Conferência proferida por SEXA o PR no "Collège d'Europe" - "Uma nova idade para a Europa"

Natolin
29 de Abril de 2004


Foi com sincero prazer que aceitei o convite para visitar o “Collège d’Europe” de Natolin e convosco partilhar algumas reflexões sobre a Europa. O “Collège” de Natolin soube, em poucos anos, construir um prestígio legítimo no seio do mundo académico que aprofunda o estudo dos temas europeus. E isto deve-se ao incansável empenhamento do Reitor Piotr Konopka, e ao espírito de inteligente e aberto trabalho que aqui junta professores e estudantes.

Nas vésperas do mais ambicioso alargamento da história do projecto de integração do nosso continente, não se surpreenderão que tenha sido este o tema que escolhi. Falar-vos-ei, brevemente, de sucessos , desafios e dificuldades; do rumo que considero dever ser seguido; e da determinação que nele deveremos colocar.

Realizamos este encontro nas vésperas de um momento decisivo para a evolução do projecto de integração europeia – a adesão de dez novos países à União. Num arco cronológico menor do que a vida de um homem, a lúcida visão de Monnet e Schuman – e dos que nos difíceis primeiros tempos nelas acreditaram – continua assim a levar bem longe os caminhos de paz, unidade e desenvolvimento, que, para muitos de então, não passavam de inacessível utopia.

Com este passo, concretiza-se um desígnio e cumpre-se uma ambição. Com ele, reajustamos o rosto da Europa, procurando que coincida melhor com a história e com as expectativas dos povos que a constituem. Com ele, também reafirmamos uma vontade: corrigir – pela decisão soberana dos Estados – as linhas de fractura que um passado recente traçara no mapa político europeu.

Pessoalmente, tenho-o repetido com convicção, este alargamento representa um dever, reconhece uma exigência, propicia uma oportunidade. Dever, porque importa apoiar o percurso inicial, consabidamente difícil, das novas democracias da Europa Central e do Leste, e a opção europeia de Malta e Chipre; exigência, pois, perante o processo de globalização em curso, convém uma Europa mais unida na sua diversidade, para melhor pesar nas decisões que se cruzam à escala do Mundo; enfim, oportunidade, porque solidariamente juntos poderemos defender com eficácia acrescida o desenvolvimento e segurança do continente e a estabilidade e paz internacionais.

Vivemos um momento histórico que nos impõe a todos – governantes e cidadãos – novas exigências e responsabilidades. Face a um mundo confrontado com inéditos desafios, a recomposição da União Europeia assume um óbvio valor político e geo-estratégico que se irá projectar para além das suas fronteiras. Por isso mesmo, dela decorre uma obrigação de resultado correspondente às expectativas criadas, no seu interior e fora dele. O desafio é claro: a dimensão do presente alargamento, a memória ainda próxima de penosas experiências históricas vividas por quase todos os Estados aderentes, a diversificada carga de assimetrias económicas do novo espaço, colocam à União europeia vários problemas, não só no quadro da eficácia institucional, mas também no plano da gestão de diferentes sensibilidades políticas, ou no domínio da defesa de uma desejável coesão socio-económica do seu território.

Nunca como hoje a velha querela entre alargamento e aprofundamento terá assim assumido natureza tão determinante para o futuro do projecto europeu. Temos perante nós dois caminhos: de um lado, o prosseguimento da ideia integradora, numa linha nem sempre regular de progressiva união entre os Estados e povos que nela participam; de outro, a sua diluição num imenso espaço de livre comércio, assente em frágeis disciplinas, sem os vínculos de solidariedade política que têm garantido, até agora, o sucesso da mais notável construção diplomática dos nosso tempo. Importa, por isso, ter consciência que os voluntarismos políticos, sem dúvida úteis para a evolução dos projectos, de pouco servirão se não assentarem em objectivos mobilizadores e estratégias sustentadas.

