Discurso do Presidente da República por ocasião das cerimónias comemorativas da batalha de La Lys

Richebourg
01 de Maio de 2004


Minhas Senhoras e meus Senhores,

Caros Amigos,

É com orgulho e emoção que venho aqui prestar esta homenagem, em nome da República Portuguesa. Recordamos hoje os soldados do Corpo Expedicionário português que neste local combateram com tenacidade e coragem, nas piores condições, acabando por deixar as suas vidas nestes campos de batalha.

A primeira guerra mundial foi, para toda a Europa, uma enorme catástrofe. Embora longe do epicentro do conflito, Portugal também sofreu as suas devastações ao posicionar-se ao lado dos aliados. O nosso contributo foi certamente modesto — se o compararmos com os gigantescos exércitos que se defrontaram na Europa — mas representou, para Portugal, um esforço considerável.

A preparação de um Corpo Expedicionário de 55.000 homens, o seu transporte para um teatro de operações tão longe de Portugal, bem como a questão do abastecimento, foram para a nossa jovem República um encargo pesado.

Em 1918, o contingente português teve de enfrentar o ímpeto da última grande ofensiva alemã na Flandres. Se o desfecho do confronto de La Lys não oferecia dúvidas, dada a esmagadora superioridade das tropas alemãs, as baixas portuguesas só nessa batalha – quase 7.000 homens e 300 oficiais – provam a heróica resistência do contingente português.

Prestamos hoje homenagem a esses soldados que combateram pela sua pátria, contra a agressão militar, para defender a liberdade. Sempre lhes reservaremos um lugar muito especial nos nossos corações. Mas também nos inclinamos diante da memória de todas as vítimas, de todos os milhões que foram engolidos pela Grande Guerra. E gostaria de salientar em particular os enormes sacrifícios feitos pela França. Mais do que qualquer outro país, sofreu o horror do conflito, pagou com a flor da sua juventude o preço da vitória.

Esta terra ainda guarda as cicatrizes da guerra. Uma enorme tristeza nos invade ao contemplarmos este alinhamento interminável de cruzes brancas, manchadas pelo sangue das papoilas. Que enorme desperdício de vidas, de juventude, de esperanças engolidas pela voracidade de uma guerra ditada pela ambição desmedida do poder ! Como dissimular tanta emoção e tanta revolta diante deste sacrifício inútil de milhões de vidas, diante deste chão magoado por tão terríveis batalhas ?

Os sofrimentos da guerra ainda perduram na memória colectiva dos povos europeus. Ninguém melhor do que eles conhece o valor da paz. Foram o horror da guerra e a vontade de a impossibilitar na Europa que levaram à determinação de Monet e Schumann, após esse outro terrível cataclismo que enlutou o nosso continente cerca de vinte anos depois do armistício de 1918. Esse projecto generoso, que muitos consideravam utópico, passou a ser sinónimo de Europa, do nosso desejo unânime de paz, de bem comum, de liberdade solidária. Hoje, o sonho dos pais fundadores da União dos países e dos povos europeus está a tornar-se realidade, respeitando a independência e a identidade de cada um. As fronteiras da Europa cada vez vão coincidindo mais com as fronteiras da democracia, garantindo assim um continente coeso, livre e próspero em que os nossos povos se podem rever.

Franceses e portugueses estão empenhados, com determinação, neste projecto ambicioso. Os nossos dois países têm uma longa tradição de amizade confiante, de solidariedade mútua; partilhamos os mesmos valores e a proximidade das nossas culturas facilita o conhecimento recíproco; a presença de uma forte comunidade de origem portuguesa em França ajuda a reforçar no dia-a-dia este relacionamento dinâmico e promotor de futuro.

Aqui, a memória do passado confere um sentido ainda mais evidente ao nosso futuro comum — um futuro que nos permitirá, estou certo, apertar ainda mais os laços que unem não só os nossos dois países, mas também todos os povos europeus.

Face aos novos desafios que se apresentam à Europa e ao Mundo, torna-se indispensável unir firmemente os nossos esforços : para defender os valores democráticos, a Justiça, a segurança e a paz ; para lutar contra a intolerância, o fanatismo cego e a violência, todas as violências.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Encontramo-nos hoje aqui reunidos para cumprir um dever de consciência: prestar uma homenagem sentida à memória de todos quantos combateram e pagaram com a vida a defesa sua pátria e dos nossos valores civilizacionais. Foi esse seu sacrifício supremo que ajudou a preservar a nossa própria existência enquanto povos livres e soberanos.

Agradeço-vos a todos pela vossa presença, e endereço uma palavra muito especial de gratidão aos representantes das Associações de Antigos Combatentes que, ano após ano, pela sua presença aqui, nos ajudam a manter a recordação de todos os sacrifícios e de todos os actos de heroísmo que tiveram de ser feitos para preservar a nossa liberdade colectiva.