Discurso de SEXA o PR por ocasião da Conferência no Instituto Nobel Norueguês - "Paz e Integração Europeia - Desafios e Expectativas"

Noruega
04 de Fevereiro de 2004


Senhor Director
Senhores Ministros
Senhores Embaixadores
Minhas Senhoras e Senhores
Caros Estudantes

As minhas primeiras palavras são de agradecimento ao Professor Geir Lundestad pelo amável convite que o Instituto Nobel norueguês me dirigiu para usar da palavra nesta tão prestigiada tribuna. Quero também agradecer ao Centro de Estudos Europeus da Universidade de Oslo por ter organizado este encontro com a habitual eficácia. Por último, Senhor Director, agradeço-lhe as palavras que acaba de me dirigir e que muito me sensibilizam.

É com sincera emoção que estou nesta Casa. O tema que escolhi para abordar aqui hoje - "A Paz e a Integração Europeia" - pareceu-me impor-se com indiscutível naturalidade. Impõe-se, simbolicamente, pelo lugar onde nos encontramos, como tributo à memória de Alfred Nobel e a todos os que, sendo anualmente distinguidos com este Galardão, mantêm viva a confiança dos que acreditam e lutam pela paz; impõe-se, depois, como homenagem justa aos fundadores e construtores da Comunidade Europeia, enquanto empreendimento ímpar de paz durável.

Impõe-se, por último, pela singularidade dos tempos que vivemos, em que as expectativas e os desafios em torno da União Europeia se acumulam e se entrelaçam de um modo nem sempre claro, tornando assim premente a necessidade de debates clarificadores.

Desenvolverei este tema, distinguindo três períodos, a que correspondem diferentes realidades e ambições:

-Um primeiro, do passado remoto ao passado recente
-Depois, do passado recente ao presente
-Finalmente, do presente ao futuro


Do passado remoto ao passado recente

Como judiciosamente notava Raymond Aron, a guerra é de todos os tempos históricos e de todas as civilizações.

Um breve relance sobre a história da afirmação política dos Estados-nação na Europa, revela como estes, zelosos da sua soberania, autoridade e independência, produziram uma sucessão de guerras, conflitos e rivalidades, na procura da promoção dos seus interesses próprios, na constante afirmação do seu poder ou na gestão de um instável equilíbrio de forças.

Hegemonias, alianças e coligações, em que os grandes se opõem aos grandes, e os pequenos servem de contra-peso, aliando-se a uns e outros, consoante os interesses em jogo, marcam assim a história da Europa. Por isso, o Tratado de Vestefália, em 1648, refere expressamente a necessidade de assegurar "um justo equilíbrio entre as potências" e, mais tarde, no Congresso de Viena, a Europa é reorganizada em função de um equilíbrio entre as cinco grandes potências.

No plano formal, a esta realidade corresponde a ideia clássica de que a guerra é um instrumento legal, à disposição dos Estados. Encontramo-la, por exemplo, formulada em Grotius, na sua obra "Do Direito da Guerra e da Paz"; endossada por Montesquieu no "Espírito das Leis"; e, mais tarde, amplamente desenvolvida no "Tratado sobre a Guerra" de Clausewitz. A sua conhecida fórmula, segundo a qual a guerra não é somente um acto político mas um verdadeiro instrumento da política, uma realização desta por outros meios, é uma transposição para o plano teórico da constatação de séculos de lutas e de uma evidência: a guerra, nem a vitória militar que com ela se busca, são um fim em si mesmo.

Foi preciso esperar pelo século XX e pela inominável barbárie que o acompanhou para procurar colocar definitivamente a guerra fora da lei. Como se recordarão, o Pacto Briand-Kellog, no rescaldo do primeiro conflito mundial, proclamou solenemente a ilegalidade da guerra como instrumento da política. E para preservar a paz no mundo, foi criada a Sociedade das Nações.

