Discurso do Presidente da República por ocasião do jantar com Militares de Abril

Santiago do Cacém
24 de Abril de 2004


A minha presença neste convívio de tão grande significado cívico representa uma dupla homenagem a todos os militares de Abril. A homenagem do Presidente da República que, em nome do Portugal livre e democrático, vos expressa o mais profundo reconhecimento pela vossa coragem e clarividência de há trinta anos. Mas esta é também uma homenagem com um cunho fortemente pessoal. Considero-me – e tenho muito orgulho nisso – um homem do 25 de Abril, que se reconhece nessa data fundadora do nosso regime democrático e a ela liga a sua acção política de antes e depois. De facto, pertenço a uma geração que esperou por esse dia que nunca mais chegava, sabendo nós, no entanto, que ele acabaria por chegar. Esse dia chegou pela vossa acção heróica. Quero, hoje, renovar-vos o meu testemunho de respeito, de apreço e de gratidão.

Estamos a comemorar a Revolução de Abril, actualizando os seus grandes ideais de democracia, paz e desenvolvimento para o nosso país. É este um bom momento para encontramos, na memória desse dia inicial, um novo impulso de renovação e de exigência para a nossa democracia.

Trinta anos depois, reencontramos, pela evocação, um tempo que foi nosso, que continua a ser nosso, e que representou, para os que o viveram, um privilégio irrepetível. Reencontramos esse tempo, em que “a poesia estava na rua”, na sua magia e na sua esperança. Reencontramos os símbolos e os ícones da Revolução, os seus rostos e as suas vozes inapagáveis. Voltamos a ouvir, com a emoção intacta da primeira vez, a Grândola, cantada pela voz insubornável de José Afonso. Revemos os cravos vermelhos por toda a parte e, no Rossio, na Baixa, no Chiado, no Cais do Sodré, as espingardas floridas por eles e os pregões já a misturarem-se com slogans. Ouvimos a voz desassombrada de Francisco Sousa Tavares a falar de liberdade, do alto de uma guarita, ao povo que, como o das Crónicas de Fernão Lopes, acorreu ao Largo do Carmo num momento crucial para a Revolução. Vemos o rosto honrado, como que iluminado por uma coragem serena e uma convicção absoluta, de Salgueiro Maia e dos seus companheiros. Ouvimos, lidos aos microfones da rádio, os primeiros comunicados do Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas e o som solene das marchas militares que os anunciavam e se lhes seguiam. Vemos a libertação dos presos políticos de Caxias e de Peniche, e a chegada dos exilados, como se vivéssemos de novo esses momentos em que o tempo parecia ter parado para que a vida se tornasse destino. Tornamos a ouvir a voz de Manuel Alegre, vinda de um longe tão perto do nosso coração, a dizer-nos que, “mesmo na noite mais triste/em tempos de servidão/ há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não” Vemos a alegria nos rostos cansados dos militares de Abril, satisfeitos por terem cumprido o dever de devolver à Pátria a liberdade e a dignidade tão longamente confiscadas. Vemos esse 1º de Maio de festa, em que todo o país, saíu à rua para sentir que a liberdade era finalmente sua, como seu era o futuro. Ouvimos o poema de Sophia, a cantar “O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio”. Vemos o tão belo cartaz de Vieira da Silva e os primeiros graffitis livres nas paredes. Vemos e ouvimos tudo isto e muito mais, como num filme que corre frente aos nosso olhos deslumbrados. Reencontramos, evocando-a hoje, essa madrugada que esperávamos. E reencontramo-nos nesse reencontro com ela.

O 25 de Abril foi o acontecimento histórico mais importante e feliz do século XX português. A melhor maneira de celebrarmos um grande acontecimento em que nos reconhecemos e revemos é sermos dignos dos sonhos e da esperança que ele transportou em si. A recordação do 25 de Abril tem, para todos nós, como que o poder de nos tornar mais conscientes das nossas responsabilidades perante Portugal e os portugueses. Temos o dever de sermos insatisfeitos e de tudo fazermos para que Portugal seja um país mais moderno, justo e solidário. Esse nosso compromisso com as gerações futuras ainda é em nome dos ideais do 25 de Abril que o celebramos. É, por isso, que o 25 de Abril, sendo uma data do passado, é uma data do presente e será sempre uma data do futuro, pois foi em nome do Futuro que a Revolução se fez.

Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!