Neste contexto, a presente e complexa conjuntura mundial mostra bem qual o rumo a trilhar. E este – digo-o sem qualquer dúvida – pede-nos seguramente mais Europa. Mais Europa, no rigoroso respeito pelas identidades nacionais e na partilha consensual de soberanias; mais Europa numa estreita e confiante cooperação entre os Estados membros, assente no império de direito por eles livremente estabelecido e balizado por uma abordagem positiva do princípio da subsidiaridade; mais Europa, para uma eficaz intervenção na cena internacional; mais Europa, na consolidação de direitos e deveres que dêem corpo a uma realmente vivida cidadania europeia; mais Europa para um melhor conhecimento por todos da sua diversidade cultural; mais Europa, no reforço de políticas de solidariedade que favoreçam a convergência real dos seus Estados e conduzam assim a uma adequada solidez socio-económica do espaço europeu.

Para isso, no momento em que se renovam os esforços – e as esperanças – para alcançar o compromisso que tornará possível dotar a Europa de um Tratado Constitucional, impõe-se proteger princípios, como o da igualdade entre os Estados-membros, que são indispensáveis para a união cada vez mais estreita dos povos europeus. Sublinho-o, por ser esta a via de garantir o acervo de equilíbrios e confiança política laboriosamente construído desde o Tratado de Roma. Refiro-o, porque nem sempre, durante a Convenção e, posteriormente, ao longo da CIG, se conseguiu evitar o afloramento de atitudes de desnecessária sobranceria, de preocupantes egoísmos nacionais, ou de dispensáveis manobras para uma menos justa repartição do poder interno no seio da União.

E se naturalmente compreendo a necessidade de não deixar enfraquecer as instituições com a súbita alteração do número dos Estados-membros, nem favorecer bloqueios no processo decisório, foi com preocupação que acompanhei certas manifestações de sentido hierarquizante, ou algumas tendências que poderão favorecer rumos demasiadamente inter-governamentais.

Quanto a estas, decerto que o percurso até agora seguido pela construção europeia mostra-nos um repetido oscilar entre a supranacionalidade e o intergovernamental. Mas a natureza deste alargamento, e os problemas que a Europa deverá enfrentar no mundo crispado dos nossos dias, aconselham a não inverter a linha de progressivas e prudentes delegações de competências e a favorecer o reforço gradual do método comunitário. A este respeito, considero permanecerem actuais as palavras de Jacques Delors quando, perante semelhante questão durante as negociações do Tratado de Maastricht recordava: “não existe nenhum exemplo triunfante de cooperação entre as nações que tenha durado sobre uma base intergovernamental. Ora o meu receio – advertia Delors – é que o intergovernamental possa poluir o comunitário e, na realidade, o faça recuar”. Penso que importa meditar sobre este aviso, já que a actual conjuntura política internacional vem reavivando os riscos de que Delors falava e experiências ainda recentes revelam a necessidade imperiosa de proteger a coesão e unidade europeias.

Falei-vos de aprofundamento e unidade. Duas palavras que devem traçar o nosso rumo e servir de cimento a um projecto político alvo de recorrentes pessimismos e críticas. Com efeito, desde a assinatura do Tratado de Roma não têm faltado vozes a censurarem – tantas vezes com razão – a ausência de ambições, ou a prenunciarem – com evidente miopia política – o esgotamento de um modelo que vem garantindo paz e prosperidade a uma Europa antes frequentemente retalhada por guerras e rivalidades hegemónicas. Felizmente, apesar do mar revolto de cepticismos e frustrações, poderemos pedir a Fellini a sua ironia para afirmar que “e la nave va” e exprimir a confiança que, ao contrário da sua nau, a nossa saberá resistir às ciladas e dificuldades do percurso. E isto porque a construção europeia tem conseguido, ao longo dos anos, ultrapassar obstáculos, períodos de alguma inércia, abalos internos e externos, cumprindo objectivos e calendários. Desde logo, e sem ir muito longe, pela instalação física da moeda única, numa operação de notável sucesso político e técnico. Tratou-se de um momento de decisivo impacto federador e de impulsão do projecto integracionista, pois com o euro viajou, de forma tangível, até aos cantos mais interiores do território da União, o espírito de comunidade de destino, sem o qual serão menos sólidos os vínculos a ligarem os seus cidadãos.

