Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão Solene Comemorativa do 30º Aniversário do 25 de Abril

Assembleia da República
25 de Abril de 2004


Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhor Presidente Xanana Gusmão: honra-nos particularmente a sua presença nesta cerimónia de tão simbólico significado e saúdo em Vossa Excelência o lídimo representante do heróico povo de Timor-Leste.

Senhores Presidentes e Vice-Presidente dos Parlamentos dos países de língua oficial portuguesa, Senhora Vice-Presidente das Cortes de Espanha: Saúdo, na presença amiga de Vossas Excelências, a expressão dos laços de fraterna e confiante amizade que unem os nossos países.

Senhor Primeiro-Ministro

Senhores Embaixadores

Eminência

Ilustres convidados

Senhores Deputados


Há exactamente trinta anos, à hora em que hoje nos encontramos, aqui, para celebrar a Liberdade que ela nos trouxe, a Revolução estava na rua e controlava já os principais centros estratégicos do poder militar e das comunicações.

Todavia, o seu destino – o nosso destino – não estava decidido irreversivelmente. Alguns tentavam resistir e o poder político ainda não tinha sido formalmente arrebatado das mãos dos que, até então, o tinham, longa e ilegitimamente, detido.

A hora era decisiva.

Pressentido o sentido libertador e o carácter democrático do Movimento, foi nessa altura que, à coragem generosa e admirável dos militares de Abril, se começou a juntar uma onda de apoio popular, que não parou de crescer e de imprimir à Revolução uma marca única, que para sempre a singularizou.
O povo português sentiu e soube, naquela hora, que a Revolução era sua. Melhor: fê-la sua. Nesse momento, a Revolução tornou-se naquilo que era.

Neste acto em que tornamos presente o dia memorável que fundou o nosso regime democrático, as minhas primeiras palavras são para reafirmar esse pensamento – o de que a democracia é o regime do Povo, pelo Povo e para o Povo.

É a ele que representamos e é dele que nos provém a legitimidade.

É a ele que servimos.

Saúdo esse Povo de cidadãos livres, mulheres e homens que são a substância da democracia.

Penso também nos excluídos e nos esquecidos. Os excluídos do emprego, da educação, da saúde, do desenvolvimento, da justiça, da cultura, da dignidade.

É perante eles que a nossa insatisfação deve ser maior e a nossa vontade de mudança mais forte.

É face a eles que a nossa responsabilidade se torna mais urgente.

Passados trinta anos, em que tudo mudou tanto, é natural que nos interroguemos: que significa comemorar, hoje, o 25 de Abril? E o que representará essa data para aqueles jovens que a não viveram? A esta última pergunta alguns seriam, porventura, tentados a responder: para esses jovens representa pouco ou mesmo nada.

E, no entanto, creio não ser assim.

Eles podem não conhecer os pormenores – mas têm uma percepção global e aguda da importância fundadora, histórica e política, desta data, como resulta de um inquérito realizado recentemente.

Para os mais novos, como para os mais velhos, na hierarquia das datas significativas, a que aparece como mais importante é o 25 de Abril.

Então a pergunta que formulei pode ser substituída por esta outra: que significa a Liberdade para aqueles que sempre viveram em liberdade? Arrisco uma resposta: significa que não concebem a vida sem liberdade, que a democracia lhes é natural. Que magnífica vitória esta! Todavia, isso, que é, em si-mesmo, um grande sinal positivo, não deve fazer da Liberdade, por se pensar adquirida, uma realidade passiva, estática e infecunda, ou um ponto de chegada. Devemos fazer da liberdade um ponto de partida, cultivá-la, assumindo uma maior consciência das suas exigências, usando-a para renovar a democracia e as suas práticas. Tornemos mais jovem a nossa liberdade, a liberdade de cada um e a liberdade de todos. Precisamos de um novo patriotismo da Liberdade.

E é, por isso, que à pergunta: que significa, trinta anos depois, comemorar o 25 de Abril?, eu respondo: significa reforçarmos a vontade de fazermos da nossa democracia um regime mais vivo e mais moderno, com menos bloqueios, menos desequilíbrios e menos adiamentos. Com mais debates fundamentais e menos conflitos acessórios. Com diferenças e alternativas mais clarificadoras e, ao mesmo tempo, consensos mais sólidos e duradouros.

