Discurso de SEXA o PR por ocasião da Sessão de Abertura do Seminário "Que Portugal na Nova Europa?"


27 de Fevereiro de 2004


Senhor Presidente do Conselho Económico e Social,
Excelências
Minhas Senhoras e Senhores

Foi com agrado que acedi ao amável convite que o Senhor Professor Bruto da Costa me dirigiu para participar na abertura deste Seminário sobre Portugal e a Europa alargada que, em boa hora, o Conselho Económico e Social entendeu organizar. Agradeço-lhe, também, Senhor Presidente, as palavras que acaba de me endereçar e que me sensibilizam.

Confesso que é com vivo interesse que estou aqui convosco, não só pelo apreço pessoal que tenho pelo trabalho desenvolvido pelo Conselho Económico e Social a favor da concertação social, do diálogo entre agentes económicos e parceiros sociais e da promoção do debate nacional em torno das grandes questões europeias, mas também pelo tema escolhido para este seminário, que não podia ser mais oportuno.

A presença aqui de uma tão ilustre assistência, a quem desejo apresentar as minhas cordiais saudações, é uma prova da importância da problemática escolhida e constitui uma auspiciosa garantia de que as discussões serão animadas e fecundas.

Tendo-me sido concedida a honra de introduzir o tema de "Portugal na nova Europa", trago-vos algumas breves reflexões que vou articular em torno de três pontos:

1.Alargamento, unificação da Europa e dilemas políticos
2.A estratégia de Lisboa e a coesão social
3."E Portugal ?"


1. Alargamento, unificação da Europa e dilemas políticos

A iminente adesão à União Europeia das jovens democracias da Europa Central e Oriental, de Chipre e de Malta, bem como a integração da Roménia e da Bulgária, prevista para 2007, não correspondem apenas a mais um alargamento, a somar aos quatro precedentes, mas constituem a realização de um desígnio político de longo alcance, a caminho da unificação do continente europeu.

Neste sentido, podemos afirmar que a ambição europeia de Schuman e de Jean Monnet, que no seu tempo certamente se aparentava mais a uma utopia do que a um projecto político, se encontra hoje praticamente realizada.

Não tenho dúvidas de que há um ciclo da história da integração europeia que a 1 de Maio será completado, com sucesso. Devemo-nos orgulhar com o cumprimento desta meta, inaugurada, de resto, com a adesão da Grécia, de Espanha e de Portugal. Que o alargamento a Vinte Cinco tenha lugar no ano do trigésimo aniversário do 25 de Abril é, a meu ver, uma feliz coincidência, que simboliza a realização do ciclo histórico da democratização na Europa e marca o início de uma nova fase da construção europeia. É, no entanto, bom não esquecer que para encerrar definitivamente este ciclo falta ainda completar o movimento de reunificação do continente, alargando-o aos países martirizados dos Balcãs Ocidentais.

A Europa, hoje a Vinte Cinco, amanhã a Vinte Sete e dentro de alguns anos a Trinta ou mesmo Trinta e Cinco, não será mais como a União que conhecemos a Doze ou a Quinze. A Vinte Cinco, a Europa não só mudará de dimensões, mas de escala e, porventura, de natureza. Até porque também o mundo mudou, a história acelerou-se e as nossas sociedades transformaram-se.


Senhor Presidente

Não quero alongar-me em considerações sobre a Europa política que emergirá deste século. Todos sabemos que, depois de um auspicioso começo, com um debate amplo, profundo e alargado sobre o futuro da Europa e a convocação da Convenção, os trabalhos sobre a reforma política da União Europeia perderam o fôlego inicial.

Retrospectivamente, talvez devamos concluir que houve alguma precipitação desnecessária na fixação do calendário das negociações. A Convenção encerrou os seus trabalhos sob pressão e na CIG esta situação reproduziu-se, tendo levado ao fracasso do Conselho Europeu de Dezembro último.

A cristalização do debate em torno de opções que nunca foram suficientemente examinadas, nem no seio da Convenção nem da CIG, e o impasse que hoje vivemos resultam sem dúvida do tratamento atabalhoado que as questões institucionais mereceram ao longo deste processo.

Não quero crer que tal erro tenha sido premeditado ou haja resultado de uma estratégia finalmente desastrosa. Mas, também não posso deixar de reconhecer que contribuiu para esta situação, por um lado, a ausência de uma liderança política forte, por outro, a inexistência de uma vontade política comum e de uma visão partilhada do que se quer para a Europa do século XXI. De resto, creio que a reincidência das tentativas de concertação entre alguns parceiros à margem das reuniões comunitárias são disso o testemunho, não contribuindo em nada para reforçar os laços de confiança nem o espírito de coesão entre os Membros da União.

