Parlamento Húngaro

Húngaro
12 de Abril de 1999


Senhor Presidente
Senhores Deputados
 
É para mim uma grande honra poder dirigir-me aos representantes do povo húngaro, nesta casa que simboliza tão eloquentemente a sua luta pela liberdade ao longo de uma história milenária.

É uma alta distinção que honra, antes de mais, Portugal e os portugueses, e que espelha o nosso empenho comum num crescente reforço das nossas relações no quadro europeu que é o nosso.

Como parlamentar que já fui, este encontro com todos vós, Senhor Presidente e Senhores deputados, reveste-se, para mim, de um significado e de uma emoção muito particulares.

Permitam-me que recorde esta minha antiga condição para reiterar a importância decisiva que atribuo aos Parlamentos enquanto instâncias centrais da democracia representativa e do pluralismo político, fórum incontornável do livre debate das ideias e dos projectos que moldarão o futuro colectivo dos Estados democráticos, sede legítima da formação da vontade nacional.

Desejo, assim, e antes de mais, saudar os deputados aqui presentes, e saudar, por seu intermédio, a grande nação húngara, prestar homenagem à sua História e à sua cultura tão rica, ao seu contributo indispensável para moldar a Europa do próximo milénio. Saudação esta a que se associam, naturalmente, os membros do Governo e os representantes de todos os partidos políticos com assento no Parlamento português que me acompanham nesta visita.

Trata-se de uma visita, Senhor Presidente e Senhores Deputados, que ocorre num momento particularmente simbólico na vida dos nossos dois países:

- há vinte e cinco anos era derrubada a ditadura que, durante quase cinquenta anos, oprimira os portugueses e lhes negara as condições do seu progresso político, económico e social, impedindo-os paralelamente de integrar o concerto das democracias europeias;

- pouco depois da revolução de 25 de Abril de 1994, restabeleciam-se as relações diplomáticas entre a Hungria e Portugal, abrindo caminho para uma normalização das relações bilaterais;

- há dez anos era revista a constituição húngara, institucionalizando uma democracia pluralista consolidada no ano seguinte por eleições livres, as primeiras em mais de quarenta anos, e abrindo caminho para a reintegração plena da Hungria no quadro institucional europeu;

- há escassas semanas, a Hungria tornou-se um parceiro a parte inteira da Aliança Atlântica, contribuindo assim para o fortalecimento da segurança e da estabilidade democrática da Europa e para o reforço da cooperação Euro-Atlântica;

- dentro de pouco mais de seis meses, Portugal assumirá a Presidência da União Europeia; estamos conscientes das responsabilidades particulares que nos incumbirão relativamente a um processo que permitirá institucionalizar a aliança do conjunto das democracias europeias, dando corpo a um espaço comum de progresso crescente, de paz e de solidariedade.

Creio, pois, Senhor Presidente e Senhores deputados, que a minha visita não poderia ocorrer num momento que fosse mais feliz e mais carregado de simbolismo na História das nossas duas nações.

Quer no que diz respeito à integração na Aliança Atlântica, como no que concerne o alargamento da União Europeia, a Hungria e os restantes países candidatos puderam sempre contar com o apoio, sem hesitações nem reservas, de Portugal.

São questões que, para nós, se revestem de uma importância estratégica, que se radicam na nossa própria experiência histórica e na concepção que temos do projecto europeu e do papel da Europa na cena internacional.

Para nós, portugueses, a adesão às Comunidades Europeias revestiu-se de uma particular importância em termos de consolidação do nosso processo de transição democrática, da abertura da nossa economia, de criação de condições para podermos levar a cabo a modernização do país e garantir o progresso económico e social.

Compreendemos, assim, particularmente bem, as aspirações legítimas dos países da Europa Central, como a Hungria, que desejam partilhar um espaço de crescente integração económica, financeira e política que garanta a estabilidade democrática, as condições de um maior progresso para todos, a segurança e a paz.

Tal como nós, os países da Europa central e oriental que levaram a cabo transições democráticas, em nome dos valores e dos ideais europeus, devem beneficiar de uma idêntica solidariedade por parte das restantes democracias europeias.

A construção europeia é, de facto, um projecto de solidariedade.

De solidariedade entre democracias, de solidariedade entre povos que partilham um mesmo espaço geográfico e idênticos valores civilizacionais, de solidariedade entre regiões, de solidariedade no progresso económico e social, de solidariedade na criação das condições de estabilidade, de segurança e de paz em todo o continente.

A construção europeia é um processo exigente e uma exigência permanente. Não é, seguramente, uma panaceia. Exige trabalho e esforços, mobilização constante das capacidades nacionais, unidade em torno dos objectivos, convergência de posições e atitudes, coordenação da acção do Estado; acarreta tantas vezes sacrifícios e frequentes frustrações. Exige vontade e coragem políticas, uma reiterada afirmação dos valores e dos princípios, participação, adesão dos cidadãos, aprofundamento constante do projecto integrador.