Quero eu dizer, uma democracia mais madura, com maior exigência e maior responsabilização, mas também com maior criatividade e maior iniciativa, maior inovação e maior inconformismo.

Não vos escondo que gostava que estas comemorações ocorressem num clima internacional e nacional mais optimista e confiante, de maior auto-estima e esperança.

Não ignoro, não podemos ignorar, que os tempos têm sido difíceis para Portugal e para os portugueses, que se instalou um negativismo que gera apatia e resignação que, não obstante o peso das razões que o induzem, tenho, empenhadamente, procurado combater.

Penso que estas comemorações podem e devem ser o momento para recarregarmos as baterias democráticas, reforçando a nossa vontade de agir com continuidade e persistência. Não nos resignemos! É essa a grande lição das últimas três décadas: tudo depende de nós, pois embora saibamos que temos feito muitas coisas de que talvez não nos julgássemos capazes, também sabemos que somos capazes de fazer mais e melhor.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

À História caberá o balanço e o juízo do que fizemos. Hoje o que se impõe é avaliar o ponto em que nos encontramos do caminho a percorrer.

Como em 25 de Abril, é para o futuro que devemos voltar os olhos, não ignorando quer os erros cometidos, para não os repetirmos, quer os problemas que longamente adiámos e temos obrigação de resolver; e muito menos, os novos desafios que, neste tempo de aceleração, não esperam por nós.

Como Presidente da República, tenho o dever de dizer o que penso serem as responsabilidades de todos nós perante Portugal e perante os portugueses das gerações futuras.

Por isso, nesta data de tão grande significado, proponho-vos uma reflexão crítica e exigente sobre o que temos a fazer.

Centrar-me-ei em alguns grandes objectivos e nas responsabilidades que temos de assumir, sem mais demoras, desculpas ou alibis, para que o futuro nos dê um país à altura da esperança de que o 25 de Abril foi portador.

Desde logo, na resposta aos desafios externos, quando
celebramos a Liberdade num momento em que se multiplicam, no mundo, inquietações e riscos.

Confrontamo-nos com a ameaça insidiosa de um terrorismo global e indiscriminado; com a crescente proliferação de focos de insegurança; com uma preocupante impotência para suster pandemias, como a SIDA, que dizimam povos e desestruturam Estados; com persistentes situações de conflito, no Médio-Oriente, em África, na Ásia e mesmo na Europa.

No Iraque, a miragem de uma vitória rápida deu lugar a um perigoso enleamento politico-militar, gerador de instabilidades e ameaçador para a integridade do país. O aniversário da capitulação da ditadura iraquiana coincidiu com um nível inédito de violências e de horrores. A história registará razões e erros e julgará a decisão que conduziu a uma intervenção militar, assente numa contestada doutrina de guerra preventiva e sem a legitimadora cobertura das Nações Unidas. Mas perante o que hoje se passa naquele país, e o ciclo de violências que ali, quotidianamente, testemunhamos, é prioritário encontrar caminhos de legitimidade política que favoreçam um clima de crescente normalização e segurança, indispensável para que o povo iraquiano seja, finalmente, livre e soberano. E para isso, como sempre tenho afirmado, caberá às Nações Unidas um papel central e avalizador, pois de outra forma não se vê como instalar a paz e reconstruir o Estado. Mas não é apenas no Iraque que recentes acontecimentos vêem alargando o crescente sentimento de insegurança que atravessa este nosso tempo. Também em Gaza a crueza das imagens dão conta do aprofundamento de separações e ódios que tornam cada vez mais inoperantes os já débeis roteiros de paz.

Esta são questões que interpelam as nossas consciências e que confrontam a comunidade internacional com urgentes desafios – éticos e políticos – a que tarda a responder.

Para vencer estes múltiplos desafios, impõe-se apostar, firmemente, no reforço da cooperação multilateral e da legalidade internacional, que, pacientemente, vimos construindo e aperfeiçoando, sobretudo desde a Segunda Guerra Mundial.

