Discurso de SEXA PR proferido por ocasião da Sessão Solene de Encerramento da Semana da Educação

Casa de Serralves
08 de Maio de 2004


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Ao longo desta Semana quis conhecer melhor as realidades educativas. Defini um objectivo claro – apelar à mobilização dos portugueses para a causa da Educação, apelar a um maior investimento de todos na formação escolar dos mais jovens e dos menos jovens.

Termino esta Semana ainda mais determinado a trabalhar para a resolução de problemas que duram há demasiado tempo. Convoco os portugueses para esta tarefa. Convoco-nos para a mais decisiva das missões que temos pela frente.

Não me refiro a arrebatamentos mais ou menos passageiros. Não me refiro a acontecimentos episódicos, por mais importantes que eles sejam. Refiro-me a esse esforço quotidiano, a essa obstinação que vi em muitos alunos e professores para criar, dia após dia, as melhores condições para o trabalho escolar.

Iniciei a Semana a falar da Escola (no singular) com referências fortes a indicadores e a estatísticas que retratam o estado da educação em Portugal. Não vou regressar, agora, a estes números. As estatísticas não são uma fatalidade. São um sinal de alerta, são um instrumento que nos permite traçar metas, definir grandes objectivos.

Aliás – e nunca é demais repeti-lo – podemos falar com orgulho do que foi feito nas últimas décadas. Hoje, a grande maioria dos alunos cumpre uma escolaridade de nove anos. Mas talvez tenhamos caído na ilusão de pensar que o “atraso escolar” e o “analfabetismo”, como se dizia há trinta anos, seriam resolvidos pela lei da vida, com o desaparecimento das gerações mais velhas.

Hoje, a nossa surpresa (a nossa indignação) são os baixos níveis de qualificação, não só dos adultos mas também dos jovens. É com grande desconforto que nos comparamos com os outros países europeus. E, mesmo que se realizem as metas fixadas para o ano 2010 no recente Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar, ainda assim continuaremos muito aquém da média europeia.

Temos de ser mais ambiciosos, mais determinados. Não vale a pena dramatizar a situação. Mas vale a pena chamar a atenção dos portugueses. Vale a pena dizer que não podemos conviver com esta situação como se ela fosse “natural” ou “inevitável”. Trinta anos depois de Abril é por aqui que passa a nova fronteira da liberdade.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Iniciei a Semana a falar da Escola (no singular). Termino a falar-vos das escolas (no plural). Não há uma escola, há muitas escolas em Portugal.

Quando se entra num edifício, percebe-se, com relativa facilidade, se há um bom ambiente de trabalho, se há cooperação entre todos. E percebe-se, também, quando as coisas não funcionam, quando há algum mal-estar.

Fiquei muito impressionado com o comentário de uma professora, que me disse: “Ensinar é o que eu mais gosto de fazer. Mas gasto quase todas as minhas energias a resolver os mais diversos problemas e a tentar pôr um pouco de ordem e disciplina nas turmas. É pouco o tempo que me resta para ensinar”.

Este comentário, que ilustra bem a situação social de muitas escolas, permite-me avançar uma primeira ideia que resulta destas visitas: A necessidade de um maior acompanhamento dos alunos. O que é que isto significa? Significa que a escola não pode limitar-se a leccionar um conjunto de aulas e de disciplinas. Hoje, impõe-se uma dimensão de acompanhamento, que se traduz numa relação mais forte com as famílias e a sociedade; que se traduz em práticas de enquadramento, de apoio, de estudo acompanhado; que se traduz numa orientação dos alunos nos seus estudos e nos seus percursos.

A escola tem de se responsabilizar pelos alunos, não podendo assistir com indiferença a situações de progressivo desinteresse, absenteísmo e insucesso. É preciso intervir aos primeiros sinais. Ter capacidade de resposta. E esta capacidade define-se em dois planos:
- num plano social, através de um conjunto de redes e instituições que hoje constituem uma “malha” essencial ao trabalho educativo;
- e, num plano escolar, através de equipas multidisciplinares, que, em conjunto com os professores, ajudam os alunos a encontrarem os seus próprios caminhos de formação.

“Escola para todos” não quer dizer a mesma “escola para todos”. Quer dizer as mesmas oportunidades, a vivência de um património cultural comum, numa diversidade de escolhas e de projectos pessoais e profissionais. É preciso romper com um certa rigidez que existe dentro das nossas instituições escolares.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Dirijo-me, agora, aos professores, esperando que compreendam o sentido exacto das minhas palavras. É vulgar ouvir-se que em todos os sectores há bons e há maus profissionais, há pessoas competentes e pessoas incompetentes. Esta situação não é aceitável em certos sectores, por exemplo na Saúde ou na Educação. Um mau médico ou um mau professor provocam danos irreparáveis. Por isso, temos de formar excelentes professores e exigir-lhes um trabalho docente qualificado.