O impasse criado incita à reflexão e a uma reconsideração das prioridades para o futuro próximo.

Em primeiro lugar, parece-me que entre dispormos de um Tratado que fique claramente aquém das expectativas e que represente mais uma solução provisória estipulando o seu próprio prazo de expiração, como sucede com o Tratado de Nice, ou diferirmos no tempo a adopção de um Tratado Constitucional que satisfaça as pretensões de todos, vá ao encontro da vontade dos europeus e ofereça um compromisso sólido para o futuro, se deverá optar, sem hesitação, pela segunda alternativa.

Em segundo lugar, dado o já consumado fracasso da CIG e respectivos danos eventuais a nível das opiniões públicas europeias e atendendo a que, do ponto de vista jurídico e funcional, não há qualquer vazio nem hiato que obste ao regular funcionamento da União, deveremos aproveitar este revés da história e procurar beneficiar plenamente desta postergação, em que vejo pelo menos 3 vantagens:

-deixar amadurecer melhor as questões;
-permitir aos Estados Membros dedicarem a atenção desejada às sobrecarregadas agendas internas para 2004, obstando a condicionamentos indesejáveis;
-concentrar a agenda europeia para o ano em curso, também ela extremamente exigente, nas prioridades verdadeiramente inadiáveis.

De facto, é bom não esquecer que o alargamento embora consumando-se juridicamente no próximo dia 1 de Maio, longe de ser obra acabada, é ainda um extenso estaleiro, cuja conclusão é indispensável levar a bom porto. A meu ver, esta sim, deve ser a prioridade máxima porque falhar o alargamento representará o naufrágio da União Europeia e de cada um dos seus países.

Do meu ponto de vista, realizar com sucesso o alargamento será antes de mais continuar a inspirarmo-nos em Schuman e Monnet, optando por prosseguir no caminho, seguro, da integração gradual, reforçando as realizações concretas e apostando na criação de solidariedades de facto.

Isto significa conseguirmos realizar três objectivos que, de resto, Jacques Delors aponta nas suas recentes Mémorias:

-a consolidação de um espaço de paz e de segurança, não só a nível interno, agora alargado a Vinte Cinco, mas também no que respeita a uma política de gestão adequada das futuras fronteiras da União e igualmente no plano do desenvolvimento de uma política concertada de relações de vizinhança com os países fronteiriços da UE;
-a realização dos objectivos da Estratégia de Lisboa, ou seja, o estabelecimento de um quadro para o desenvolvimento sustentável e equitativo da Europa que alie indissociavelmente competitividade e coesão social;
-a preservação do princípio do diálogo e da diversidade das nossas culturas e tradições, fundada no valor da diferença e da diversidade quer seja religiosa, étnica, linguística, nacional ou cultural, na concepção de que a diversidade não é uma ameaça, mas antes um factor de enriquecimento conjunto e recíproco, constituindo o respeito pela diversidade um princípio fundamental da paz.

O risco com que nos deparamos é, evidentemente, de diluição do projecto europeu, de fragmentação da sua unidade, de perda de coesão, de quebra do espírito de solidariedade. O desafio é pois o de simultaneamente consolidar o alargamento através do reforço da união entre os seus membros, e prosseguir na via do aprofundamento das políticas de integração. A meu ver, estes são dois objectivos que é indispensável conciliar porque correspondem a ambições legítimas e complementares. A conciliação não será, no entanto, possível sem convicções fortes e alguma dose de pragmatismo, sem espírito de unidade e capacidade de diferenciação, sem sentido de solidariedade e laços de confiança mútua.

Por isso, não acredito também aqui que o caminho a seguir passe por soluções à margem dos Tratados europeus, por provisórias e muito pioneiras que sejam, nem pelo adiamento sine die de um aprofundamento da construção europeia.

Que, por isso, fique bem claro que, embora reconheça virtudes na postergação da adopção de um novo Tratado para a União, também não advogo um adiamento sine die da reforma política da União Europeia.

Continuo a acreditar que, a prazo, importa dotar a Europa de uma Carta Constitucional em que todos europeus se revejam e através da qual se renovem os termos de um pacto europeu reforçado. Mas, importa também que o futuro Tratado preserve a eficácia da União e, sem prejuízo da unidade e da coerência global, preveja mecanismos de necessária flexibilidade.

Continuo ainda a pensar que sem um reconhecimento adequado da igualdade soberana entre os Estados, da mesma forma que a igualdade em direito é reconhecida aos cidadãos europeus, se tornará muito difícil a aceitação e o exercício de uma união política efectiva, para além da união económica que já existe.

