Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial


19 de Janeiro de 2004


Neste tempo de inquietação e de alguma perplexidade com as coisas da Justiça, desejo que a minha primeira palavra seja para os seus agentes - os juizes, os magistrados do Ministério Público, os advogados, os solicitadores, os oficiais de Justiça.

E na saudação que lhes dirijo, vai, mesmo quando o percurso não é isento de erros, o apreço da República pelo muito que têm feito, e nas mais adversas condições, para que se faça alguma Justiça.

Mas não só. Vai também uma palavra de ânimo, para os encorajar a prosseguir na luta pela construção do Estado de Direito, que constitui um pilar essencial da estrutura e do funcionamento da nossa democracia.


Minhas senhoras e meus senhores,

É patente que a Justiça está na primeira linha das preocupações dos portugueses. E por várias razões.

Antes de mais, porque a natureza e as características de alguns processos e a notoriedade dos seus intervenientes têm feito deles continuada notícia de primeira página, com os desenvolvimentos de todos conhecidos.

Depois, porque ficou, finalmente, bem claro, que era inteiramente justificada a chamada de atenção que, repetidamente, venho fazendo, nesta sede, para o facto de a Justiça ser um segmento estrutural e estruturante do desenvolvimento.

E que, por isso, sem uma Justiça célere e equitativa, como têm evidenciado estudos e inquéritos de entidades independentes, largamente publicitados, nos últimos tempos, não há desenvolvimento sustentável que perdure, seja na qualidade de vida dos cidadãos, seja na quantidade do produto.

Finalmente, porque se tornaram clamorosamente patentes inaceitáveis disfunções do sistema, que por outra forma continuariam a menorizar o quotidiano de muitos portugueses, sem que os responsáveis lhes dessem atenção suficiente e suficiente prioridade.

Neste quadro, é possível, desde logo, lembrar que temas como a lealdade e a transparência processual, o estatuto dos arguidos, a prisão preventiva, o segredo de justiça, o acesso ao direito, ou a celeridade dos procedimentos, têm sido uma preocupação continuada e solenemente expressa pelo Presidente da República.

Mais: que fosse real o silêncio, no passado, de todos os outros responsáveis - e não o foi, integralmente -, e não serviria esse silêncio para justificar que se não desse nota, agora, das disfunções existentes, e não se empreendessem, agora, as vias adequadas à sua reparação.

Que não restem dúvidas, nem se repita o argumento: silêncio, onde o houve, serve apenas para merecida censura a quem tenha o dever de falar e de agir, e não como um inaceitável fundamento para justificar ou manter as disfunções existentes.

É que a Injustiça, por não ser denunciada, nem reparada, não passa a ser Justiça. Torna-se apenas maior.


Minhas senhoras e meus senhores,

Recentemente, o Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal Administrativo lamentava - e com que razão! - a pouca audiência que tinha merecido a entrada em vigor do novo regime do contencioso administrativo, laboriosamente preparado nos últimos sete anos, e que constitui um segmento de primeira importância na tutela de direitos perante a Administração e na reparação de abusos por que ela seja responsável.

Trata-se, por isso, de elemento essencial ao desenvolvimento social e económico e à consolidação da cidadania.

E nessa oportunidade, o Conselheiro Santos Serra chamava, também, a atenção, e muito justamente, para a necessidade de se formarem magistrados com especialização, quer na área administrativa, quer na tributária, sob pena de a reforma claudicar na sua execução.

Ora este tema, o da formação, se é essencial na nova jurisdição administrativa e tributária, constitui, quando considerada a generalidade das profissões forenses, um elemento nuclear da reforma de atitudes e de procedimentos, sem a qual não há leis que valham à crise da Justiça.

E em duas linhas: a da formação generalista, e a da especialização.

Mas também aqui vai ser necessário que todos estejamos atentos, para não inquinarmos a questão da formação com reflexos e crispações corporativas, que só servirão para paralisar iniciativas e deitar tudo a perder.

Aceitem todos os agentes da Justiça, nomeadamente os magistrados e os advogados, que todas as profissões forenses assumem igual dignidade, e que só na compreensão recíproca e na permanente cooperação podem cumprir a sua função.

É que o facto de entre elas decorrer uma hierarquia, querida pela Constituição e pela Lei, que nunca é demais proclamar, e, sobretudo, praticar, não impede, antes exige, que todos partilhem, no essencial, os mesmos valores.

