Discurso do PR por ocasião do jantar oferecido em honra do Presidente da República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano

Palácio da Ajuda
03 de Maio de 2004


Senhor Presidente e meu caro amigo,
Senhores Ministros dos Governo de Portugal e Moçambique,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

É sempre com grande e renovado prazer que acolhemos Vossa Excelência em Portugal.

Em primeiro lugar, porque a presença entre nós do Presidente de Moçambique, desta feita também na qualidade de Presidente da União Africana, somando-se à multiplicidade de visitas entre as Autoridades dos nossos dois países, reflecte bem a intimidade e a confiança que caracterizam hoje o nosso relacionamento.

Em segundo lugar, porque as qualidades de Vossa Excelência, que tenho tido o privilégio de apreciar, com interesse e amizade, ao longo de anos de convívio regular, fazem de cada um destes encontros ocasiões de profícuo diálogo e genuíno interesse.

Com efeito, o seu percurso pessoal e a sua longa carreira política, desde sempre pautada pela capacidade de persuasão, por uma inegável habilidade diplomática e, sobretudo, por uma grande visão, qualidade essencial num verdadeiro líder político, permitiram-lhe conduzir Moçambique, com sucesso, através dos caminhos da paz, da reconciliação nacional e da democracia. O prestígio internacional que foi acumulando e as funções que foi sendo chamado a desempenhar no contexto regional, culminando com a Presidência da União Africana, reflectem tão só, Senhor Presidente, o reconhecimento internacional daquelas qualidades.

Moçambique tornou-se efectivamente um caso exemplar para África e para o Mundo, que a comunidade internacional muito valoriza. Mesmo no plano - sempre difícil e complexo - da convivência e do diálogo entre religiões o seu país tem demonstrado ser um caso especial de tolerância e maturidade.

Temos, por vezes, tendência a subestimar os bons exemplos, considerando que a “árvore não faz a floresta”. É um erro. Numa altura em que os factos económicos têm contribuído para engrossar as fileiras dos afro-cépticos no quadro europeu, exemplos como os de Moçambique devem ser devidamente sublinhados.

Os “dados vitais” do continente africano não são, de facto, genericamente muito positivos. Com efeito, nenhuma área do globo é, porventura, tão mal tratada pela globalização como África. Nos últimos três anos, o PIB per capita desceu em cerca de um terço dos países africanos. Vinte e dois países africanos foram martirizados por guerras e conflitos nos últimos dez anos. Metade da população africana vive abaixo do limiar da pobreza. A fome e as pandemias têm provocado efeitos devastadores.

Felizmente que os números não nos contam toda a verdade. A tirania das estatísticas tende a privilegiar a média geral, desvalorizando e ocultando o particular. Olhando com mais atenção, constatamos que existem casos de sucesso e reconhecemos os sinais de que África está no bom caminho.

Senhor Presidente,

Os diagnósticos sobre África estão feitos. Os problemas são reais e carecem de medidas concretas. A paz, a estabilidade e a normalidade democrática são condições essenciais ao desenvolvimento dos países e ao bem-estar das populações. O sucesso de Moçambique nos últimos anos demonstra-o com clareza. Foi um dos poucos países africanos que, durante os anos 90, contrariou a tendência verificada no continente, tendo o seu PIB crescido a uma média de 3.1%. Na passada semana, o FMI deu mais uma boa notícia a Vossa Excelência, prevendo no seu Boletim da Primavera que o PIB moçambicano cresça exuberantemente no corrente ano – 8.4% (quem nos dera crescermos 1/3 que fosse).

Senhor Presidente,

Em Portugal – e afirmo-o sem hesitar - acreditamos e apostamos em África. Acreditamos nas suas potencialidades. Sabemos que o continente africano necessita de mais investimento, mais comércio e mais cooperação. Somos dos países que percentualmente mais ajuda ao desenvolvimento tem canalizado para África. Continuaremos, como até agora, a bater-nos na Europa contra as vozes do afro-cepticismo e por um aumento dos níveis de ajuda ao desenvolvimento. Continuaremos também a bater-nos para que África não seja mais uma vítima do terrorismo internacional, procurando evitar a sua subalternização na agenda internacional. África tem o direito de esperar mais da comunidade internacional, particularmente da Europa, do que palavras sucessivamente repetidas de diagnóstico dos males ou promessas reiteradas de ajuda, que muitas vezes tardam em se concretizar ou em produzir os efeitos desejados.

Foi por acreditarmos no aprofundamento da parceria entre África e a Europa que, durante a Presidência portuguesa da União Europeia no ano 2000, promovemos a primeira Cimeira Europa-África. Pretendíamos construir e forjar uma agenda comum. Contínuo a entender que, logo que ultrapassados os actuais constrangimentos, essa é uma fórmula que deve e merece ser revisitada.

O nosso relacionamento com o continente africano deve assentar na solidariedade, mas também na responsabilização. Ninguém se poderá substituir aos africanos, enquanto actores primariamente responsáveis pelo processo de desenvolvimento dos seus próprios países. Entendemos neste contexto a Nova Iniciativa Africana para o Desenvolvimento, bem como a União Africana, que representam um passo muito importante no sentido da democracia, de uma maior integração, do fortalecimento institucional e do desenvolvimento do continente. Espero que a CPLP, cuja V Cimeira se realiza em Julho em S. Tomé e Príncipe, possa também dar o seu contributo para este processo, que todos desejamos bem sucedido, do “renascimento” de África. Em concreto, penso que a CPLP poderá ter um papel na questão, largamente consensual, do controlo das epidemias de doenças infecto-contagiosas, em particular da SIDA. É uma área em que urge concentrar esforços.

Senhor Presidente,

Gostaria de concluir, afirmando que constitui para mim um grato prazer ter aqui os Embaixadores dos países africanos acreditados em Lisboa e poder, deste modo, associar-me às celebrações do Dia de África que terão lugar amanhã. Quero exprimir o meu sincero apreço pela Vossa iniciativa de celebrar este ano, com maior dignidade e visibilidade, o Dia de África, contando inclusivamente com a presença do Presidente da União Africana. Faço votos para que o Seminário de amanhã seja um merecido sucesso. Reitero, perante vós, que Portugal será sempre um bom amigo e um sólido aliado de África.
Peço agora a todos que me acompanhem num brinde à amizade entre Portugal e Moçambique, ao sucesso e felicidade pessoal do Presidente Chissano e ao progresso e desenvolvimento do continente africano.