Discurso no banquete oferecido em honra de SEXA o PR pelo Presidente da República de Cabo Verde

Cidade da Praia
29 de Março de 2004


Senhor Presidente
Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores

Agradeço-lhe reconhecido, Senhor Presidente, as suas amáveis palavras e a generosa hospitalidade com que me acolhe. Agradeço também a Vossa Excelência o convite que me fez para visitar - pela segunda vez - Cabo Verde, gesto de amizade que muito me tocou e a que gratamente correspondi, pelo alto apreço em que tenho o vosso país.
Permita-me, por isso, em nome de minha Mulher e no meu próprio, exprimir a grande satisfação e alegria que nos proporciona esta oportunidade de estar novamente em Cabo Verde.


Senhor Presidente,

O seu percurso pessoal e a sua longa carreira política, que acompanho com interesse e amizade desde há muito, são um exemplo de determinação e perseverança, qualidades essenciais num líder político.

Num discurso proferido o ano passado, Vossa Excelência utilizou uma imagem feliz ao comparar a História recente de Cabo Verde a uma corrida de estafetas, em que cada geração tinha a obrigação moral de entregar à seguinte um Cabo Verde melhor e mais desenvolvido do que aquele que recebeu. Colectiva e individualmente os caboverdianos têm correspondido, com determinação, a este desafio.

De facto, o trajecto de Cabo Verde, desde a independência, só pode ser considerado um sucesso. O desenvolvimento é um dado tão real que o país é já - ironicamente - obrigado a enfrentar alguns dos seus efeitos menos desejados, designadamente a sua “graduação” a país em vias de desenvolvimento. Sabemos que esse novo estatuto não é um mero rótulo e terá consequências práticas. Portugal tem, por essa razão, desenvolvido todos os esforços, no quadro da União Europeia e das Nações Unidas, para que seja concedida a possibilidade de Cabo Verde abandonar a lista dos países menos avançados de forma gradual. Apesar dos custos que esta graduação terá, que não queremos minimizar, julgo que ela constitui também um factor de prestígio, que deve ser internacionalmente valorizado.

Sabemos que Cabo Verde é hoje olhado pela Comunidade Internacional com admiração e respeito e encarado como um país emergente. Passar de 200 dólares de PIB per capita em 1975 para quase 1500 dólares hoje é um feito notável num país com tão poucos recursos. Como é notável ter-se atingido uma taxa de alfabetização da ordem dos 74%. Cabo Verde é actualmente o 4º país africano no índice de desenvolvimento humano do PNUD. As palavras do poeta caboverdiano Jorge Barbosa, referindo-se às Ilhas de Cabo Verde como “um navio fantasma/eternamente encalhado/entre mar e céu”, estão já longe de retratar a realidade.

E as autoridades de Cabo Verde, quando estabelecem como objectivo a definição de uma relação especial com a União Europeia, estão obviamente a revelar uma saudável ambição, olhando para o futuro e procurando alcançar um grupo de países mais desenvolvido. Em nosso entender, a fórmula para uma relação de parceria especial entre a União Europeia e Cabo Verde é uma questão que merece um estudo atento.

Cabo Verde é hoje um país que se move a bom ritmo no sentido do progresso, sendo uma referência para a Comunidade Internacional e um exemplo para África. As recentes eleições autárquicas, Senhor Presidente, foram mais um exemplo - e uma lição - de completa maturidade democrática.


Senhor Presidente,

Não foi por acaso que em 1996 escolhi Cabo Verde como destino da minha primeira deslocação ao exterior na qualidade de Presidente da República Portuguesa. Como não é por acaso que Cabo Verde é o primeiro país a que me desloco oficialmente uma segunda vez. A minha presença aqui traduz tão só a excelência de um relacionamento bilateral que, permitam-me a imodéstia, constitui um caso exemplar para o Mundo.