A meu ver, o objectivo que actualmente se coloca a Portugal, trinta anos após o seu regresso à Democracia e ao seu reposicionamento como parceiro respeitado na cena internacional, é, precisamente, reforçar a sua projecção externa e manter uma presença activa e empenhada no seio da Comunidade Internacional.

A afirmação de um país não se mede só em função da dimensão do território, da população ou do PIB, mas da sua capacidade de se afirmar como parceiro credível, empenhado em contribuir activamente para a resolução dos problemas e para o desenvolvimento de políticas cooperativas e inovadoras. A este respeito, é de referir o elevado nível de participação que Portugal tem assegurado no seio das forças internacionais de paz da ONU, da NATO e da UE, assim como o desempenho exemplar dos militares portugueses nessas missões.

É, também, muito importante, para a afirmação externa do país, dos nossos interesses e dos nossos produtos, melhorar a imagem de Portugal.

É preciso que o nome de Portugal passe a acrescentar valor. Para isso, é necessária uma estratégia de valorização da nossa imagem — à semelhança do que fizeram outros países - de modo a que Portugal passe a ser associado a qualidade e a modernidade.

Tal estratégia não pode resumir-se, contudo, a uma operação de “marketing” para o exterior. É um processo que os próprios portugueses devem assumir, empenhadamente, desde logo transformando a visão pouco positiva que muitas vezes têm de si mesmos. Só mediante uma nova atitude afirmativa, empreendedora e valorizante, poderemos tornar-nos parceiros úteis e contribuir para modernizar a imagem de Portugal no mundo.

Por uma feliz coincidência, celebramos o trigésimo aniversário do 25 de Abril no momento em que, quinze anos após a queda do muro de Berlim, a Europa se prepara para integrar as jovens democracias do Centro e do Leste, Malta e Chipre. Com este alargamento sem precedentes, cumpre-se, sem dúvida, um ciclo decisivo da história da integração europeia e do desígnio político que a tem, desde o início, animado: ou seja, o de unir os povos europeus em torno de uma comunidade de valores e de fazer coincidir as fronteiras do continente europeu com as da Democracia e da Liberdade. A Europa está hoje mais próxima de ser um marco decisivo do século XXI.

Realizar com sucesso este processo de alargamento, que não se esgota, em 1 de Maio, com a adesão formal dos novos países à União Europeia, é uma prioridade que não podemos perder, sob pena de falharmos esta viragem de século. Não permitiremos que esta oportunidade histórica seja posta em causa pelas exigências que, naturalmente, coloca a todos, num contexto internacional conturbado e difícil.

Penso, desde já, no objectivo do crescimento económico e da competitividade; na necessidade de serem cumpridas as metas estabelecidas na Estratégia de Lisboa; no reforço da coesão económica, social e territorial, cuja concretização requer que as próximas Perspectivas Financeiras dotem a União com meios adequados ao cumprimento dos seus objectivos e missões; no desafio da paz, da estabilidade e da segurança, a que a ameaça real do terrorismo imprime urgência acrescida.

Para além deste conjunto de desafios que exigem, para serem vencidos, uma estratégia e medidas concretas e rigorosas, há ainda o risco de diluição do projecto europeu. Para evitar que o aumento da diversidade prejudique a necessária unidade, dever-se-ão reforçar os laços de confiança e as solidariedades de facto.

Só com o reforço da dimensão política poderemos evitar o ressurgimento de egoísmos nacionais antigos, portadores de vulnerabilidades, tensões e fracturas. A prioridade vai, por isso, para a consolidação da democracia europeia. Neste campo, assinalarei apenas dois importantes marcos: as próximas eleições europeias e a adopção de um Tratado Constitucional.

Quanto ao Tratado Constitucional, os trabalhos vão agora entrar numa nova fase conclusiva. Não será possível falhar o calendário uma segunda vez, pois pagaremos um preço alto se não conseguirmos dotar a Europa de uma Constituição em que todos os europeus se revejam, apta a permitir um funcionamento eficaz das Instituições Europeias e capaz de imprimir um novo fôlego à Europa alargada.