Esta iniciativa inédita que, de resto, valeu ao Presidente Wilson o Prémio Nobel da Paz, em 1920, embora não tenha dado, de imediato, os seus frutos, correspondeu a uma verdadeira revolução na história das relações internacionais: a política da força e a diplomacia secreta dos Estados são substituídas pela cooperação internacional.

Mas foram precisos 55 milhões de mortos, 35 milhões de feridos, 3 milhões de desaparecidos, todo um continente devastado e o horror de Hiroshima e Nagasaki, para que, através da assinatura da Carta das Nações Unidas, os seus membros se comprometessem a assegurar a paz no mundo por meio da prevenção dos conflitos e da resolução pacífica dos diferendos.

A partir daí os Estados ficaram obrigados a reconhecer mutuamente a sua soberania e igualdade. O princípio do equilíbrio entre as potências, que sustentou tantos planos de hegemonia na história das relações internacionais, foi substituído pelo princípio de uma união universal de Estados, apostados na resolução pacífica dos conflitos, no pressuposto partilhado de que a guerra viola o direito das gentes.

A consagração, na Carta, da igualdade soberana dos Estados, introduziu um salto qualitativo na natureza das relações internacionais e alterou o curso da história. Embora continuem naturalmente a subsistir diferenças de estatuto, consoante se trate de pequenos ou grandes Estados, considerados em função do volume de recursos de que dispõem, apesar da distinção entre pequenas e grandes potências continuar naturalmente a subsistir, esta igualdade soberana, colocada no âmago da ordem internacional, confere aos Estados uma legitimidade e uma capacidade negocial acrescidas, assentes no reconhecimento da igualdade formal de todos os povos.

Foi em nome desta igualdade soberana, vertida no direito à auto-determinação, que a descolonização teve lugar e que, na Europa, vários Estados decidiram participar no processo da integração europeia, através do qual procederam a partilhas de soberania, abrindo a via a uma união política.

De resto, juntamente com a progressiva afirmação da Comunidade Internacional, assistiu-se também à emergência de novas dinâmicas a nível mundial, que limitaram o poder político por parte dos Estados.

Surgiram novas forças e actores que assumiram um protagonismo até então desconhecido, condicionando o próprio exercício da soberania estadual. Penso, naturalmente, na internacionalização da economia que transferiu competências e confrontou os Estados com perdas efectivas de soberania. Penso no papel e na influência crescente das opiniões públicas na formulação das decisões políticas. Penso, claro, no próprio reforço do primado da ordem internacional que impôs limitações à actuação dos Estados e introduziu novas exigências. Por exemplo, já não são só os interesses dos Estados que a ordem internacional leva em conta, mas também os das suas sociedades; à razão de Estado, acresce a defesa dos direitos humanos, com o reconhecimento, no plano internacional, do papel primordial do indivíduo e dos seus direitos fundamentais.

A este respeito, gostaria de lembrar o caso de Timor-Leste, como exemplo paradigmático do direito dos povos a disporem de si mesmos e a constituírem-se como Estados. Como sabem, para a independência do povo timorense foram determinantes, para além da sua comovente luta pela auto-determinação, quer os esforços intransigentes da Comunidade Internacional quer o firme empenho de Portugal em mobilizá-los. Ao recordar esta vitória do Direito e da Ética internacionais, para a qual o papel das Nações Unidas foi determinante, não posso deixar de insistir na necessidade de, em conjunto, continuarmos a apoiar o povo timorense no difícil processo de construção de um Estado de Direito, de estabilização da democracia e de edificação de uma economia assente num desenvolvimento sustentável.


Do passado recente ao presente

A Segunda Guerra Mundial põe fim ao apogeu da Europa, arruinando definitivamente as suas pretensões de ocupar um lugar dominante no concerto das nações. A Europa deixa de ser o centro do mundo para passar a ser um continente do mundo. Nada mais será como dantes.

