nosso tempo. Esse esforço deve naturalmente começar junto dos nossos vizinhos.

Esta visita a Argélia constituiu, estou certo, um passo nesse sentido. Agradeço-vos pois a vossa hospitalidade e a oportunidade que hoje me deram para partilhar convosco as minhas esperanças e preocupações. Termino oferecendo as minhas calorosas saudações a esta Assembreia, e a tudo o que ela representa para o futuro da democracia na Argélia. A todos desejo um bom trabalho e as maiores felicidades.