Por seu turno, as próximas eleições europeias revestem-se da maior importância para o futuro político da União alargada. A construção europeia exige a participação activa dos cidadãos. É necessário mobilizá-los, fomentar o debate e esclarecer a opinião pública sobre o papel da Europa na vida de cada Estado Membro e sobre a oportunidade que representa, quer para melhorar as condições de vida dos cidadãos, quer para reforçar a paz, a estabilidade e o desenvolvimento neste mundo globalizado.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

É nesta Europa que foi opção e é projecto de futuro, que se inscrevem os desafios internos com que Portugal se defronta.

O desenvolvimento do país exige que, num quadro de maioria parlamentar estável, se prossiga, com firmeza, no caminho das reformas - não através de pequenos passos dispersos e segmentados, mas de reformas profundas e consequentes, enunciadas e apresentadas de modo a poderem estimular a intervenção dos agentes de inovação e modernização e a mobilizar a confiança da comunidade política e da sociedade civil.

No plano económico, perante os desafios que se colocam a Portugal, não é suficiente reconhecer a indiscutível necessidade de reduzir o défice público e continuar à espera da recuperação da economia europeia. Portugal tem de assumir uma ideia de futuro e uma estratégia de desenvolvimento a médio prazo, com objectivos claros e motivadores, e instrumentos eficazes.

Por mais necessárias que se lhes afigurem as medidas orçamentais que aplicam, sobretudo quando puderem assegurar a desejável consolidação das finanças públicas, os responsáveis políticos serão, sobretudo, avaliados pela visão estratégica e pela qualidade e alcance das políticas de reforma que, efectivamente, realizem.

Mas as reformas não são neutras. Traduzem princípios, valores, modelos, objectivos. Exigem a coragem da escolha. Fundamentam e distinguem as alternativas. Avaliam-se pela eficácia e rigor na sua execução e, sobretudo, pelas consequências e efeitos que produzem.

É, pois, necessário que se torne claro para os portugueses qual é a hierarquia das prioridades na estratégia de modernização, quais são os domínios específicos onde devemos concentrar os nossos recursos colectivos e as nossas energias, quais são as metas concretas que definem a nossa ambição.

Até porque persistem problemas atávicos que constituem verdadeiros factores de bloqueio ao nosso desenvolvimento colectivo.

Com efeito, as mudanças profundas do 25 de Abril e a institucionalização democrática que se lhe seguiu não conseguiram fazer recuar o peso excessivo, e muitas vezes ilegítimo, dos chamados interesses corporativos, que se exprimem tanto na inércia das burocracias estatais e administrativas, como no superlativo conservadorismo de corpos profissionais ou de organismos e actores económicos e sociais.

A preponderância dos interesses corporativos – dos explícitos e dos implícitos - torna mais fracos tanto o Estado, como a sociedade civil, lesa o interesse geral e compromete a capacidade reformista, pois é da sua lógica tentar destruir todas as forças inovadoras, criativas e rebeldes, as únicas capazes de pôr em causa os interesses instalados e mudar, concretamente, a economia e a sociedade, as empresas e os movimentos sociais, o ensino, a universidade, a investigação e a cultura.

Contra esses interesses, que têm bloqueado, infelizmente com sucesso, estratégias de modernização, devemos procurar estabelecer uma aliança entre o Estado e a sociedade, que obrigue a uma mudança de atitude, em que o Estado tem de reconhecer os vários interesses da sociedade civil, como parte do interesse geral, e em que os actores sociais e económicos deixem de olhar para o Estado e os seus agentes como obstáculos nocivos à realização dos seus projectos económicos, científicos e culturais.

O Estado democrático é um aliado estratégico das forças económicas e sociais modernizadoras; as forças da inovação na economia e na sociedade são os aliados naturais de uma democracia moderna. Sem essa aliança, o Estado e a democracia correm o risco de ser colonizados pelos interesses corporativos, sem essa aliança corre-se o risco de juntar à falta de organização e dinamismo da sociedade a paralisia do Estado. Só com essa aliança poderemos consolidar a democracia moderna e defender os interesse nacionais no plano económico e cultural.

A reforma da Administração Pública, para que esta seja o centro decisivo do Estado estratega e regulador, constitui um dos desafios de longo prazo mais importantes para o futuro de Portugal.