Digo-o com esta convicção, porque sei bem que esta é a mais importante de todas as profissões. Peço-vos, por isso, uma enorme exigência e responsabilidade. Não se trata de colocar o problema apenas no plano individual. Hoje, há uma competência profissional colectiva que é muito mais do que a soma das competências individuais de cada professor. Enquanto organização, a escola tem de mobilizar esta competência colectiva que pode, em muitos casos, superar dificuldades no plano individual.

Ao longo da Semana, ouvi sempre a mesma explicação para o sucesso de certas escolas: “temos um corpo docente estável, que trabalha em equipa pedagógica”. Face a esta resposta, tenho dificuldade em compreender a incapacidade que temos revelado para instaurar, de uma vez por todas, procedimentos consistentes de recrutamento e de colocação dos professores.

O princípio da equipa pedagógica chama a uma responsabilidade colectiva e a uma nova ética docente. Em Portugal, temos exemplos notáveis neste domínio – no final deste discurso vou justamente condecorar o Movimento da Escola Moderna e a CERCI de Peniche, associações muito diferentes, mas fortemente baseadas numa cultura de colaboração.

Os professores sabem que me tenho batido, sempre, pela melhoria do seu estatuto e do seu prestígio. Eles são os pilares essenciais do trabalho escolar. Temos de criar mais estímulos à carreira docente. Mas, ao mesmo tempo, temos de exigir uma prestação mais rigorosa de contas, instituindo práticas participadas de avaliação do seu trabalho.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Propositadamente, quis iniciar este discurso com uma referência aos alunos e aos professores. Mas, ao longo desta Semana, confirmei a importância das famílias e dos ambientes sociais à volta da escola, bem como a necessidade de uma nova atitude dos empregadores.

Não me esqueço da frase de uma senhora que, com grande dificuldade, frequenta aulas de ensino nocturno: “Sabe, Senhor Presidente, hoje em dia não se faz nada sem ter estudos”. Esta senhora tem toda a razão: é certo que possuir um diploma não resolve todos os problemas, mas é muitíssimo mais complicada a vida de quem não tem estudos.

E este facto foi-me recordado, uma e outra vez, pelos adultos que encontrei no ensino recorrente e nos processos de validação e certificação das suas competências. Admiro o esforço que estas pessoas estão a fazer para se valorizarem, esforço que tem de ser socialmente reconhecido, nomeadamente pelas empresas e pelos serviços da administração.

Ao fazer o balanço desta Semana, apercebo-me que há na sociedade portuguesa, um relativo consenso sobre as medidas a tomar no campo da Educação. Recordo-me da Semana que realizei em 1998 e sinto que, hoje:

- temos uma consciência mais forte dos problemas;
- temos uma maior capacidade instalada de oferta nas áreas da educação e da formação;
- temos uma maior disponibilidade e desejo de articulação no plano local.

Estes três aspectos são muito importantes. Mas, ao mesmo tempo, sinto que há uma certa incapacidade ou dificuldade para concretizar no terreno as medidas que parecem bastante consensuais.

Dedicarei, justamente, a segunda parte desta intervenção a este aspecto, assinalando, por um lado, a necessidade de compromissos políticos mais estáveis e, por outro lado, a urgência de uma coordenação de esforços no plano local.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Numa área como a Educação que funciona no longo prazo, os ciclos políticos são sempre excessivamente curtos. Por isso, é tão importante celebrar compromissos estáveis em torno de grandes objectivos. E, ao mesmo tempo, reforçar as instituições (escolas, centros de formação, estruturas de avaliação, etc.) de modo a que possam funcionar com autonomia.

Muitas vezes, parece que ficamos paralisados, limitando-nos a esperar (com algum cepticismo) as novas orientações. Mas é tão lento o tempo que os governos levam a definir as suas estratégias, a aprová-las no parlamento e a regulamentá-las que, quando chegam às escolas, estamos à beira de um novo ciclo político. E tudo recomeça...

Não quero, de maneira nenhuma, desvalorizar a importância da acção governativa. E acredito mesmo que é essencial para a democracia que os partidos inscrevam a Educação como tema-forte dos seus programas eleitorais. Mas as escolas não podem viver na permanente expectativa de uma nova lei, de uma nova reforma, de um novo currículo, de um novo modelo de gestão...

Defendo, por isso, a necessidade de compromissos políticos mais amplos e de um reforço da capacidade de decisão das escolas, no quadro de competências claras e de uma autonomia que não pode ser meramente “formal”.

Precisamos de mais iniciativa no plano local, de respostas mais rápidas e adaptadas às necessidades de formação dos jovens. Precisamos de menos legislação e de mais dispositivos de monitorização e de avaliação, que nos permitam manter um rumo seguro. Por paradoxal que possa parecer, a estabilidade é absolutamente essencial aos processos de inovação.