Nos escombros da guerra, lutando contra o espectro da ideia do seu declínio, a Europa iniciou então a procura de uma unidade. Quase todas as organizações multilaterais europeias datam desta época. Em 1949 é criado o Conselho da Europa; em 1950, é instituída a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço; por fim, em 1957, são assinados os Tratados de Roma relativos à formação de uma Comunidade Económica Europeia e à utilização da Energia Atómica.

Com estes Tratados começa o processo de integração europeia, que conduziu ao Tratado de Maastricht, o qual consagra a criação da União Europeia. Nunca será excessivo salientar que este caminho de integração se destinou, antes de mais, a consolidar as condições de uma paz sólida e duradoura. Como é bem sabido, devemos a Schuman e Monnet este projecto de paz, absolutamente inédito e renovador, tanto mais arrojado quanto a própria Europa se encontrava dividida em dois blocos antagónicos e que a paz então possível residia no equilíbrio bipolar da guerra fria.

Graças à sua iniciativa, a Europa tem conhecido o período de paz mais longo da sua história. São já três as gerações consecutivas de cidadãos europeus que tiveram a felicidade de nascer e viver sem afrontarem directamente as atrocidades das guerras fratricidas, a violência gratuita e a barbárie.

Depois, graças ainda a este vasto projecto de integração, a Europa mudou e transformou também o mundo. Se não vejamos:

-a liberdade, a democracia e os direitos humanos, expressão positiva dos valores da paz, são hoje o rosto da Europa.
-a prosperidade, a estabilidade e o desenvolvimento crescente têm pautado a vida dos europeus.
-os cidadãos da União podem hoje reclamar uma cidadania partilhada, sendo iguais em direitos e podendo usufruir das mesmas liberdades e garantias.
-os Estados europeus, livremente associados, têm construído uma União Política absolutamente sui generis, sempre mais estreita e aprofundada, na certeza de que os une uma comunidade de destino e de valores partilhados.

Acrescem ainda dois factores: primeiro, este movimento de integração tem-se vindo a alargar sucessivamente a todos os povos europeus que livremente têm manifestado o desejo de participar neste projecto; depois, a União não tem permanecido fechada sobre si, confinada ao continente europeu, mas tem antes vindo a moldar, com os seus princípios e valores, a cena internacional, dando um contributo decisivo para consolidar a paz no mundo.

Gostaria de frisar este último ponto, porque o carácter ainda irregular e por vezes disperso da actuação da União Europeia, e o seu peso ainda insuficiente como actor eficaz da mundialização, nos fazem por vezes subestimar a sua intensa acção externa. Primeira potência comercial do mundo, a União Europeia tem desempenhado um papel de relevo no fortalecimento do sistema de comércio internacional e na sua regulação, designadamente no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC). Também no contexto das instituições financeiras internacionais, a Europa tem sabido afirmar-se como um actor influente, contribuindo para o estabelecimento de políticas mais adequadas às necessidades dos países em vias de desenvolvimento, nomeadamente no campo da educação, da saúde e da luta contra a pobreza. Quanto à área da Cooperação para o Desenvolvimento, não devemos esquecer que a União tem utilizado critérios inovadores, que ultrapassam o simples binómio comércio-assistência, procurando levar em consideração o contexto institucional e político, bem como a situação local inerente a cada país por forma a tornar a ajuda mais eficaz e a integrar esses países na economia mundial. Por último, é ainda de referir o importante papel que a União Europeia tem desempenhado na promoção da luta contra a pobreza e no âmbito do perdão da dívida externa dos países mais pobres.