Mas não só. Impõe-se, ainda, que tenham uma ideia precisa quer da abordagem que cada uma faz do fenómeno judiciário, quer das práticas que lhe são próprias.

Que o mesmo é dizer: nem formação isolada de magistrados judiciais para um lado, magistrados do Ministério Público para outro, e estágio de advogados para outro, mas instituição de um tronco comum de formação conjunta para juizes, magistrados do Ministério Público e advogados.

Tronco comum suficientemente prolongado para ser eficaz, a que se seguiria a especialização de cada profissão.

Tudo, porventura, com maior duração do que nos regimes actuais, mas, por certo, propiciando uma largueza de informação, de perspectiva e de experiência, de longe compensadoras da delonga.

Nessa formação - mostra a experiência de todos nós - caberá um papel essencial à comunidade de entendimento sobre a estrutura constitucional dos tribunais e sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que são o princípio e o fim – é bom não o esquecer - de toda a administração da Justiça.

E isto é tanto mais importante quanto não é possível fazer uma adequada e criteriosa aplicação da lei, se a sua interpretação ou a sua validade, não passarem pelo crivo da Constituição, que é a mãe de todas as leis.

Para o que vai ser necessário que, na formação dos agentes da Justiça, o Direito Constitucional deixe de estar arredado dos currículos, ou colocado na prateleira das coisas menores.

Trata-se de exigência tanto mais necessária quanto muitos dos desvios na administração da Justiça, seja na civil, seja na administrativa, seja, sobretudo, na criminal, relevam de uma desatenção aos valores constitucionais, ou de um entendimento defeituoso do seu conteúdo e extensão.

Na formação, importa, ainda, considerar que passou o tempo de todos sabermos de tudo.

E que se a formação e prática generalistas não só bastam, como são as adequadas, para a jurisdição genérica, seja a civil, seja a criminal, a especialização de saberes e de experiências passou a ser uma exigência da qualidade e da eficácia de todas as outras jurisdições.

Mais: num tempo em que procuram encontrar-se e compatibilizar-se o tempo mediático e o tempo judicial, tribunais e media, não podem os agentes da Justiça continuar a ignorar praticamente tudo sobre as ciências da comunicação e a prescindir da aprendizagem das boas práticas na relação entre profissionais do foro e da comunicação social.


Minhas senhoras e meus senhores,

Todos sabemos que o tempo da decisão judicial dificilmente se compatibiliza com as exigências inelutáveis de uma comunicação, cada vez mais, em tempo real.

Mas isso não pode servir de pretexto para que se mantenha a opacidade do fenómeno judiciário, que tem sido objecto de frequente e justa censura, e para que as relações entre tribunais e media sejam, as mais das vezes, colonizadas pela violação do segredo de justiça.

Ora isto é tanto mais grave quanto a publicidade, custe a quem custar, é uma forma insubstituível de controle da Justiça pela comunidade.

Só é, por isso, de saudar que se tenha quebrado o unanimismo reverencial que, em regra, se verificava quanto às decisões dos tribunais, e tenham elas passado a estar amplamente sujeitas ao escrutínio contraditório da opinião pública.

Mas para que a publicidade seja efectiva e genuína, torna-se necessário instituir os mecanismos adequados.

Antes de mais, e de par com a formação dos agentes da Justiça nas áreas da comunicação, impõe-se que haja jornalistas com sólida formação jurídica, e adequado conhecimento das estruturas judiciárias, para, com todo o rigor ético, poderem ser mediadores entre os tribunais e a opinião pública.

Depois, impõe-se a criação nos tribunais, sobretudo naqueles cuja jurisdição tem maior interesse público e que suscitam maior interesse do público, de estruturas permanentes, com profissionais habilitados, que dêem informação sobre o andamento e sobre os actos dos processos.

Finalmente, impõe-se estimular o jornalismo de investigação, que, por si só e em várias latitudes, tem exercido uma insubstituível função de controle dos poderes e de denúncia de abusos e de crimes.

O que nada tem a ver com a temática do segredo de justiça e a controvérsia que, recentemente, tem gerado na sociedade portuguesa.

A este propósito, vale a pena relembrar que o segredo de justiça comporta duas vertentes: segredo de Justiça interno, para os que participam no processo, e segredo de justiça externo, que abrange a generalidade das pessoas, incluindo, naturalmente, os jornalistas.