Uma administração treinada, ágil, cívica e tecnicamente preparada, amiga do cidadão, independente das maiorias conjunturais, etariamente renovada e mais desconcentrada, é um desafio que leva dez anos a vencer.

O envelhecimento dos funcionários pode passar de problema a solução, se formos substituindo os servidores que se reformam por cidadãos recrutados de forma imparcial, qualificados, capazes de acumular e gerar conhecimento, abertos à modernidade e educados no sentido actual da governância, que reequilibra as relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil. Depois, impõe-se que os encargos actuais e futuros com a administração sejam sustentáveis pela economia do País. O que implica, certamente, contenção inteligente, e não cega, no crescimento dos gastos e, sobretudo, aumento do crescimento económico comparável ao dos parceiros europeus.

Mas por considerar que a primeira riqueza de Portugal são os portugueses, não me tenho cansado de dizer que a nossa questão central, que condiciona todas as outras, é a da educação. Não podemos continuar a ter a persistência de elevadas taxas de abandono escolar.

Precisamos todos – escolas, empresas, famílias – de investir mais e, sobretudo, melhor na educação. É necessário aumentar a qualidade do ensino em Portugal e a nossa capacidade de afirmação no campo da ciência e do conhecimento.

Esta não é uma questão conjuntural, que dependa de juízos de oportunidade ou sequer de cabimento orçamental. É uma questão de fundo. É a grande causa nacional e representará a maior reforma estrutural.

As grandes questões que se põem às sociedades humanas mostram bem que, sem educação, sem ciência e sem investigação, não seremos capazes de encontrar respostas que garantam a sustentabilidade das nossas sociedades.

O País precisa de desenvolver a investigação científica e de criar condições de atracção dos seus cientistas.

Necessitamos de uma nova aposta, firme, sustentável e credível, na educação, que promova a excelência, melhore o ensino do português e que acolha, decididamente, a aprendizagem eficaz das ciências, da matemática, e do inglês.

Com a educação, vai de par outro grave problema de fundo: o sistema de formação profissional, em que somos defrontados com a sua inadequação aos imperativos do mercado de trabalho e da nova economia. Em cada ano, dezenas de milhar de jovens saem do sistema educativo e entram na vida activa sem formação adequada.

Por isso, é preciso fazer funcionar com eficácia um sistema de formação profissional, que assegure a inserção de todos os jovens no mercado de trabalho; a qualificação dos adultos que não receberam formação escolar adequada; o aperfeiçoamento e reconversão profissionais que se tornem necessários; o apoio técnico a empresas e outras organizações, sobretudo às de pequena dimensão.

Na nova economia, o que conta não é a mão de obra barata, mas a qualificação dos recursos humanos, a sua cultura e formação técnica.
É preciso desenvolver uma cultura que valorize o trabalho, o aperfeiçoamento, a qualificação e o domínio das novas tecnologias de informação e comunicação, como ressalta claramente da "Estratégia de Lisboa". A sua aplicação deve ser uma prioridade nacional, por constituir uma boa agenda, que fomenta a transição para uma economia mais baseada no conhecimento e capaz de gerar crescimento económico, coesão social e respeito pelo ambiente; em duas palavras, desenvolvimento sustentável.

Mas a necessidade de agir para modernizar, torna, ainda, vital dinamizar as relações entre os componentes do sistema nacional de inovação, estimular e sensibilizar as empresas para a urgência de um investimento mais reprodutivo em Investigação e Desenvolvimento, e tornar mais frequente e natural o recurso às relações de trabalho entre a produção de saberes e o tecido económico.

As empresas (motores últimos da inovação) e os centros de saber têm de simplificar e agilizar as relações entre si, através de modos operativos eficientes e de um intercâmbio muito mais intenso de recursos humanos qualificados.

Sem inovação, não reforçaremos a nossa capacidade de concorrer no mercado europeu, nem conseguiremos ganhar a batalha da produtividade no mercado mundial.

Em suma, Portugal tem de apostar na Sociedade de Informação, em termos económicos, educacionais e culturais.

Na Sociedade de Informação, triunfa quem possui sistemas universitários e de ensino capazes de inovar tecnologicamente e de captar o investimento privado. É essa a condição para o êxito de qualquer país na Era do Conhecimento.