Por todas estas razões, a União Europeia tem sido uma força centrípeta de paz entre os povos e as nações que a compõem, no sentido plenamente positivo desta palavra e não já apenas na acepção negativa, de paz como ausência de guerra. A União Europeia tem também agido como uma força centrífuga de paz em relação a todo o continente, como o presente processo de alargamento bem ilustra. De facto, a perspectiva da adesão à União Europeia foi determinante para a forma, célere e pacífica, como decorreu o processo de transição das jovens democracias de Leste, após a queda do muro de Berlim. Acresce que a União Europeia tem outrossim agido como um vector de paz no resto do mundo, não só pelo seu exemplo, como pela sua acção, ao nível da política externa, em prol da democracia, da redução das desigualdades entre os povos e do diálogo norte-sul, bem como, bem mais recentemente, através do início da realização de missões militares e de polícia, nos Balcãs ou no Congo, por exemplo.

A meu ver, a União Europeia constitui um modelo quase perfeito de "contribuinte líquido" para a paz no mundo: antes de mais, porque se tem construído no pressuposto de que a paz durável repousa na liberdade, na democracia, nos direitos humanos, na justiça social, na cultura do desenvolvimento viável e no progresso. Depois, porque assenta na ideia de que a paz passa, antes de mais, pela prevenção dos conflitos e, se for caso disso, pela sua resolução no respeito pela lei, através da negociação de soluções pacíficas. Em seguida, porque se tem desenvolvido no pressuposto último de que a paz é indivisível e não se alcança com solidez enquanto se mantiverem desníveis de desenvolvimento elevados entre os povos, enquanto a liberdade, a democracia, e a justiça e os direitos humanos não forem de aplicação universal, enquanto o direito a uma vida digna não for reconhecido mundialmente. Em quarto lugar, porque a União Europeia repousa no valor da diferença e da diversidade quer seja religiosa, étnica, nacional ou cultural, na concepção de que a diversidade não é uma ameaça, mas antes um factor de enriquecimento conjunto e recíproco, constituindo o respeito pela diversidade um princípio fundamental da paz. Por último, porque a União Europeia também percebeu que a paz não se impõe, mas vive-se colectivamente e que, não sendo um estado natural e espontâneo, se deve cultivar e promover todos os dias, através de uma pedagogia permanente e de acções concretas que a credibilizem.


Do presente ao futuro

Não obstante todos os progressos realizados, apesar das potencialidades da globalização no que respeita ao desenvolvimento económico e social dos povos, da consolidação da ordem jurídica internacional, do reforço do multilateralismo, como garante da paz no mundo, e da reunificação do continente europeu, vivemos, como é sabido, tempos de indefinição, incertezas e crescente intranquilidade.

Mal o muro de Berlim tinha sido derrubado, eclodiu a guerra nos Balcãs. A mundialização galopante e a interdependência crescente das economias e das sociedades não trouxeram necessariamente mais justiça, mais estabilidade, mais paz, maior igualdade de oportunidades e de desenvolvimento. A função reguladora da sociedade internacional nem sempre tem confortado as expectativas, nem surtido efeitos tangíveis. Os ataques terroristas do 11 de Setembro, e, por fim, a guerra no Iraque, parecem ter vindo abalar definitivamente a ordem internacional saída do século XX, sem que se possa ler ainda claramente o sentido das mudanças em curso. De facto, vivemos actualmente um período de transição, perante a acumulação de sinais de recomposição de uma ordem mundial nova.

Por um lado, chegam-nos os intensos, mas até agora incipientes, esforços de reforma das principais organizações internacionais – ONU, NATO, FMI, para referir apenas alguns exemplos salientes –, que atestam a necessidade de serem encontradas respostas mais ajustadas às realidades do nosso tempo. De resto, a crise nas relações transatlânticas provocada pela questão do Iraque, assim como a impotência onusiana face à emergência de novos padrões de actuação internacional que se começa a pautar por princípios regressivos, como o de guerra preventiva, corroboram a existência de uma indefinição geral quanto à matriz que, no futuro, orientará as relações internacionais. Na minha opinião pessoal, a formulação de conceitos como o de guerra preventiva carrega consigo o risco de um retrocesso na concepção legalista da paz. Neste contexto, é preocupante verificar que, por exemplo, perante a crise do Iraque se tenha assistido, por parte dos países europeus, ao ressurgimento de atitudes que estiveram mais próximas dos tempos do concerto das potências do que da desejável coerência que deveria moldar a política externa da União Europeia.

