Intervenção de Sua Excelência o Presidente da República na Conferência“Breaking the Barriers – Partnership to fight HIV/AIDS in Europe and Central Asia” - Sessão Plenária

Dublin
23 de Fevereiro de 2004


É com muito gosto que participo nesta conferência.

Ela constitui, sem dúvida, um grande desafio à nossa capacidade técnica e política para enfrentar com êxito a epidemia e o impacto do VIH/SIDA nas nossas sociedades; mas é também um exigente teste à nossa coerência.

Por isso, saúdo a iniciativa pioneira da presidência irlandesa da União Europeia, que traduz a importância que o problema merece.

Faço questão, também, de prestar homenagem a todas as entidades que têm desempenhado nas últimas décadas um papel determinante neste processo, distinguindo nessa homenagem as Nações Unidas como a grande dinamizadora de uma intervenção fecunda, com resultados significativos nos consensos internacionais obtidos, nas políticas traçadas, nos fundos recolhidos para auxilio a populações mais necessitadas.

A Declaração de Compromisso da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2001, a criação do Fundo Global para a luta contra a SIDA, Tuberculose a Malária, a campanha 3 em 5 (3 by 5 campaign), para permitir o acesso de 3 milhões de pessoas com VIH/SIDA, em países em vias de desenvolvimento, a terapia antiretroviral até ao final do ano de 2005 constituem três iniciativas de grande alcance.

O trabalho da ONUSIDA e da Organização Mundial de Saúde tem-nos, por outro lado, transmitido a garantia do envolvimento persistente e efectivo das Nações Unidas no combate à infecção em todo o mundo.

A União Europeia cedo fixou princípios de base comuns para guiar a prevenção e a luta contra a SIDA nos Estados membros e ensaiou a criação de uma estrutura encarregada de assegurar a sua monitorização; nos anos noventa os programas “A Europa contra a SIDA” e o programa de acção de prevenção da SIDA foram concebidos para apoiar os Estados membros a alcançarem os seus objectivos na luta contra a SIDA.

Mas é necessário avançar mais. Este seminário vai, do meu ponto de vista, na direcção certa, ao alargar a participação a outros países da Europa e da Ásia Central e ao incluir na proposta de Declaração acções concretas nos domínios mais sensíveis.

A União Europeia está a crescer com a adesão de novos Estados membros, tendo de encarar a adopção de políticas novas para situações em mutação.

Convivemos hoje, nos nossos países, com cidadãos de diferentes partes do mundo, pelo que devemos estabelecer estratégias nas políticas sociais, e em concreto nas políticas de saúde, que contemplem aspectos culturais e epidemiológicos diversos. A informação, a educação e a formação sobre doenças transmissíveis, e em concreto sobre SIDA, devem ter em conta uma realidade social cada vez mais complexa e plural e que exige acções destinadas a imigrantes e a comunidades étnicas que não se inserem nos grupos-alvo tradicionais.

A noção de populações de risco é hoje diferente da que adoptávamos há uma década, impondo-se que a própria ideia de risco passe a incluir os efeitos da estigmatização e da discriminação a que cidadãos de Estados membros da União Europeia ou de Estados terceiros estão sujeitos por força de uma integração não conseguida.

É necessário, pois, que nos programas de prevenção, nos programas de tratamento, na luta contra o estigma e a discriminação, nas parcerias, se insira uma preocupação transversal com as comunidades imigrantes. Trata-se, afinal, de, nas novas condições de mobilidade demográfica e de convivência multicultural que estão sendo sedimentadas no Velho Continente, levar a sério os princípios inspiradores do chamado “Modelo Social Europeu”.

Por outro lado, a União Europeia deve criar, a exemplo do que decidiu em 1993 para a droga e as toxicodependências, uma agência própria que constitua um instrumento técnico e político capaz de estabelecer políticas comunitárias consistentes nesta matéria. O apoio aos Estados membros e a cooperação com países terceiros e as organizações internacionais, em particular a Organização Mundial da Saúde e a ONUSIDA, devem ser os dois principais objectivos desta nova agência da União Europeia. A elaboração de informações objectivas e comparáveis a nível europeu sobre o problema do VIH/SIDA deve constituir a primeira tarefa deste órgão; refiro-me concretamente a informações sobre aspectos epidemiológicos, mas também sobre as estratégias e as políticas nacionais e comunitárias nesta área e sobre a cooperação internacional.

Essa agência deve constituir, pois, por um lado, o ponto focal da União Europeia sobre SIDA e, por outro lado, o pólo dinamizador de intervenções técnicas e políticas nacionais e comunitárias assentes na evidência científica, na partilha de conhecimentos e de informações.

O problema da SIDA deve ocupar um lugar cimeiro nas agendas políticas nacionais e comunitária, deve constituir uma prioridade financeira, e exige o envolvimento dos principais actores que podem influenciar positivamente o comportamento das populações, melhorar a informação e a efectividade das decisões, prevenir o estigma, a discriminação e a exclusão social. É necessário um compromisso social, que a todos envolva, e um compromisso político que passe das palavras aos actos, também no domínio do auxílio aos países mais afectados pela epidemia, em especial os da África sub-sahriana.

Deixo, pois, à Presidência da União Europeia, ao Presidente do Parlamento Europeu e à Comissão Europeia este desafio para que, no quadro de uma união de povos em alargamento, possamos dar passos mais efectivos no sentido de controlar este gravíssimo problema e dispor de um instrumento de cooperação internacional mais eficaz.
Numa Europa solidária, ciosa do seu modelo social e aberta à cooperação com os países mais pobres e em desenvolvimento, não faz sentido aceitar que haja seres humanos dispensáveis, nem riscos colectivos entregues à sua potencial fúria devastadora. A prevenção da SIDA e a luta contra os seus efeitos são, afinal, hoje, exigências básicas de cidadania e de fraternidade universalista – não podemos descurá-las.