A possibilidade de alargar as fronteiras institucionais da Europa a todas as democracias europeias é um imperativo estratégico. Um objectivo que tem de convocar e mobilizar todos os europeus, todos os democratas, todos os cidadãos da Europa. Trata-se de uma oportunidade única na História do nosso continente e que não pode ser desperdiçada.

Mas o alargamento da União Europeia não é nem pode ser separável do seu aprofundamento: estão ambos subordinados à mesma finalidade.

Não quero nem posso minimizar a complexidade do processo de alargamento; mas não posso, nem devo deixar de sublinhar que é indispensável que a adesão de novos membros à União Europeia contribua para o reforço do próprio projecto europeu. O alargamento não poderá constituir um pretexto para a sua dissolução, quer em termos dos níveis de integração já conseguidos, quer no que toca o grau de coesão económica e social já existente.

Creio que se trata de uma exigência comum a todos nós; de outra forma, seriam os próprios países candidatos que se sentiriam desiludidos, pois teriam aderido a uma Europa diferente daquela a que legitimamente se sentiam com vocação para aderir.

Temos de ter uma ideia clara da Europa que queremos edificar, sabendo bem que não existe, para as democracias europeias, alternativa melhor.

Precisamos de uma visão positiva e mobilizadora da Europa do futuro, que continue a captar a imaginação e a vontade dos nossos povos, que garanta a participação efectiva das instituições políticas e sociais, o empenho das correntes de opinião e dos agentes económicos, dispostos a compreender os sacrifícios necessários para responder, com eficácia, aos novos e antigos desafios que se nos colocam.

Como projecto político que é, a construção europeia exige um empenho e uma responsabilidade permanente dos agentes e dos responsáveis políticos e, sobretudo, dos parlamentos, enquanto sedes insubstituíveis da representação nacional.

Queremos todos, com certeza, uma Europa mais forte, mais unida, mais coesa, uma Europa que tenha uma maior capacidade para se afirmar na cena internacional, para defender os seus interesses próprios, contribuindo para o reforço da estabilidade e da paz no Mundo.

Queremos uma Europa que preserve a igualdade essencial dos seus Estados membros, que mantenha a posição relativa de cada um deles, que assente numa repartição equilibrada das competências e dos poderes relativos das suas instituições, que seja uma comunidade de Direito e de direitos.

Queremos uma Europa com instituições prestigiadas, em que todos se reconheçam, que garanta a participação dos cidadãos na construção europeia, que seja mobilizadora das vontades e das criatividade.

Queremos, como já disse, uma Europa que preserve as condições do desenvolvimento económico e social crescente dos seus membros, assente na coesão e na solidariedade, que garanta as perspectivas de uma convergência económica real.

Queremos certamente uma Europa que caminhe com realismo, mas também com determinação, para uma maior integração política, seguindo o caminho natural que nos levou primeiro à integração económica e depois à integração financeira.
 
 
Senhor Presidente
Senhores Deputados
 
Referia, no início desta minha intervenção, o restabelecimento das relações bilaterais entre a Hungria e Portugal, ocorrido há vinte e cinco anos.

Portugal acabara de reconquistar a sua liberdade, e de criar as condições para a institucionalização de uma democracia pluralista.

A situação na Hungria era, obviamente, diferente. Mas, tal como os portugueses, nunca os húngaros deixaram de lutar pela liberdade, de afirmar a sua identidade própria, de recusar a sua marginalização relativamente às grandes transformações políticas e económicas levadas a cabo pelas democracias europeias após o final da Segunda Guerra.

A insurreição popular de 1956 constitui um paradigma desse combate pela liberdade e pela justiça, pela independência nacional, pela afirmação dos direitos inalienáveis da pessoa humana. Uma insurreição que marcou a consciência colectiva da Europa, que entusiasmou todos os democratas, que galvanizou a esperança de todos aqueles que acreditam na perenidade dos valores que caracterizam o humanismo europeu.

Vale a pena meditarmos um pouco sobre tudo isto, passarmos em revista a História recente da Europa, recordar as décadas em que tantos de nós fomos sujeitos a regimes totalitários e iníquos. Recordar as esperanças tantas vezes defraudadas, os sofrimentos individuais e colectivos, mas também os valores e os ideais que nunca deixamos esmorecer.

Creio que as nossas experiência históricas são um importante elemento para consolidar, nas nossas sociedades, a recusa do autoritarismo. Mas esta recusa só será eficaz se for acompanhada de uma constante pedagogia democrática, de uma firme defesa dos valores da liberdade, da tolerância e da justiça, face às tendências antidemocráticas, à violência, à xenofobia e ao sectarismo.