Por outro, de uma nova ordem internacional, chegam-nos sinais dos movimentos de integração regional que começam a afirmar-se, designadamente na América do Sul, no âmbito do MERCOSUL ou da ALCA, na Ásia, no contexto do ASEAN, para além naturalmente da União Europeia. Gostaria a este respeito de frisar que, embora no quadro europeu se registem algumas dificuldades que não devem ser menosprezadas, o projecto de reunificação do continente, consubstanciado no alargamento da União Europeia ao países da Europa de Leste e na sua adesão à Aliança Atlântica, tem tido uma função positiva e mobilizadora. Apesar das dificuldades que são inerentes a este processo de adaptação e de reformas, o maior desde a sua fundação, e não obstante os desafios que representa, a realização deste objectivo criou uma dinâmica construtiva que, de certa forma, tem contrabalançado os efeitos negativos da crise internacional e de uma situação económica pouco animadora.

Mas, como é bem sabido, também a União Europeia atravessa uma crise de crescimento que o concurso desfavorável de um conjunto díspar de elementos, tem contribuído, de resto, para agravar. Desde logo, uma conjuntura internacional difícil, marcada pela persistência da ameaça terrorista e pelo risco de proliferação de fanatismos irracionais.

Depois, uma situação económica pouco encorajante, que tem exigido sacrifícios aos cidadãos, mas que contrasta com o reforço e a afirmação internacional do euro. Em seguida, uma bloqueadora indefinição política em relação ao futuro da União Europeia, às suas finalidades e ao modelo de integração a seguir. Por fim, as dificuldades em estabelecer consensos relativamente a objectivos comuns de política externa. A tudo isto vêm ainda acrescendo problemas de liderança política da União e algumas prejudiciais quebras num indispensável clima de confiança entre os seus membros.

Não tenho dúvidas de que, apesar de todos estes factores adversos e da acumulação das dificuldades que acabei de enumerar, o maior alargamento da história da União se fará, como previsto, em Maio próximo. E por isso, 2004 ficará na história como um passo decisivo para a reunificação da Europa, selando também a realização de um desígnio histórico, desejado pelos seus fundadores. Mas, não duvido que afrontamos uma prova de enorme melindre, correndo o risco de uma crise sem precedentes, se não soubermos ter suficiente visão da história, determinação política e uma ambição forte para a Europa.

Este alargamento, trazendo para a União um conjunto relativamente grande e homogéneo de países que partilharam uma memória histórica recente semelhante, marcada pelos mesmos receios e preocupações, introduz uma inédita tensão nos equilíbrios prevalecentes a Quinze, não só do ponto de vista endógeno como exógeno. A Vinte Cinco, a União Europeia não só mudará de dimensões, mas de escala e, para alguns, de natureza. Aos olhos do mundo, aparecerá com outro perfil e contornos; do curso dos acontecimentos terá, porventura, uma outra percepção e abordagem; entre parceiros, o grau de diversidade será maior, os interesses e problemas mais variados, e os posicionamentos mais difíceis de sintonizar.

O risco é evidentemente de diluição do projecto europeu, de fragmentação da sua unidade, de perda de coesão, de quebra do espírito de solidariedade. O desafio é, pelo contrário, o de simultaneamente consolidar o alargamento, através do reforço da união entre os seus membros, e prosseguir na via do aprofundamento das políticas de integração. A meu ver, estes são dois objectivos que é indispensável conciliar porque correspondem a ambições legítimas e complementares. A conciliação não será, no entanto, possível sem convicções fortes e alguma dose de pragmatismo, sem espírito de unidade e capacidade de diferenciação, sem sentido de solidariedade e laços de confiança mútua.