Organizámos a Expo98. Organizámos o Euro 2004. Proponho que nos mobilizemos para um programa Escola 2010, um programa que será bem mais decisivo para o nosso futuro colectivo.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Passar do conhecimento ao processo de decisão implica também – e quero sublinhar este ponto – adoptar novas formas de administração do território. Permitam-me que explique esta ideia que é, talvez, aquela que se tornou mais evidente no decurso da Semana.

Em Portugal, devido a uma série de factores, nomeadamente as tendências demográficas e o aumento da oferta de educação e formação, verifica-se que há uma significativa capacidade de resposta no plano local.

Infelizmente, esta capacidade não está devidamente articulada e, em muitos casos, há mesmo situações inaceitáveis de conflito ou de disputa institucional. Verifica-se uma grande dispersão de meios e recursos, que conduz ao desperdício e à dificuldade de desenvolver programas adaptados e pertinentes.

Importa, por isso, urgentemente, articular a capacidade de oferta formativa, entre as escolas e os centros de formação profissional, entre as associações culturais e a administração pública, entre os empregadores e as instituições de ensino superior.

É incompreensível que professores sem horário não possam ser aproveitados para programas de formação profissional, de educação de adultos ou de validação de competências. É incompreensível que edifícios e equipamentos pouco utilizados não possam ser reconvertidas para outros fins.

Temos tendência para nos fecharmos em “pequenos poderes”, argumentando com hierarquias verticais que, na prática, impedem uma coordenação efectiva no plano local. A ideia de centros locais de aprendizagem, polivalentes, parece-me muito prometedora.

Verifiquei, ao longo da Semana, uma grande preocupação com o período correspondente à frequência do ensino secundário. Não se trata de um período isolado e, nesse sentido, a articulação entre níveis de ensino é essencial. Mas muitas pessoas referiram a necessidade de uma diversificação de percursos escolares, de um maior leque de formações, dentro e fora da escola, de uma maior proximidade com as empresas e o mundo do trabalho.

É neste domínio que a ideia de articular a capacidade instalada de oferta formativa se torna mais premente. Para tal, é necessário instituir parcerias e espaços de decisão no plano local. Não me refiro, apenas, a instâncias de concertação ou de diálogo. Refiro-me a instâncias com capacidade de decisão que consigam ultrapassar as lógicas “fechadas” de ministérios, administrações ou serviços e construir uma rede territorial de instituições de educação e formação.


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Quero terminar esta Semana reafirmando a minha disponibilidade para promover as iniciativas que nos ajudem a traçar um rumo e a mobilizar os portugueses. Sei que temos condições para melhorar a nossa condição. Mas que só o conseguiremos com o contributo de todos.

Vivi estes últimos dias com grande intensidade e quero agradecer às pessoas e às instituições, não só o modo como me receberam, mas também tudo o que me ensinaram.

Ao longo da Semana dediquei uma atenção especial à integração de todas as crianças, à formação profissional dos jovens e ao esforço dos adultos que procuram recuperar o tempo perdido. São três aspectos que revelam bem a necessidade de reforçar as dimensões públicas da educação.

Não se trata de defender modelos rígidos ou figurinos uniformes. Bem pelo contrário. A educação desenvolve-se, hoje, num espaço diversificado de redes e de instituições. O que melhor define a dimensão pública é, justamente, esta capacidade de abertura, este desejo de integrar o contributo de cada um num projecto colectivo.

É por isso que vos digo, uma vez mais, que não quero uma escola pública “sofrível”, remediada, destinada apenas aos grupos mais desfavorecidos. Quero uma educação pública de luxo – para retomar a expressão que ouvi no Seminário desta manhã –, quero que todos os alunos tenham a melhor educação possível.

Portugal tem de mobilizar as suas energias para o que é verdadeiramente essencial. Não nos deixemos distrair pelo acessório. Desafio cada português a interrogar-se: O que é que eu posso dar a esta causa? Qual é o meu contributo pessoal para este desígnio colectivo?

Ao fazer esta pergunta, dirijo o meu olhar para as personalidades que vão ser condecoradas nesta cerimónia. Nas vidas destes professores e educadores reconheço o melhor do nosso país. Foram décadas de trabalho quotidiano, quase sempre invisível, dedicado às causas da educação e da cultura.

O que faz falta é seguir estes exemplos, avisando o país da importância das pessoas e da sua formação.

O que faz falta é acordar os portugueses, explicando, como dizia António Sérgio, que as pessoas, as “pedras vivas”, são a nossa principal riqueza.

O que faz falta é valorizar a cultura, repetindo que o nosso futuro passa pelo conhecimento, pela arte, pela ciência.

O que faz falta, o que nos faz falta, é compreender que nada nos dignifica mais do que a formação das novas gerações.