Refiro este exemplo, pois com a introdução da moeda única comprovou-se, de modo claro, que os progressos para prosseguir numa equilibrada via integradora são possíveis desde que se congreguem certos factores essenciais: adequada preparação técnica (os trabalhos do Comité Delors foram determinantes para o sucesso da decisão); capacidade de liderança (e aqui é de justiça realçar a acção do Presidente Mitterrand e do Chanceler Kohl); e ainda a mobilização de uma efectiva vontade política dos Estados-membros para assumirem metas e ambições.

O triunfo obtido obriga-nos, todavia, a estarmos atentos a tudo aquilo que poderá ser melhorado. E porque evoquei este exemplo de sucesso, valerá a pena lembrar que vem sendo apontada por muitos a ausência de eficazes instrumentos de governação económica que, a par da vertente monetária e da luta pela estabilização dos preços, antecipem dificuldades e promovam um esforço para uma maior convergência das políticas económicas. Este é um problema que sabemos não promover consensos, mas que seria urgente discutir, uma vez instalada a nova Comissão. Paralelamente, o debate sobre a áspera rigidez do Pacto de Estabilidade, que vem provocando alguns desencontros entre os Estados-membros e a Comissão, requer de igual modo uma abordagem lúcida e não ideológica, que explore vias de compromisso seja para uma nova formulação do Pacto (tarefa reconhecidamente complexa), seja – porventura num registo mais realista – para um pragmático acordo sobre a aplicação menos cega e mais inteligente das normas existentes. Esperemos, porém, que sem prejuízo dos seus objectivos e disciplinas essenciais, se possa chegar a um consenso que evite o actual desajustamento dogmático de algumas das suas obrigações a certos aspectos da realidade económica. Neste domínio, poderá servir-nos de advertência o exemplo insuspeito de outros países, como os EUA, quanto à sua capacidade de reagir a crises ou períodos de recessão.

Pessoalmente, e porque esta é uma questão que me preocupa, continuo a pensar o que já há cerca de dois anos tive oportunidade de sugerir no Instituto Universitário de Florença. Nessa altura, bem antes do presente debate, defendi que, sem se abandonar o compromisso comum da disciplina-orçamental, haveria vantagem numa maior flexibilidade da aplicação das normas do Pacto, de forma a ter em conta as necessidades diferenciadas de cada Estado. Este seria um caminho que poderia assentar na consideração de um saldo orçamental que avaliasse a qualidade da despesa, e assim excluísse dos constrangimentos do défice, e dos seus efeitos perversos para uma indispensável retoma económica, montantes indispensáveis à prossecução de políticas de investimento público. Trata-se de matéria com pesada carga política, já que se vem caminhando para uma situação de risco – quer quanto à necessária credibilidade do Pacto, quer já na negativa tendência que se começa a instalar, dele configurar um factor de antagonismo entre as autoridades nacionais e comunitárias, assim prejudicando o desejável aprofundamento da construção europeia.

Ora, se o processo que conduziu à moeda única constituiu uma vitória assinalável para o projecto federador, poder-se-á dizer que com ele ficou ainda mais vincada a persistente diferença entre a solidez do pilar económico da União e as fragilidades da sua vertente política.

Quanto ao primeiro, deparamos com disciplinas estruturadas, calendários cumpridos, políticas e objectivos claros; já relativamente ao segundo, damos conta de uma passada hesitante, de frequente bloqueios, de uma evidente dificuldade em definir estratégias comuns – e executá-las.

Dir-se-á que é natural que assim seja, pois este é o domínio em que se afirmam os instrumentos clássicos de soberania, e se tocam nervos sensíveis dos ordenamentos nacionais, tanto na acção externa, como na defesa, como ainda no campo judiciário. Com demasiada facilidade, fomo-nos habituando a que comentadores e cidadãos colassem à Europa o rótulo pejorativo de um persistente anão político em contraposição ao seu poderio económico. Ora, o aprofundamento de União também deverá passar por aqui: associando ambição e realismo.

Não será fácil fazê-lo, pois o peso da tradição e da verdade dos factos é indesmentível: não obstante continuar a ser o principal actor mundial para a ajuda ao desenvolvimento, a União Europeia não tem conseguido subtrair-se a uma débil capacidade de intervenção externa. As razões são bem conhecidas, pois – como já indicámos – este é um terreno onde se cruzam os constrangimentos derivados da afirmação de soberanias e rivalidades; de vontades de protagonismo nacional; ou de históricas tradições de relacionamentos e áreas de influência diplomática. Não obstante os progressos já realizados – de que o Acto Único e o Tratado de Maastricht foram importantes iniciadores – perdura ainda hoje um notório défice de credibilidade da União na abordagem das grandes questões internacionais, em que muitas vezes é omissa, meramente declaratória ou, ainda pior, escassamente escutada.