Por isso, não acredito que o caminho a seguir passe por soluções à margem dos Tratados europeus, por provisórias e muito pioneiras que sejam, nem pelo adiamento sine die de um aprofundamento da construção europeia. Do meu ponto de vista pessoal, importa dotar a Europa de uma Carta Constitucional em que todos os europeus se revejam e através da qual se renovem os termos de um pacto europeu reforçado.

Mas, importa também que o futuro Tratado preserve a eficácia da União e, sem prejuízo da unidade e da coerência global, preveja mecanismos de necessária flexibilidade.

Entendo ainda que sem um reconhecimento da igualdade soberana entre os Estados, da mesma forma que a igualdade em direito é reconhecida aos cidadãos europeus, se tornará muito difícil a aceitação e o exercício de uma União Política, para além da União Económica que já existe. Que haja interdependência e integração económica dos Estados, não significa obviamente que estes deixem de existir e de aspirar a manterem-se como soberanias políticas, mesmo que aceitem exercer em conjunto algumas competências. De facto, o pior erro que poderíamos cometer seria pensar que soberania e independência já pouco significam. Bem pelo contrário, creio que este alargamento ilustrará justamente que as dimensões nacionais e as heterogeneidades delas decorrentes são realidades vivas e poderão condicionar a evolução futura da história europeia. Haverá pois que saber encontrar um caminho de valorização das diversidades, sem descurar nem o princípio de unidade nem o direito à igualdade.

Do ponto de vista puramente racional, a solução ideal para a Europa dos Povos e dos Estados que queremos construir seria a federação que, como Raymond Aron refere com crueza, é “a versão civilizada ou voluntária do império”. Mas, como sabem, a história quase nunca é um produto da razão. Por isso, não acredito numa solução federalista pura para a Europa, no sentido estrito deste termo. Pela minha parte, gostaria de defender uma via que se aproxima da formulação feliz de Jacques Delors de uma Federação de Estados Nação, na qual cada um deles encontre no interesse geral a expressão do seu próprio interesse particular.

Entendo também que a expectativa de um mundo mais justo, com um rosto mais humano encontra razões acrescidas num Europa forte e alargada, dotada de uma Política Externa e de Segurança Comum coerente, até porque os desafios que se nos colocam hoje só encontrarão respostas adequadas à escala colectiva.

As opções políticas de um povo são fruto da sua história, da visão que este forma do presente e do futuro que, num determinado momento, deseja para si. Correspondem a decisões livres, democráticas e soberanas que representam a vontade colectiva e, por isso, merecem o nosso respeito. Pela minha parte, entendo que a Noruega sempre ocupou um lugar importante na Europa, contribuindo para a sua riqueza e unidade. Por isso, permito-me formular votos pessoais para que um dia o Reino da Noruega venha a participar plenamente na União Europeia, continuando a exercer esse papel no seio desta comunidade de Estados e Povos.

Não creio errar se disser que há muito mais a unir-nos do que separar-nos. E quero crer que, se juntarmos os nossos esforços, conseguiremos delinear uma via de equilíbrio que crie condições para que os nossos jovens de hoje sejam amanhã cidadãos do mundo, orgulhosos da Europa a que pertencem.

Pessoalmente, continuo a acreditar que a União Europeia é a aposta certa para os desafios do nosso tempo. Entendo que tem um papel inconfundível a desempenhar na defesa da paz mundial, na criação de um quadro de desenvolvimento durável e equitativo e na preservação do valor da diversidade das nossas culturas e tradições. Confio que os europeus saberão dar o devido valor à insubstituível oportunidade que a União Europeia tem representado para a paz, a estabilidade, a prosperidade, o desenvolvimento, a democracia, a justiça e o respeito pelos direitos humanos na Europa e no mundo. E quero esperar que a Europa continue a ser um espaço de paz entre os povos, gerador de uma dinâmica internacional de paz no mundo.