É essa, também, condição essencial para a competitividade e crescimento da nossa economia. E isto é tanto mais decisivo quanto o desempenho da economia portuguesa, nos últimos anos, não foi encorajante.

Comparando os anos de 2000 e 2003, a taxa média de desemprego aumentou de 4,1% para 6,4%; a variação do produto passou de um crescimento de 3,4% para um decréscimo de 1,3%; e o rendimento per capita, em paridades de poder de compra, relativamente à média da União Europeia, desceu de 70,4% para 68,8%.

Esta situação deriva de inegáveis dificuldades estruturais e de uma conjuntura económica europeia adversa, mas resulta também, nomeadamente, de opções sobre o investimento público e a gestão de expectativas.

O desequilíbrio orçamental é uma importante restrição ao crescimento económico e precisa ser bem e consolidadamente (repito: bem e consolidadamente) corrigido. Mas, sem crescimento, para além de a própria redução do défice público se tornar ainda mais difícil, não há suficiente criação de emprego, não há aproximação ao nível de vida europeu e é mais difícil realizar a coesão e a justiça sociais. A meta que temos que alcançar, o mais depressa que nos fôr possível, é a de voltar ao processo de convergência real.

Há, porém, outro défice mais grave, que constitui um problema de fundo: o défice estrutural de produtividade e de competitividade da economia portuguesa. Parece-me óbvio que Portugal se deixou atrasar nas reformas que mudam a estrutura e as condições de funcionamento da economia. É, pois, necessário recuperar o tempo perdido, efectuando as reformas estruturais que se impõem.

A estrutura produtiva portuguesa, apesar dos progressos realizados, ainda não é suficientemente sólida para responder, com tranquilidade e segurança, aos desafios da competição global, em geral, e do alargamento da União Europeia, em particular. Aumentar a produtividade é fundamental para melhorar a competitividade das empresas.

Mas a competitividade que realmente interessa e conta ? quer para as empresas conquistarem ou preservarem quotas de mercado, quer para o País atrair investimentos produtivos ? é a que assenta na diferenciação qualitativa e na progressiva transição para a produção de bens e serviços com mais valor acrescentado.

É preciso modernizar a estrutura produtiva da economia portuguesa e criar vantagens competitivas estruturais, como as proporcionadas pela qualificação dos recursos humanos, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, pela qualidade do sistema de Investigação e Desenvolvimento, pela rede de infra-estruturas materiais, pela credibilidade do regime fiscal, pelo respeito da lei e da autoridade democrática, pela celeridade da Justiça e pela eficácia da administração pública.

Temos de voltar a subir na tabela da competitividade mundial. Não podemos aceitar adiamentos ou abrandamentos nas reformas estruturais que melhoram a competitividade da economia, seja por resignação face às dificuldades, seja por más razões de oportunidade política, tanto mais que a crise orçamental está longe de se encontrar superada.

Temos vivido um período difícil para muitos. Por isso, quero saudar o esforço feito pelos portugueses para enfrentar as dificuldades e vencer a crise económica; mas quero, também, dizer, de modo muito claro que temos de olhar, resolutamente, para a frente. Não podemos ficar prisioneiros do passado. Há mais vida para além da discussão estéril sobre culpados e inocentes. É preciso avançar na solução dos problemas.


E tudo isto num tempo em que é irrecusável a necessidade de promover a coesão nacional.

Há duas grandes causas estruturais que a ameaçam, podendo pôr em causa os direitos sociais.

A primeira, diz respeito à persistência de um modelo de desenvolvimento desfasado das exigências da nova economia, a que se associam um padrão de distribuição de riqueza fortemente inigualitário e grandes assimetrias territoriais. A segunda deriva de um sistema de protecção social com fragilidades e lacunas e de algum hiato entre a consagração formal dos direitos sociais e a sua efectiva aplicação.

Acresce que o País se viu confrontado, nos últimos tempos, com ritmos de crescimento do desemprego a que já se tinha desabituado, sendo previsível que, dentro de alguns meses, os Centros de Emprego registem cerca de meio milhão de cidadãos desempregados. Por outro lado, aumenta, com preocupante regularidade, o volume dos desempregados de longa duração, agravando as situações de carência de recursos para muitas famílias, e conduzindo-as a limiares de exclusão, onde as palavras liberdade e cidadania poderão deixar de fazer sentido.