Perante este quadro, junto-me aos que entendem ser urgente a Europa dotar-se de um pensamento estratégico consistente, de objectivos convincentes e calendarizados, e de instrumentos que permitam uma intervenção credível. Só assim ganhará o estatuto – a que deve aspirar – de actor político global e se erigirá em polo estruturante da estabilidade e paz internacionais, e não só regional. Só assim terá possibilidade de defender adequadamente os seus interesses específicos; fazer ouvir as posições que as suas densas experiências lhe proporcionam; de proteger os seus próprios valores. Neste domínio, o caminho percorrido pela Convenção e pela CIG, entendido como frustrante por muitos e excessivo por outros, deixa alguns sinais de positivos desenvolvimentos, no sentido de uma mais efectiva política externa da União, apoiada por instrumentos de flexibilidade no campo do processo decisório e por uma capacidade de defesa que lhe aumentará a credibilidade e a consistência de intervenção. Na mesma linha poderemos registar – até pelo seu significado político – várias decisões dos últimos Conselhos Europeus, como a adopção de um documento de estratégia europeia de segurança; o desenvolvimento de capacidades militares, nomeadamente no plano do planeamento e da definição de objectivos estratégicos globais; a criação da Agência Europeia de Armamentos; o estabelecimento de uma Agência para a Gestão de Fronteiras Externas; e, mais recentemente, face á ameaça terrorista, diversas medidas de solidariedade e mais estreita cooperação para reforço da segurança dos Estados-membros.

Este é um campo de intervenção que exige um ajustado equilíbrio entre real capacidade decisória e credibilidade política. Para isso importa criar condições para um amplo grau de envolvimento dos parceiros, apenas possível por modelos de participação abertos e não exclusivos; para isso, haverá também que defender uma necessária imagem de coesão da Europa, a qual não se compadece com tentações vanguardistas fora do quadro institucional do Tratado.

Neste capítulo, convirá, ainda, deixar claro que o reforço que se pretende para as actuais PESC e PESD, nomeadamente a instalação de uma real capacidade autónoma de defesa, não configura qualquer intenção de rivalidade de poder com os EUA, que nem sequer a simples consciência das realidades permitiria. Sou, assim, dos que entendem inútil, porque errada no tempo e na substância, a querela entre atlantistas e europeístas. Não se trata aqui de cortar a linha de um dilema ou de escolher entre duas alternativas. A actual situação do mundo mostra bem que precisamos uns dos outros nas duas margens do Atlântico. É, afinal, da percepção desta realidade que considero devermos forjar uma União Europeia mais coesa e mais forte no campo da segurança, para – em estreito e leal entendimento com os EUA – podermos contribuir de forma eficaz para uma via sustentada de progresso humano. E isto, na certeza de que nem sempre serão coincidentes os nossos interesses imediatos, nem que as divergências que forçosamente emergirão conseguirão abalar o património de valores comuns em que sempre assentou o relacionamento transatlântico.

O aprofundamento de que vos venho falando exige também uma forte coesão económico-social do território europeu e uma adequada capacidade competitiva da União perante um mundo em que a economia do conhecimento modela progressos e estabelece dominações.

A Europa tem sido, sobretudo após a aprovação do primeiro Pacote Delors, um espaço de solidariedade. Desde essa altura, com lúcida visão, vêm sendo mobilizados e partilhados crescentes recursos que têm permitido políticas indutoras de convergências e modernidade.

Com elas, e generalizadamente com sucesso, tem-se procurado dar corpo ao esforço de coesão económica, social e territorial que o Tratado de Maastricht definiu como prioridade comunitária, até porque – segundo as palavras do seu texto – “contribui para o crescimento económico de todos os Estados”. Compreendo por isso mal que, na perspectiva de uma Europa alargada, onde as desigualdades e disparidades serão bem mais extensas do que as agora existentes, alguns procurem restringir significativamente o tecto das despesas previstas no próximo orçamento da União. Penso que importa evitar esse duplo risco: quer, defraudando expectativas de apoio aos Estados que entram, quer interrompendo ou afrouxando, por critérios estatísticos, o ritmo de programas de desenvolvimento indispensáveis para uma desejável evolução do progresso nos diversos Estados.