Do ponto de vista puramente racional, a solução ideal para a Europa dos Povos e dos Estados que queremos construir seria a federação.

Mas, como sabem, a história quase nunca é um produto da razão. Por isso, não acredito numa solução federalista pura para a Europa, no sentido estrito deste termo. Pela minha parte, gostaria, no entanto, de defender uma via que se aproxima da formulação feliz de Jacques Delors de uma Federação de Estados Nação, na qual cada um deles encontre no interesse geral a expressão do seu próprio interesse particular. Gostaria a este propósito de reiterar que continua a ser minha íntima convicção de que a melhor forma a garantir a plena igualdade entre os Estados teria sido a de recriar no seio da EU um mecanismo do tipo bicameral, que fosse expressão da dupla legitimidade da Europa, como União de Estados e de Povos. Essa não foi, no entanto, a via acolhida pela maioria. Respeito a opção, embora lamente, naturalmente, que não tenha havido uma discussão séria desta via, evocada, de resto, por inúmeras personalidades e especialistas.

Naturalmente, entendo também que a expectativa de um mundo mais justo, com um rosto mais humano encontra razões acrescidas num Europa forte e alargada, dotada de uma Política Externa e de Segurança Comum coerente, até porque os desafios que se nos colocam hoje só encontrarão respostas adequadas à escala colectiva. Pela minha parte, continuo a pensar que a União Europeia é a aposta certa. Continuo a confiar que os europeus saberão dar o devido valor à insubstituível oportunidade que a União Europeia tem representado para a paz, a estabilidade, a prosperidade, o desenvolvimento, a democracia, a justiça e o respeito pelos direitos humanos na Europa e no mundo.


2. A Estratégia de Lisboa e a coesão social

O impacto do alargamento é particularmente tangível quando nos reportamos a números. A Vinte Cinco, a Europa contará com mais 20% do que a população actual (ou seja, perfaremos 500 milhões), mas o PIB per capita da União alargada vai diminuir 12,5%. Por outro lado, as disparidades socio-económicas vão duplicar na Europa alargada pois 92% dos nacionais dos novos Estados Membros vivem nas regiões em que o PIB por habitante é inferior a 75% da média europeia dos 25 e mais de dois terços nas regiões em que é inferior a 50% desta média. Estes são números que podemos encontrar no Terceiro Relatório sobre a Coesão Económica e Social, publicado recentemente pela Comissão.

Por outro lado, o fraco crescimento económico que a União Europeia tem registado nos últimos anos deve incitar-nos a tomar medidas que permitam ganhar a batalha da competitividade e do crescimento. Mas para além desta batalha, que a actual conjuntura económica pouco favorável torna mais difícil, importa ainda atacar o problema das graves disparidades persistentes entre países e regiões no plano da produção, da produtividade e do emprego.

Sabemos bem, e o referido Relatório lembra quem não o saiba, que as causas das disparidades se devem a deficiências estruturais no domínio dos factores chave de competitividade – insuficiência do capital físico (em infra-estruturas) e humano (qualificação da mão-de-obra), falta de capacidade de inovação e de um apoio eficaz às empresas, baixo nível do capital ambiental (degradação do ambiente natural e/ou urbano).

Para colmatar estes défices, a União Europeia dispõe de dois instrumentos programáticos fundamentais e complementares: por um lado, a Estratégia de Lisboa, por outro as políticas de coesão. Como é também bem sabido, a Estratégia de Lisboa visa transformar a Europa na economia fundada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo até 2010. Ou seja, a Estratégia de Lisboa visa capacitar a EU a responder aos desafios resultantes da mundialização, da abertura dos mercados, dos efeitos da revolução tecnológica, do desenvolvimento da economia do conhecimento e do envelhecimento da população. Quanto às políticas de coesão, elas são aliás necessárias à plena valorização do potencial económico da EU, garantindo a igualdade de oportunidades de todos os Estados Membros e dos cidadãos europeus na partilha dos benefícios do crescimento.

De facto, a especificidade do modelo social europeu, que tanta tinta tem feito correr, reside precisamente na convicção de que é possível articular crescimento e coesão e de que ambos concorrem para o mesmo fim. Contrariamente a outros modelos, a Estratégia de Lisboa assenta na complementaridade entre produtividade e políticas de coesão, havendo que considerar as últimas como uma parte integrante da Estratégia, no pressuposto de que o reforço da coesão social reduz a instabilidade, e insegurança, promove a qualidade do trabalho e aumenta assim a competitividade e o bem-estar dos cidadãos.