Neste quadro, e qualquer que seja o caminho para o necessário modelo de desenvolvimento alternativo, é fundamental que não se recue, precipitadamente, no domínio das políticas sociais preventivas e de emergência. De contrário, estaremos a deixar que se criem fracturas e tensões que porão, inevitavelmente, em causa a coesão nacional mínima, com os perigos que isso implica.

A luta contra a pobreza e a exclusão é uma questão de dignidade social e uma obrigação moral indiscutível.

O envelhecimento da população é outro problema que, pelas suas pesadas implicações económicas e sociais, constitui um importante desafio de longo prazo para o futuro de Portugal, que não pode ser esquecido.

De facto, a conjugação do aumento da esperança de vida com a diminuição dos nascimentos leva a um aumento da proporção da população idosa na população total e à diminuição do peso relativo da população economicamente activa.

Estas alterações demográficas têm importantes incidências sociais, económicas e financeiras, nomeadamente nos sistemas de segurança social e de saúde e no mercado do trabalho, que não podem ser descuidadas. Impõe-se, por isso, desde já, a preparação de uma estratégia que possa corrigir gradualmente o impacto económico e social desta significativa alteração demográfica.

Termino, com uma última referência ao campo da Comunicação Social e do Audiovisual.

Deixo um alerta para os perigos da concentração da propriedade dos Media. Não é a primeira vez que o faço, mas o progressivo aumento deste fenómeno obriga-me a repeti-lo.

A liberdade de informação não pode estar refém dos interesses económicos ou políticos.

Uma Comunicação Social livre e independente não se revela, por si só, na multiplicidade de títulos, canais ou antenas, mas sim na pluralidade efectiva que eles representam. Só esta pode ser obstáculo ao controlo da Comunicação Social por interesses económicos e políticos.

Como todos sabemos, as lógicas da concentração podem pôr em causa garantias fundamentais que têm de ser asseguradas. O jornalismo e os jornalistas cumprem uma função de grande responsabilidade social. É preciso, também, que aos seus direitos inalienáveis correspondam deveres e responsabilidades assumidas. O Estado tem o dever de não se alhear desta questão estrutural da democracia.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Penso que comemorar o 25 de Abril deve ser, acima de tudo, preparar o futuro. Por isso, tornei presentes alguns dos nossos principais desafios. Há outros que têm constituído, para mim, uma preocupação permanente.

É o caso do desenvolvimento sustentável e da defesa do ambiente, de que me ocupei numa recente Jornada, da acessibilidade e equidade na Saúde, da defesa dos Direitos dos Consumidores, da valorização da nossa cultura e do nosso património.

E da Justiça, a Justiça cuja reestruturação, aliás, na linha proposta no respectivo Congresso, vai depender, em larga medida, do modo como se reordene a formação dos profissionais do foro, com juízes, magistrados do Ministério Público e advogados, a partilhar, antes da especialização, um prolongado tronco comum e conjunto de formação, que os faça comungar dos mesmos valores e dê a cada profissão uma adequada perspectiva da função das outras. Faço, de novo, o alerta. Também aqui, separar é empobrecer e regredir.

Senhor Presidente e Senhores Deputados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Trinta anos depois, reencontramos, pela evocação, um tempo que foi nosso, que continua a ser nosso, e que representou, para os que o viveram, um privilégio irrepetível. Reencontramos esse tempo, em que “a poesia estava na rua”, na sua magia e na sua esperança. Reencontramos os símbolos e os ícones da Revolução, os seus rostos e as suas vozes inapagáveis. Reencontramos, evocando-a hoje, essa madrugada por que esperámos tão longamente. E reencontramo-nos nesse reencontro com ela.

As revoluções, as rupturas, as grandes transformações têm uma genealogia e um código genético.

A Revolução do 25 de Abril é herdeira de uma tradição de resistência, de combate pela liberdade e pela dignidade cívica, de abertura e de progresso que a marcou e que constitui o fundamento da identidade do regime que ela fundou.