Por outro lado, a construção europeia constitui, enquanto experiência multilateral sem precedentes, uma entidade determinante para ajudar a estabelecer legítimas disciplinas para melhor orientar o processo de mundialização. Antes de mais, no plano social. Conto-me entre os que consideram que o chamado modelo social europeu está na base de décadas de crescimento económico e progresso social dos países do continente. Para tanto, foi necessário efectuar um esforço continuado para se limitarem e corrigirem as desigualdades provocadas pela acção livre das relações económicas. Também aqui se joga a coesão social do nosso espaço, pois vivemos um tempo em que se adensam os sinais sobre a crise do sistema de emprego, do quadro das relações industriais, dos próprios modelos de protecção social. E porque pela sua dimensão, a tarefa ultrapassa a capacidade individual dos Estados, importa considerar no plano da União – (infelizmente o projecto de Tratado é de novo notoriamente tímido neste capítulo) – métodos e instrumentos que fomentem condições de pleno emprego e facilitem caminhos para uma melhor adaptação dos sistemas de relações industriais às mutações económicas e aos desafios da globalização.

Recordo que, para fazer face a algumas destas preocupações, a União lançou a chamada “Estratégia de Lisboa”, que mobiliza Governos e instituições para um esforço balizado por metas de cooperação e coordenação abertas, com vista a colocar a inovação tecnológica e a definição de uma política social num lugar prioritário da actuação comunitária. Em Lisboa, fixou-se 2010 como data para a União se tornar a economia do conhecimento mais competitiva do mundo. Ora, o cumprimento deste calendário parece revelar já evidente atraso, reconhecido pelo último Conselho Europeu que, no entanto, reafirmou a sua vontade política e definiu novas orientações, designadamente para favorecer um crescimento sustentado, e um alto nível de coesão social. É bom que assim seja, pois só assim a Europa corrigirá fragilidades que prejudicam a sua posição num mundo em acelerada mudança.

Termino, porque me parece útil, com a evocação da experiência de adesão do meu país. A adesão de Portugal, em 1986, após o fim do mais velho império colonial europeu, representou uma opção política decorrente de um raro sentimento consensual no plano colectivo. A integração no quadro europeu (alguém lhe chamou o regresso das caravelas) abriu um novo tempo para Portugal: pôs fim a um isolamento internacional contrário à antiquíssima tradição histórica do país; trouxe paz e estabilidade políticas; forjou uma nova mentalidade na população, favorecendo uma diferente dinâmica com os parceiros europeus; garantiu a consolidação da democracia e do rigoroso funcionamento do Estado de Direito; facilitou vias de modernização e prosperidade; alargou o quadro nacional de intervenção externa.

Julgo que neste momento em que celebramos a entrada de mais dez novos parceiros cabia este testemunho de confiança no caminho que tem norteado a nossa aventura colectiva e resguardado a Europa dos seus velhos demónios. O presente alargamento assenta, afinal, na convicção de que não mais é possível aos Estados, por mais poderosos que sejam, darem isoladamente resposta eficaz aos diversificados e complexos problemas do mundo de hoje. A presente luta contra o terrorismo global, que na sua bárbara irracionalidade vem atacando indiscriminadamente os fundamentos do nosso viver quotidiano, é a ilustração mais aguda de que todos, mulheres e homens livres do nosso tempo, nos encontramos envolvidos numa batalha que nos foi imposta, e só solidariamente poderemos vencer.

Como todas as grandes opções estratégicas, também, a construção europeia exige a participação consciente dos seus cidadãos, como agentes activos de um projecto em que se possam rever. Para isso, importa promover um trabalho de esclarecimento, de debate, de discussão dos grandes temas europeus, que torne mais sólida, porque mais participada, a comunidade de destino que já formamos e, com ela, a comunidade de afectos que importa alargar.

Foi isso, também, que me trouxe hoje aqui.