Ora faz todo o sentido que se alguém é perseguido criminalmente, possa ter acesso indiscriminado ao processo, em qualquer das suas fases. E enquanto o inquérito decorrer, só em caso de grave prejuízo para a investigação da verdade dos factos pode ser lícito vedar tal acesso.

E se isto é assim quando os arguidos estão em liberdade, haverá que ponderar quais as situações em que o interesse público na descoberta da verdade material se deve sobrepor à confrontação do arguido em prisão preventiva com as provas dos factos que lhe são imputados.

Provas dos factos, sublinho, porque espero que nunca mais se ponha em dúvida que todo o arguido, preso ou em liberdade, tem direito a conhecer os factos que lhe são imputados e a defender-se de tal imputação.

O contrário representa, todos somos capazes de o imaginar, inaceitável crueldade, sobretudo para os inocentes.

Estão, assim, criadas condições para que se pondere qual o catálogo de crimes que, pela sua especial gravidade ou complexidade, exigem que, quanto às provas, se mantenha, na fase de inquérito, o segredo de justiça interno; e aqueles em que tal segredo não deve vigorar.

Como terá de ponderar-se em que medida, e, na afirmativa, por que período, poderão ocultar-se ao arguido, em caso de prisão preventiva, as provas que fundam tão gravosa medida.

Mas tudo isto, que releva dos elementares direitos que a nossa civilização reconhece aos arguidos, e que entre nós parecia andar esquecido, refere-se tão só ao segredo de Justiça interno, que o segredo de Justiça externo, esse terá de manter-se, para além da fase de inquérito, e perdurar até à formação da culpa.

Aqui, naturalmente, se essa for a vontade do arguido, e, em alguns casos, da vítima, que são os únicos interessados em que o segredo se mantenha ou não.

Que o mesmo é dizer, o segredo de justiça externo terá de manter-se, em regra, até que a acusação se torne definitiva, seja por decisão de um juiz, seja porque o arguido ou a vítima aceitaram a acusação nos precisos termos em que foi formulada.

É o que resulta do facto de ser intolerável para a reputação de todo o cidadão, que enquanto não houver uma acusação definitiva, se saiba publicamente que foi objecto de um crime ou que sobre ele impende a suspeita de o ter praticado, quando tudo pode vir a revelar-se sem qualquer fundamento suficiente.

E não se argumente, sem atentar no sentido das palavras, com o facto de ao arguido sempre aproveitar a presunção de inocência.

É que se tal estatuto interessa, em geral, à defesa dos direitos do arguido, em nada protege o seu bom nome e reputação, pois da presunção de inocência gozam exactamente todos aqueles relativamente aos quais há fundada suspeita e convicção de terem praticado um crime, que leva à sua constituição como arguidos.

É por isso que contra o direito constitucional ao bom nome e reputação, não há aqui, salvo casos limite, interesse público que possa prevalecer, nem dever de informar que se superiorize.

Aberto continua o percurso árduo e nobre do jornalismo de investigação, que terá, todavia, de prescindir desse selo de garantia que é o dizer-se ou escrever-se, “consta dos autos que”.

Como aberto fica o escrutínio, pela opinião pública, da actividade das polícias, do Ministério Público e dos juizes, logo que formada a culpa, e patenteado o processo ao conhecimento geral.

E nem sequer se pode excluir a hipótese, ainda que excepcional, de, numa situação determinada, ser tal a magnitude do interesse público de informar, que o dever de respeito do segredo de Justiça deva ser sacrificado àquele interesse.

É a temática clássica do conflito de deveres, que o nosso direito não ignora, e que aqui, com a raridade que sempre comporta, também poderá ter de aplicar-se.

Importa é que fique claro que cabe ao legislador, e não ao intérprete, seja ele jurista, jornalista, ou mero cidadão, definir se o interesse público que o segredo de justiça visa acautelar deve, ou não, prevalecer, de um modo habitual, sobre o dever de informar.

E feita a clarificação pelo legislador, toda a controvérsia se tornará, então, inútil.


Minhas senhoras e meus senhores,

Com tudo isto, não se ignora o papel nuclear da comunicação social na denúncia de abusos e de crimes.