Foi uma Revolução pioneira, como é reconhecido, e iniciou um ciclo de grandes transformações no mundo. Foi, nas suas consequências, o acontecimento histórico mais importante e mais feliz do século XX português.

Trinta anos passaram desde então; e podemos, hoje, dizer que, apesar das dificuldades e dos riscos inevitáveis em qualquer percurso, este tem sido um dos períodos mais notáveis da nossa História. Temos, pois, razões, olhando-nos e olhando o que realizámos, para nos orgulharmos.

O país que somos, hoje, está, certamente, muito longe do país que desejamos ser amanhã, mas está ainda mais longe do país bloqueado e sem futuro que éramos ontem, em 1974.

Fizemos a descolonização e acabámos com a guerra, consolidámos e naturalizámos a democracia, recuperámos o prestígio no mundo, instituímos o poder local democrático e as autonomias regionais, entrámos na Europa, refizemos os laços com os novos países que falam português e reforçámos a nossa ligação ao Brasil. Recuperámos do atraso e demos passos enormes no sentido da modernização e do desenvolvimento económico, social e cultural. Avançámos no reconhecimento e na efectivação dos direitos entre homens e mulheres. O orgulho que devemos sentir pelo que fomos capazes de fazer deve ser, contudo, o contrário da auto-complacência. Deve ser antes a raíz da nossa exigência, da nossa responsabilidade, da nossa ambição de fazer muito mais e melhor.

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

Como noutros momentos capitais da História da Humanidade, sabemos que vivemos, universalmente, um tempo muito difícil e complexo. Perdemos a sensação de ter terra firme debaixo dos pés. De nada serve ignorarmos ou desconhecermos a situação em que nos encontramos: possuímos hoje mais perguntas do que respostas, mais dúvidas do que certezas, mais perplexidades do que expectativas, mais problemas do que soluções.

Tudo mudou: os paradigmas, as referências, os sistemas de valores, as práticas políticas, sociais e culturais. A democracia, as suas instituições, os seus métodos e instrumentos tradicionais, estão sujeitos a um dos maiores reptos da sua história: um repto de representatividade e de eficácia.

Porém, ao contrário dos regimes não-democráticos, a democracia funda-se na crítica sobre si-mesma e tem os mecanismos da sua auto-correcção e aperfeiçoamento. É essa a sua força. Por isso, a crítica é sempre bem-vinda, útil e necessária, pois a democracia defende-se, corrigindo-se e aperfeiçoando-se. As fragilidades, os bloqueios e os erros da democracia corrigem-se, porém, com mais democracia, maior participação, mais iniciativa, maior mobilização, mais cidadania. E com reformas profundas, corajosas e eficazes.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Estes são o momento e o lugar certos para dizer que a ditadura que sofremos durante meio século representou uma terrível tragédia para Portugal – negou o melhor da nossa História, privou-nos da liberdade, da dignidade e do desenvolvimento, isolou-nos da Europa e do Mundo, causou-nos atrasos profundos e danos enormes, de que ainda não recuperámos inteiramente, bloqueou-nos o futuro. E instalou em Portugal uma cultura, ainda não totalmente vencida, de apatia cívica, de desconfiança nas instituições e na política, de falta de espírito crítico substituído pela maldicência inconsequente e avulsa, de desresponsabilização, impunidade e opacidade, de intolerância e desrespeito pela diversidade, de nostalgia do unanimismo e da uniformidade, de confusão entre estabilidade e imobilismo, de subserviência ao poder e, simetricamente, de arrogância do poder e desprezo deste pelos cidadãos. São os vestígios desta cultura que temos de erradicar.

Ao contrário, o 25 de Abril, ao instaurar a democracia, representou o nosso reencontro com a Liberdade, a História e o Mundo. Entrámos, de novo, na modernidade de que tínhamos sido longamente afastados. Tornámo-nos contemporâneos de nós-próprios. É essa a inspiração que, neste dia, retomamos com orgulho, reafirmando o nosso amor à Liberdade e a Portugal. Liberdade e Portugal que não mais concebemos como separáveis, porque, desde o 25 de Abril, Portugal e a Liberdade têm o mesmo nome.

Viva o 25 de Abril!

Viva a Liberdade!

Viva a República!

Viva Portugal!