Como diz Jacques Delors, a especificidade da Europa Económica e Social reside na competição que estimula, na cooperação que reforça e na solidariedade que une. Para que assim possa continuar a ser, como obviamente deve, e atendendo aos novos desafios provocados pelo alargamento, é preciso que o orçamento comunitário esteja à altura do desafio. Seria, de facto, enganador atribuir à União Europeia poderes e responsabilidades sem lhe atribuir os meios necessários para a sua realização e cumprimento, tanto mais que as responsabilidades pelo emprego e pela inclusão social pertencem essencialmente aos Estados-Membros, muitos deles bastante carenciados de recursos e sujeitos a conhecidas disciplinas orçamentais restritivas.

É conhecida a posição dos Estados-Membros contribuintes líquidos, que pretendem diminuir as suas contribuições para o orçamento comunitário. Mas, convirá lembrar-lhes, por um lado, que a coesão económica e social é a contrapartida da abertura das economias menos desenvolvidas às exigências do mercado único, e, por outro lado, que as suas contribuições representam afinal e sobretudo um investimento nas referidas economias, colhendo um bom retorno e concorrendo para um desenvolvimento mais harmónico.

A negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio para o período 2007-2013 não será por isso fácil. Uma via complementar para apoiar os países mais necessitados – e na actual conjuntura também para ajudar a reanimar a economia europeia – poderia ser, como já diversas vezes referi, a realização de necessários investimentos em infra-estruturas financiados, em grande parte, por instituições comunitárias, como o Banco Europeu de Investimentos.

Recordo que, há dez anos, o então Presidente Delors também apresentou um ambicioso plano para o Crescimento, Competitividade e Emprego, para cuja financiamento era proposta a emissão de obrigações pela própria União Europeia, ideia que esbarrou com a oposição de alguns Estados-Membros, impedindo assim a concretização do Plano. Mas, com a criação da moeda única, a ideia de emissão de obrigações pelo Banco Europeu de Investimento ou pela própria União Europeia pode ser mais viável. A prossecução de um programa deste tipo num qualquer Estado-Membro da União Europeia também beneficia as economias dos restantes pela via da expansão do rendimento e do comércio. Isto mostra quão importante e necessário é o reforço da coordenação das políticas económicas não só entre os membros do EuroGrupo mas de toda a União Europeia, pois há medidas que podem não ser viáveis ou aconselháveis à escala de um Estado-Membro mas que se revelariam bastante úteis à escala comunitária. A este respeito, entendo que o projecto constitucional submetido à CIG contém alguns progressos, ao melhorar os procedimentos de coordenação na linha das propostas da Estratégia de Lisboa e ao reconhecer ao Eurogrupo um papel que lhe permitirá endossar responsabilidades acrescidas.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Salvaguardar o modelo social europeu, para os actuais e os futuros membros da União Europeia, é um objectivo que reputo essencial. É bom não esquecer que estamos perante matérias que têm um impacto directo na vida dos cidadãos, conferindo ao projecto político europeu um rosto humano. Pela minha parte, gostaria de reafirmar a importância do modelo social europeu, enquanto parte do nosso legado civilizacional e elemento essencial da integração europeia. Julgo igualmente que deveríamos assumir que, até agora, se tem tentado enfrentar a questão social e o problema da solidariedade de um modo limitado. Reconheço, naturalmente, que estamos num domínio em que se jogam interesses nacionais ponderosos nem sempre convergentes e em que as particularidades de cada Estado-Membro são importantes. Mas, conto-me entre os que pensam que é indispensável criar sinergias no seio da União para tratar em conjunto de matérias de interesse comum, para encontrar um bom equilíbrio entre o desenvolvimento económico – na linha da reafirmação da Estratégia de Lisboa - e o desenvolvimento social e procurar uma melhor coerência entre os objectivos de política monetária, o desempenho económico e os princípios da justiça social.


3."E Portugal ?"

A opção europeia é parte essencial das grandes opções da democracia portuguesa. Foi o regime democrático que permitiu a Portugal aderir à então Comunidade Europeia, um projecto político com instituições específicas que, desde então, partilhamos e ajudamos a construir. A nossa democracia uniu o seu destino ao da Europa, podemos dizê-lo.

