Alocução de Sua Excelência o Presidente da República no Jantar em honra de Sua Alteza Imperial o Príncipe Herdeiro do Japão

Palácio Nacional da Ajuda
17 de Maio de 2004


Alteza Imperial,
Senhores membros do Governo português,
Minhas senhoras e meus senhores,

Constitui para mim motivo de grande satisfação acolher Vossa Alteza em terras portuguesas e é com especial prazer que lhe desejo as boas vindas a Portugal. Sentimo-nos honrados com o vosso interesse por Portugal, pelo seu Povo e cultura, pelas profundas transformações ocorridas no nosso país a partir do momento em que nos reencontrámos com a democracia e assumimos por inteiro o papel que nos cabe na Europa.

A presença de Vossa Alteza entre nós é uma ocasião para renovarmos os seculares laços de amizade que ligam as nossas duas velhas Nações. Vossa Alteza é hoje a imagem do Japão moderno e inovador, mas assente numa cultura antiquíssima, que nos habituámos a admirar. Guardamos uma grata recordação da visita a Portugal de Suas Majestades o Imperador e a Imperatriz em 1998. Fazemos votos para que esta estadia lhe permita conhecer melhor o Portugal também dinâmico, criativo e empreendedor de hoje e que sirva para reforçar e enriquecer uma amizade sedimentada na História, bem como para abrir novas perspectivas no relacionamento entre portugueses e japoneses.

As relações que unem Portugal ao Japão mergulham as suas raízes no século XVI. Com efeito, decorreram quase cinco séculos desde que em 23 de Setembro de 1543, mais por acidente do que por destino, três marinheiros portugueses - os primeiros europeus a chegarem ao Japão - desembarcaram na pequena ilha de Tanegashima.

Os cem anos seguintes balizam o primeiro - e intenso - período do relacionamento entre os nossos dois Povos, marcado pela coexistência pacífica, por um profundo respeito, admiração e, mesmo, fascínio mútuos.

Foi um século de relacionamento profícuo, de diálogo e troca cultural e civilizacional sem precedentes na história das relações entre o Ocidente e o Oriente. Perante as complexidades e turbulências do mundo de hoje, uma vez mais assolado pelas incompreensões entre civilizações e culturas, a memória desse encontro deve ser recordada e devidamente valorizada.

Os exemplos são inúmeros e conhecidos. Permito-me recordar, pela sua importância e por se tratar de uma iniciativa de inspiração portuguesa, o envio da primeira Embaixada japonesa a Portugal e, posteriormente, a alguns países da Europa em 1582. Os relatos, a todos os títulos notáveis, de navegadores, viajantes e missionários como Jorge Alvares, Fernão Mendes Pinto, S. Francisco Xavier, Luís Fróis e João Rodrigues, são ainda hoje estudos sociológicos de referência. No mesmo plano, saliente-se a introdução no Japão de diversos elementos culturais e científicos do Ocidente como a medicina ocidental, a espingarda, os hospitais, a primeira gramática, ainda hoje utilizada, e as técnicas de impressão. Este foi um intercâmbio de cuja profundidade se encontra ainda hoje sinal vivo nos vários vocábulos que as respectivas línguas nacionais acolheram como seus e no magnífico testemunho gráfico deixado pelos artistas japoneses na arte Nambam.


Alteza,

O diálogo entre os nossos dois países viria a reatar-se em 1860, tendo agora como ponto de chegada a cidade de Tóquio e já não a terras de Qiushu.

No ano em que se celebram os 150 anos do seu nascimento, é justo deixar aqui uma palavra de homenagem a Venceslau de Morais, diplomata, oficial de marinha, escritor, que conheceu bem a alma e a terra japonesas, muito fez pelo desenvolvimento das relações luso-nipónicas e cuja cinzas repousam num cemitério budista no Japão. A sua paixão pelo Japão está bem reflectida numa passagem das suas “Antologias”: “O Japão foi o país onde eu mais vivi pelo espírito, onde a minha individualidade pensante mais viu alargarem-se os horizontes do raciocínio e da compreensão, onde as minhas forças emotivas mais pulsaram em presença do encantos da Natureza e da Arte”.

Este trecho traduz e sintetiza bem o sentimento do povo português para com o japonês. Desde o início, a surpresa, a curiosidade, a admiração, o fascínio, o afecto, a procura do que distingue e do que atrai estiveram desde sempre presentes nesta Peregrinação ímpar como lhe chamou Fernão Mendes Pinto.

Que dois Estados tão distantes e de culturas tão distintas tenham mantido uma ligação tão profunda, ao longo de tanto tempo, é um facto notável e invulgar, porventura único, na história das civilizações.

O legado que nos foi deixado pelo passado é pois valioso, mas também gerador de responsabilidades. Orgulhamo-nos da riqueza da nossa história e da nossa cultura. Saibamos, Alteza Imperial, potenciar essa herança, explorando todas as suas virtualidades e alargando o nosso relacionamento comum a novos campos.

Devemos ser particularmente ambiciosos nos esforços para elevar a um novo patamar as relações económicas entre o Japão e Portugal. Acreditamos que o mercado português poderá proporcionar às empresas japonesas condições vantajosas de investimento, favorecendo, simultaneamente, a sua presença no gigantesco mercado europeu, em que Portugal está integrado e, por isso, as encorajamos a estabelecerem-se no nosso país ou aqui desenvolverem parcerias com congéneres portuguesas.

Precisamos de melhorar o nosso conhecimento mútuo, à luz da realidade presente, e projectar no futuro as mais valias de que dispomos, por forma a reforçar as nossas relações bilaterais e a melhor servir os superiores interesses da paz, da democracia e do progresso no Mundo.

Estou certo que a visita de Vossa Alteza contribuirá para essa redescoberta mútua, que tanto desejamos e de que tanto teremos a beneficiar.

Formulando votos de uma óptima estadia em terras portuguesas, permita-me Alteza que brinde à sua saúde e ao bem-estar de toda a Família Imperial, bem como à prosperidade do povo japonês e à amizade que liga os nossos dois países.