O universo de afinidades entre os nossos dois países é de facto vasto. Partilhámos séculos de História. Somos ambos países cuja História está muito ligada ao oceano, esse mar “... que nos dilata sonhos e nos sufoca desejos...” nas palavras do poeta Jorge Barbosa. Partilhamos a condição de países charneira, de vocação dividida entre Mediterrâneo e Atlântico, África e Europa. Falamos a língua portuguesa. Partilhamos valores como a Liberdade, a Democracia, o Estado de Direito e a tolerância. Somos Povos de diáspora, de fácil inserção e adaptação a espaços e a realidades distintas. Participamos com entusiasmo na Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa.

Partilhamos valores como a Liberdade e a Democracia. Sabemos, como nenhum outro Povo, o significado da palavra saudade, universalizada por Cesária Évora nas suas mornas.

Entre Portugal e Cabo Verde, com efeito, os laços de afecto e solidariedade que exprimimos na mesma língua não são meras palavras de circunstância. São laços que se consubstanciam num continuado reforço da cooperação bilateral em todos os planos – político, institucional, económico e cultural - e que se reflectem ano após ano, dia após dia na frequência das visitas ao nível das autoridades, mas sobretudo na multiplicidade de contactos existentes entre os mais diversos sectores das nossas sociedades.

No ano em que se cumpre o 30º aniversário do 25 de Abril, julgo que podemos fazer, sem hesitações, um balanço muito positivo do caminho que conjuntamente percorremos. Atrevo-me a dizer que teremos mesmo ultrapassado as melhores expectativas de Amílcar Cabral quando um dia manifestou o desejo de que os nossos dois países, no futuro, viessem a manter - e cito - “…relações tão íntimas como as existentes entre Portugal e o Brasil...”

Mas devemos ser ambiciosos, explorando todo o potencial existente e procurando ir sempre mais longe no aprofundamento multidimensional do nosso relacionamento. Esta visita é uma ocasião para celebrarmos e aprofundarmos os laços de amizade, de afecto e de cumplicidade existentes entre os nossos dois Países e Povos.

Por isso, Senhor Presidente, me faço acompanhar por uma importante comitiva que, para além de membros do Governo e deputados, integra também autarcas, em homenagem à forte cooperação descentralizada existente entre as autarquias portuguesas e a generalidade dos municípios caboverdianos, bem como homens de negócios e artistas.

Estou certo que a multiplicidade de contactos que serão estabelecidos ao longo desta visita permitirão reforçar mais ainda o nosso relacionamento bilateral.

Portugal é hoje em dia o principal parceiro económico de Cabo Verde, quer no plano dos investimentos, quer no das trocas comerciais. Este facto é sinónimo da confiança interiorizada pela sociedade portuguesa - e em particular dos empresários - na estabilidade política e social deste país e no correcto funcionamento das regras de mercado, assim como na solidez das suas instituições democráticas.

O desenvolvimento económico é a chave para a estabilidade social e para o progresso e o bem-estar das populações e nessa matéria posso afirmar que Cabo Verde pode continuar a contar com Portugal. Terei amanhã a oportunidade de visitar uma experiência interessante e inovadora - o “call center” recentemente deslocalizado pela PT Contact aqui para Cabo Verde -, que ilustra bem – ao empregar e formar 250 pessoas - que o investimento estrangeiro a todos beneficia. Em Portugal temos hoje uma consciência muito clara sobre a importância da captação de investimento e estamos, neste momento, a desenvolver um enorme esforço para atrair investimento estrangeiro.

Ainda no plano económico, queria congratular-me com a assinatura do novo Acordo Aéreo entre Portugal e Cabo Verde. Estávamos conscientes do grande interesse e empenho das autoridades caboverdianas na resolução desta questão e regozijo-me que tal aconteça durante esta minha visita. Trata-se de um instrumento de grande importância económica, que seguramente permitirá aumentar os fluxos turísticos para Cabo Verde, mas também de um grande alcance social, dado que conduzirá inevitavelmente a uma redução substancial do custo das passagens aéreas entre os nossos dois países.