E que sem tal denúncia, muitas situações, que foram ou são objecto de perseguição criminal e de punição, continuariam, porventura, impunes.

Mantenha-se, todavia, o sentido da medida, e saúde-se a reflexão que muitos dos responsáveis da comunicação social vêm fazendo, nos últimos dias, sobre a sua própria actividade, num espírito e com um exercício crítico inédito, de que só poderão advir bons resultados, e que muito me apraz registar publicamente.

É preciso que tal reflexão prossiga, no mesmo espírito, e sem a pretensão de infalibilidade que, no passado, tantas vezes a inquinou.

Nesse propósito, permito-me lembrar que, nesta sala, faz agora seis anos, quando os sucessos desse tempo o exigiam, entendi proclamar, referindo-me aos magistrados judiciais e do Ministério Público, que, cito, “(...) nenhuma classe tem o monopólio da virtude e que a democracia é avessa a justiceiros. Basta-lhe os tribunais”.

Hoje, nestes tempos difíceis que atravessamos, é bom que, na reflexão que vem sendo feita pela comunicação social, possa ficar bem claro que se a Justiça não está acima da crítica, o mesmo se passa com a informação; e que os jornalistas, enquanto tais, não têm virtudes que faltem aos seus concidadãos, nem adquirem, pela sua profissão ou função, qualquer estatuto de maior independência ou isenção.

Com as suas filiações partidárias ou sem elas, com as suas convicções políticas ou sem elas, com a sua capacidade de tomar distância às pessoas e às situações, ou sem ela, só têm como título que os credibiliza e legitima a função e o dever de informar.

Quem deles quiser fazer os anjos ou os demónios de qualquer liturgia pública, falha o alvo da imprensa como insubstituível instituição da democracia, e fá-la correr o risco de ser aquilo que ela sempre tem recusado ser - um inaceitável instrumento de manipulação e de dominação.

A esta luz, entende-se mal a pretensão de alguns de que o segredo de Justiça não obriga os jornalistas, quando seria natural que fossem eles os primeiros a reconhecer tal obrigação.

A questão parece-me tão insólita, que, no passado mês de Setembro, quando do cinquentenário da Associação Jurídica de Braga, referindo-me, com detalhe, e uma vez mais, à temática do segredo de Justiça, me permiti o paradigma do receptador, dizendo:

“E nem se diga que está apenas em causa a obrigação do Estado de garantir o segredo de Justiça, a que os mais seriam, por assim dizer, indiferentes. Como se a falência no cumprimento dessa obrigação tornasse lícita a utilização por terceiros da revelação ilícita, qual mercadoria furtada, permita-se a analogia, em que o seu retalhista, bem sabendo do furto, poderia vendê-la licitamente, porque não fora ele o ladrão.”.

Vale, todavia, a pena levar este paradigma às suas últimas consequências, e ter presente que, sem o receptador, o furto não compensa.

Que o mesmo é dizer, se a comunicação social não puder usar licitamente a violação do segredo de justiça pelos participantes no processo, então tal violação passa a ser, na pior hipótese, tema de conversa de pátio ou de cochicho de salão, mas cessará esta exposição pública de culpas e suspeitas, quando nem sequer há uma certeza razoável de qualquer delas.

É que se é indispensável um maior zelo na perseguição da quebra do segredo de justiça pelos participantes no processo, a questão só começa e acaba aqui para quem entenda que a lei não impõe à generalidade das pessoas guardar aquela reserva, ou que se a impõe, deve deixar de o fazer.

Acontece é que, se há um interesse público na observância do segredo de justiça, dificilmente se compreende que esse interesse público só seja relevante quando a divulgação de factos por ele cobertos é feita pelos participantes no processo, e deixe de o ser quando essa mesma divulgação seja feita por qualquer outro cidadão.

O que é, obviamente, absurdo e iníquo.

Não pode, todavia, ignorar-se, que parte apreciável da jurisprudência tem sufragado a interpretação da lei vigente no sentido de que ela isentaria os jornalistas.

Valerá, então, a pena ponderar se é de manter tal estado de coisas, com a certeza, todavia, de que uma alteração da lei no sentido de englobar, inequivocamente, aquela classe profissional, mais não seria do que a consagração explícita, no entendimento de muitos, do regime já agora vigente.

