Apresentação do Presidente da República por ocasião da apresentação do livro "As flores nascem na prisão - Timor-Leste Ano Um"

Lisboa
19 de Maio de 2004


Quero agradecer a Adelino Gomes o convite, muito amável, para apresentar o seu livro sobre a independência de Timor-Leste, ao qual chamou, enigmaticamente, As Flores nascem na prisão, e dar-lhe os parabéns também pela escolha do dia 19 de Maio, nas vésperas do dia da independência timorense.

Há dois anos, estivemos juntos em Dili, num dia extraordinário, em que aconteceu aquilo que parecia impossível tão pouco tempo antes. Todos, a começar por nós e pelos dirigentes timorenses, fomos surpreendidos pela rapidez com que tudo se passou, a partir do momento decisivo, em Maio de 1998, quando Suharto foi obrigado a demitir-se.

No próprio dia, fiz uma declaração pública, para estender a mão à grande nação indonésia e dizer que só a questão de Timor nos separava e que essa mesma questão nos podia reconciliar, no dia em que a nação timorense pudesse exercer, livre e democraticamente, o seu direito à auto-determinação, um direito que lhe era reconhecido pela Constituição portuguesa e pelas Nações Unidas. Mas ninguém imaginava que, menos de um ano depois, a Indonésia teria aceite esse princípio e que as Nações Unidas se preparavam para organizar uma consulta aos Timorenses - na altura, era esse o nome possível do referendum da independência - que se realizou em finais de Agosto.

Depois da vitória timorense e da tragédia da vingança dos vencidos, nos dias negros de Setembro, os dirigentes da resistência timorense e as Nações Unidas, com o apoio constante de Portugal, criaram as condições para a proclamação da independência, em 20 de Maio de 2002.

Foi um dia extraordinário, onde as coisas extraordinárias se sucederam sem interrupção. Esse dia encontrou, finalmente, o seu cronista. A primeira parte do livro de Adelino Gomes faz-nos voltar a viver, passo a passo, hora a hora, as cerimónias, os personagens, o espírito da independência.

Não me lembro de ninguém, antes de Adelino Gomes, ter contado como a independência foi, de certa maneira, proclamada duas vezes, a primeira na missa onde foi lida a mensagem do Papa à nova nação independente, e à qual assisti, ao lado do Presidente Xanana Gusmão ; a segunda, horas mais tarde, na cerimónia oficial presidida pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, e à qual também assisti, no mesmo lugar, sempre ao lado do Presidente Xanana Gusmão.

Também ainda ninguém tinha relatado bem a terceira cerimónia, no dia seguinte, só entre Portugueses e Timorenses, no Palácio do Governo. Adelino Gomes obrigou-me a retraçar esses momentos, tão inevitavelmente comoventes, em que entreguei ao Presidente Xanana Gusmão um exemplar da nossa Constituição, para lhe significar que tinhamos cumprido a nossa palavra, e em que ele me devolveu uma das místicas bandeiras de Portugal que os Liurais e os guerrilheiros tinham guardado, nos anos da guerra, com o risco da sua própria vida. Não se podia dizer mais nada, todas as palavras eram supérfluas e, como nos lembra o livro, acabámos todos a cantar o hino nacional.

No ano passado, no mesmo dia, Adelino Gomes voltou a Dili. A segunda parte do seu livro faz a avaliação, exigente e critica, como é seu timbre, das expectativas e das esperanças dos Timorenses, passados doze meses da independência.

A sua análise, marcada, ao mesmo tempo, pela severidade e pela esperança, reflecte as preocupações de todos nós, que lutámos pela independência de Timor-Leste e continuamos empenhados em assegurar o futuro da democracia timorense.

Ao mesmo tempo, na escrita de Adelino Gomes, o mais fascinante são os retratos e a sua intimidade com todos os personagens formidáveis da saga timorense, desde o padre Felgueiras, que viu a humanidade prestar homenagem ao seu pequeno povo timorense, ao padre Domingos Soares, que conheci, há tantos anos, quando veio a Lisboa constituir o Conselho Nacional da Resistência Timorense. É ele quem dá o título ao livro - as flores que hão-de crescer na prisão e cresceram, de facto, na prisão, um ano depois, como o testemunha Adelino Gomes.

É esse o destino de Timor, uma terra de profetas e de milagres, uma terra que convoca os homens de fé e os homens bons do nosso tempo, como Adelino Gomes.