Congratulo-me igualmente com a assinatura de mais um Programa Anual de Cooperação e sobretudo com o facto da nossa cooperação bilateral cobrir um cada vez mais vasto conjunto de áreas, indo da cooperação cambial à língua e ao património histórico.

Uma palavra para a língua portuguesa e para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Portugal é um dos raros casos em que os conceitos de Estado e de Nação se identificam, em resultado da invulgar homogeneidade da sua população e da persistência de fronteiras definidas de há séculos a esta parte. O ciclo dos Descobrimentos transformou a língua portuguesa num dos idiomas mais falados e de maior projecção mundial – a sexta língua materna a nível mundial com cerca de 200 milhões de falantes.

A criação da CPLP em 1996, concretização de uma velha aspiração, resultou de um acto de vontade política dos sete países fundadores no sentido de darem forma e de sustentar politicamente a ideia de uma comunidade de países de língua oficial portuguesa. Tendemos, por vezes, a subestimar essa decisão estratégica que se traduziu, na realidade, na criação de um novo espaço geopolítico. Ainda recentemente, num debate no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre Timor-Leste, pudemos constatar a sua existência real, a sua actuação enquanto entidade político-diplomática, assumindo em bloco a defesa dos interesses de um Estado membro.

Em Julho próximo realizar-se-á a V Cimeira da CPLP em S. Tomé e Príncipe, cabendo a Cabo Verde, que tem sido um activo e empenhado membro da CPLP, designar o próximo Secretário Executivo da Organização, enquanto Portugal terá de indicar o Secretário Executivo Adjunto. Estou certo que continuaremos a trabalhar em conjunto, enquanto Estados Membros e no Secretariado Executivo, procurando consolidar e impulsionar a actividade da CPLP.

Gostaria que na Cimeira de Julho a CPLP – no seguimento do acordo assinado em Brasília – pudesse dar um contributo concreto na questão, largamente consensual, do controlo das epidemias de doenças infecto-contagiosas, em particular da SIDA. Tendo presente a dimensão da tragédia, é uma área em que urge concentrar esforços.

A língua portuguesa é o fundamento e o principal instrumento da CPLP. Devemos ter este facto presente. O ponto de partida desta Comunidade não é o mercado ou a economia, mas sim uma língua que nos une.

Devemos, em minha opinião, cuidar politicamente da língua portuguesa e encará-la como o instrumento de afirmação internacional dos nossos países. Partilhamos com Cabo Verde a ideia de que o Instituto Internacional de Língua Portuguesa será um importante instrumento de promoção e difusão da língua portuguesa. E partindo da língua, elemento de natureza cultural, julgo que devemos caminhar progressivamente para o aprofundamento da CPLP em termos de direitos de cidadania lusófona.

Queria aqui prestar uma sincera homenagem à comunidade caboverdiana radicada em Portugal, pela sua vitalidade, pela sua capacidade de adaptação, pelo seu esforço diário por um futuro melhor e pelo seu importante contributo para a excelência das relações entre os nossos dois países e povos. A sua presença em Portugal, já o disse hoje, mas gostaria de o reafirmar na presença do Presidente da República de Cabo Verde, foi, é e será bem vinda.


Senhor Presidente,

Permita-me que termine com um repto - que portugueses e caboverdianos não se contentem com o que está feito e conseguido, pelo contrário, que procurem sempre ir mais longe no fortalecimento dos laços de cooperação entre os nossos dois povos e países. Só assim atingiremos uma relação estável e continuada. Confio que esta visita contribuirá para esse fim. Quero, por isso, terminar formulando, com sincero entusiasmo, um brinde à saúde e felicidades pessoais de Sua Excelência o Presidente da República de Cabo Verde e da Excelentíssima Senhora D. Adélcia Pires, bem como à perene amizade entre os nossos dois países.