Com isto não se confunde a reflexão que importa fazer sobre a aplicação do regime sancionatório instituído, sobretudo para as empresas de comunicação social, quando está em causa a ofensa ao bom nome e à reputação dos cidadãos, na convicção de que não há pior maneira de defender a liberdade de imprensa do que fazer de conta que ignoramos as queixas reiteradamente feitas sobre a matéria, e o desencanto com os valores democráticos que elas revelam.

Com este propósito, também não pode confundir-se a pretensão daqueles que, encavalitados na clarificação do regime de segredo de justiça ou na busca de critérios mais equilibrados na aplicação do regime sancionatório das ofensas ao bom nome e reputação, quisessem enveredar, agora, por uma qualquer restrição ao actual regime de liberdade de imprensa.

É que a mais larga crítica de pessoas e de instituições, o mais alargado confronto de ideias e de grupos, a mais irrestrita denúncia de abusos e de crimes, em suma, tudo o que constitui a razão de ser de uma imprensa livre, jamais pode estar em causa.


Minhas senhoras e meus senhores,

Tudo isto - formação dos agentes da Justiça, regime do segredo de justiça, controle da função judicial pelos media - são segmentos do sistema cujo perfil é essencial para a qualidade da administração da Justiça e para a consolidação da cidadania.

E isto num quadro - que garante o cidadão e constitui a superioridade da democracia - de os poderes do Estado, com a separação que os define, serem, todavia, limitados uns pelos outros.

É o que acontece com os órgãos de soberania.

É o que, em matéria de fiscalização da lei fundamental, acontece nas relações entre o Tribunal Constitucional e os demais tribunais.

É o que acontece no controle judicial a que está sujeita a actividade do Ministério Público.

Importa, todavia, ponderar, em que medida o sistema não deve ser aperfeiçoado, essencialmente em duas linhas.

Por um lado, pergunto, será de instituir o recurso de amparo, para reparar violações graves de direitos fundamentais, que de outra forma não teriam protecção, a interpor perante o Tribunal Constitucional, e que, já se encontra consagrado, com apreciável sucesso, em alguns dos nossos parceiros comunitários?

Não poderá ele representar uma válvula de segurança para a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e assim contribuir para uma melhor administração da Justiça?

Por outro lado, e deixo a questão em jeito de desafio, não deverá instituir-se o controle judicial do arquivamento de inquéritos, de tal modo que seja o poder judicial a certificar a legalidade da actuação do Ministério Público, e se dissipem insinuações que, aqui e ali, só enfraquecem a insubstituível posição desta magistratura?

E tudo isto com um inadiável reforço e aperfeiçoamento da hierarquia do Ministério Público em todos os níveis, para que se possa assegurar, pela atempada intervenção e fiscalização hierárquica, maior discernimento, maior rigor e maior respeito pela lei, em todos os graus desta magistratura.

A reflexão futura dirá se deve ser assim.


Minhas senhoras e meus senhores,

É sabido o empenho que pus, desde a primeira hora, na realização do Congresso da Justiça.

Não por ser advogado, e a iniciativa ter partido da Ordem dos Advogados, mas porque ela representava uma resposta à sugestão que fui fazendo, ao longo dos anos, nesta sede, para que os agentes da Justiça, e mais saberes interessados, se constituíssem em fórum permanente de reflexão e debate, que contribuísse, com a sua singular e insubstituível experiência, para a reforma da Justiça que todos reclamamos.

Precedido, aqui e ali, de confrontações, que bem poderiam ter sido evitadas, e com algumas más disposições, felizmente desfocadas pelo sucesso final, importa que ele não tenha sido, apenas, um armistício dos agentes da Justiça e o porto de chegada de reflexões e debates, mas constitua porto de partida para a compreensão recíproca dos agentes da Justiça e para a institucionalização de trabalho comum, a que sejam agregados todos os saberes que interferem no fenómeno judiciário e na organização da estrutura que o serve.

É isso que há-de permitir uma Justiça cada vez mais consensual, num quadro de competência e serenidade, que é o único em que mostra a sua verdadeira face.

Minhas senhoras e meus senhores,

Termino com uma frase simples. A única realidade que importa e nos justifica são as pessoas, para quem o direito existe e se aplica. Repito o que disse de início - ânimo, ânimo, ânimo para todas V.Exas, os excelentíssimos Agentes da Justiça. É por saber o que sei que acabo com confiança.