Há dez anos, com a homenagem nacional dos mártires da revolução de 1956, a Hungria iniciou o processo que lhe permitiria reintegrar o conjunto das democracias europeias. Foi aqui que, em Setembro de 1989, se aboliram as fronteiras que dividiam a Europa, dando corpo ao movimento de emancipação dos povos da Europa central.

Quarenta anos de uma separação brutalmente imposta não tinham, de facto, conseguido cortar os profundos vínculos históricos, culturais e políticos que uniam as duas partes da Europa dividida.

Mas a reunificação da Europa revestiu-se de uma outra dimensão que me parece igualmente importante salientar.

Tínhamos vivido aqueles anos num quadro de paz armada, sujeitos a uma lógica bipolar que nos fora largamente imposta.

Este quadro alterou-se radicalmente, transformaram-se os equilíbrios estratégicos e os próprios termos de referência das relações internacionais.

Mas a grande promessa de paz, de estabilidade e de progresso que almejávamos, não foi conseguida em toda a sua plenitude, como tínhamos ousado esperar.

Fomos confrontados com a ressurgência de velhos problemas, fronteiras, minorias, movimentos separatistas, nacionalismos violentos. A Europa acordou para novas vagas de refugiados, para novos factores de tensão e de conflito dentro da sua própria casa.

Convirá reconhecer que fomos apanhados, em larga medida, desprevenidos e impreparados para responder a estas novas situações.

A Aliança Atlântica soube adaptar a sua filosofia, a sua doutrina e as suas estruturas ao novo mapa europeu, acolher novos membros, fortalecendo a estabilidade e a segurança na Europa e continuando a desempenhar um papel indispensável na arquitectura de segurança europeia.

Mas a Europa tem de assumir responsabilidades acrescidas na defesa dos seus interesses comuns, antecipando riscos e agindo preventivamente, actuando política e militarmente com autonomia.

Isto implica um esforço permanente para fazer avançar a Política Externa e de Segurança Comum, nomeadamente para fazer face às situações de crise, assim como desenvolver a Identidade Europeia de Defesa e de Segurança, factor indispensável para aumentar a nossa estabilidade, reforçar a cooperação europeia, e institucionalizar os novos equilíbrios das nossas relações com os Estados Unidos e o Canadá.

Existem condições políticas para reforçar o papel da Europa na cena internacional e contribuir, simultaneamente, para a vitalidade de uma Aliança Atlântica renovada.

Reforçar a Europa significa também valorizar o papel da OSCE e do Conselho da Europa, aproveitando bem as suas capacidades específicas, sem sobreposições inúteis, estabelecendo uma articulação eficaz entre o conjunto das organizações do espaço europeu.

Só assim poderemos assegurar a paz e a segurança no nosso continente, e reforçar a paz e a estabilidade internacionais
 
 
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
 
Antes de concluir, gostaria de agradecer o apoio que a Hungria tem concedido à causa do povo de Timor-Leste na luta pela sua liberdade.

Mau grado os sinais positivos de mudança na Indonésia, a comunidade mártir de Timor-Leste continua a ser vítima da violência, como aconteceu há poucos dias, com o bárbaro massacre de Liquiçá, que mereceu a nossa mais viva condenação.

O único objectivo de Portugal é garantir o livre exercício do direito de autodeterminação que a comunidade internacional, e agora a Indonésia, reconhecem solenemente aos timorenses. O nosso esforço principal, neste momento, é criar as condições para que o processo de autodeterminação - a começar por uma consulta democrática organizada pelas Nações Unidas - possa realizar-se em liberdade e sem violência.

O nosso apelo a todos os que partilham os valores da liberdade e dos direitos humanos, é para que se empenhem de uma forma acrescida na sua solidariedade para com o povo de Timor-Leste.
 
 
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
 
Terminaria por onde comecei: pelo privilégio que me foi concedido de me poder dirigir aos representantes do povo húngaro, que vos agradeço muito penhorado.

No espaço europeu e democrático que partilhamos, as relações entre os nossos dois países assumiram uma importância e um significado acrescidos.

A minha visita à Hungria sublinha o empenho de Portugal no reforço crescente dessas relações, em todos os domínios e a todos os níveis.

Neste contexto, assumem particular significado o reforço das relações entre os nossos dois Parlamentos, instrumentos essenciais para se consolidar o nosso conhecimento mútuo, o entendimento recíproco, partilhar experiências, preocupações e perspectivas - em suma, para afirmar a solidariedade entre húngaros e portugueses face aos desafios que se colocam à Europa no próximo século.

A Hungria sabe que pode continuar a contar com o apoio sem reservas de Portugal à sua plena integração nas estruturas europeias.

Trata-se, para nós, portugueses, de uma questão de coerência, de convicção e de solidariedade democráticas.

Trata-se, para todos nós, de permitir às gerações vindouras, a todos os Europeus, que possam desfrutar das condições que lhes permitam consolidar sociedades mais desenvolvidas e mais justas, num quadro de segurança e de paz.
 
Muito obrigado.