Talvez por esta razão, em Portugal, nunca uma questão foi tão consensual como a da Europa. Devemo-nos orgulhar deste consenso e esforçar por mantê-lo forte e inquebrantável. Primeiro, porque significa que os portugueses identificam a Europa com os valores da paz, da estabilidade, da democracia, da justiça e do respeito pelos direitos humanos, que são, na realidade, os princípios fundadores da construção europeia. Depois, porque significa que os portugueses identificam a Europa com uma oportunidade única de modernização e desenvolvimento do país, reconhecendo o papel inestimável da solidariedade europeia na preservação da coesão territorial, social e económica nacional. Em terceiro lugar, porque significa que os portugueses, sendo uma nação antiga com uma identidade cultural forte, aberta aos outros e com vocação universalista, encontraram na Europa um espaço privilegiado de valorização da diversidade e de afirmação da sua identidade. Em último lugar, porque significa que os portugueses entendem a Europa também como uma forma de reforçar a sua presença no mundo. Mas a Europa é um processo aberto, uma construção progressiva e uma negociação permanente. Não surpreende, por isso, que os cidadãos, hoje felizmente mais exigentes e atentos ao exercício da cidadania, coloquem dúvidas e perplexidades, onde antes existia uma adesão automática.

Importa pois incentivar um debate sério e profundo sobre os problemas actuais da construção europeia e a forma como o nosso interesse nacional se posiciona perante eles, colmatando assim a clara insuficiência de discussão destas questões que se verifica ainda entre nós. Há que saber identificar os nossos interesses e objectivos, para traçar a linha de fronteira entre o essencial e o acessório Quanto mais rigoroso for o debate, menor será a probabilidade de nos dividirmos sobre questões semânticas e desajustadas do tempo e da realidade das relações internacionais
Na verdade, não creio que seja desejável permitir que se confundam dificuldades ocasionais com exigências ligadas às características próprias do processo de integração, ou tão pouco que se confundam problemas que pertencem à agenda interna dos Estados, e que só a estes compete resolver, com opções e desígnios políticos mais vastos.


Senhor Presidente

Todos sabemos que se colocam actualmente a Portugal uma série de desafios, que só poderão ser vencidos mediante uma estratégia nacional, global e rigorosa, que permita ao país encetar com confiança a sua caminhada no século XXI.

Reconheço, porém, que na actual situação, se cruzam múltiplos factores de perturbação, uns apresentando um carácter exógeno, outros de natureza endógena, embora estas não sejam categorias estanques.

Entre os primeiros, poderíamos mencionar: o clima de crise internacional; as dificuldades da reforma da União; o receio de que esta possa evoluir para um modelo que não assegure o princípio da igualdade entre os Estados ou enfraqueça o princípio da solidariedade. Entre os segundos, mencionaria: os problemas evidentes que o alargamento coloca a Portugal; as dificuldades económicas que o país atravessa; a necessidade de preservar os equilíbrios peninsulares.

A difícil gestão de todas estes factores tem aberto algumas fendas no consenso nacional que, até agora, vem prevalecendo em torno da opção europeia de Portugal. Mas continua a ser largamente maioritário o entendimento de que a solução destes problemas não deve passar pelo abandono ou pelo afrouxamento desta opção. E é forte a convicção de que seria um desastroso erro de estratégia, de incalculáveis consequências negativas, conceber que o futuro de Portugal possa ter lugar à margem do processo de integração europeia.

Aos que nisso acreditem – num salutar direito de opinião – responderei apenas que se esquecem que vivemos num mundo globalizado em que, só pertencendo a um espaço integrado, se conseguirá assegurar a defesa eficaz dos nossos interesses nacionais, no plano político, no campo económico, no domínio cultural. É, pois, pela Europa, e não contra a Europa, que nos devemos bater, pela defesa intransigente do acervo de valores e princípios que até agora têm modelado o seu rosto, nomeadamente, pela preservação da igualdade, pelo reforço da solidariedade e pela manutenção da coesão entre todos os seus Membros.

Aos que à integração europeia e ao alargamento atribuem o ónus das nossas presentes dificuldades económicas, lembrarei que aumentar a produtividade, investir numa economia competitiva, num sistema produtivo moderno, inovador, tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade nos mercados internacionais é responsabilidade que cabe, em primeira mão, aos empresários, aos trabalhadores, ao Governo e aos poderes locais e que, nestes domínios, a União Europeia desempenha afinal um papel decisivo ao criar um quadro de regulação necessário a um desenvolvimento sustentado e equitativo.

E aos que imaginam que a alternativa à Europa está no Atlântico, lembrarei também que muita da nossa capacidade de intervenção nos espaços tradicionais da acção externa portuguesa dependerá do lugar útil que conseguirmos assegurar no seio da União Europeia, como parceiro activo e empenhado.

Pela minha parte, não tenho quaisquer dúvidas de que para Portugal a aposta certa é a Europa e que, para Portugal, a participação no processo político de integração europeia é uma questão de identidade.