Sessão de Abertura do X Congresso Nacional de Medicina Interna

Vilamoura
26 de Maio de 2004


Quero começar por cumprimentar os médicos internistas portugueses, que, nas suas diversas áreas de intervenção, tanto contribuem para a melhoria da qualidade do nosso sistema de saúde e para o progresso da investigação clínica.

A Medicina Interna constitui uma área fundamental de integração do saber clínico hospitalar não cirúrgico, que se baseia no conhecimento consistente das doenças e da sua expressão personalizada.

Penso que esta cultura clínica decorre, em larga medida, da vossa capacidade e disponibilidade para comunicar com o doente e deve ser mais reconhecida e prestigiada. A minha presença pretende ser um contributo para esse reconhecimento.

A leitura do programa do Congresso permite compreender com clareza a forma como o sistema de saúde está inserido num conjunto vasto de aspectos sociais, económicos e culturais e até que ponto, também, o seu funcionamento está baseado em valores.

Permite, ainda, o programa do vosso Congresso, compreender melhor como factores aparentemente externos à saúde a determinam, como é o caso dos estilos de vida e da exclusão social.

Em toda a Europa, as taxas de mortalidade, de morbilidade e as incapacidades são mais elevadas nos grupos sócio-económicos que se encontram em posição mais desfavorecida, tendo em atenção critérios como o rendimento, o emprego, o nível de educação e o tipo de estruturas familiares existentes.

Permitam-me destacar o efeito específico da educação, na medida em que constitui uma determinante fundamental nos comportamentos relativos à saúde e no próprio estado de saúde.

Sabe-se que a prevalência de estados de saúde débeis aumenta rapidamente quando decresce o nível de educação, o que significa que as intervenções e as políticas destinadas, por exemplo, a reduzir o abandono escolar podem assumir importantes efeitos multiplicadores positivos em diversas áreas sociais.

O mesmo se passa em relação a comportamentos individuais que têm correlação com a saúde, como o tabagismo ou o consumo de álcool, os quais têm uma incidência superior nas populações com menor grau de instrução.

Esta realidade não deve ser esquecida quando se aborda a qualidade da governação, que surge, em regra, associada a cinco princípios, que podem ter na Saúde uma aplicação clara.

O primeiro princípio é o da abertura, que significa trabalhar de uma forma transparente, com uma linguagem acessível ao grande público, de maneira a melhorar a confiança das pessoas e das instituições no sistema de saúde; a transparência significa, por seu lado, utilizar e disponibilizar informação para todos os interessados.

Esta é uma questão fulcral no exercício dos direitos de cidadania e do desenvolvimento da investigação: devem ser ultrapassadas as debilidades de fontes documentais que dificultam ou até inviabilizam o trabalho dos órgãos de acompanhamento, das redes académicas e das equipas independentes.

Não é tolerável que a Administração Pública, seja qual for o seu nível de responsabilidade, não disponibilize a informação necessária para a análise dos meios utilizados e dos resultados conseguidos.

Um segundo princípio remete para o reforço da participação, que deve permitir criar maior confiança no resultado final e responsabilizar os cidadãos e as diversas entidades pelos processos empregues e pelos objectivos que se pretendem alcançar.

Um exemplo: uma maior participação das autarquias no desenvolvimento das políticas de saúde, e em particular na rede de cuidados de saúde primários, poderia ser aperfeiçoada de forma a permitir escolhas mais ajustadas às necessidades e às expectativas dos cidadãos e mais responsáveis pelos resultados alcançados face aos meios envolvidos.

Em terceiro lugar, há a considerar a responsabilização, que significa que deve haver clareza nas atribuições de cada um, na elaboração e na aplicação das diversas políticas, em especial quando existe delegação de competências para órgãos de administração local e regional.

Em quarto lugar, as políticas devem ser eficazes e oportunas, dando resposta às necessidades com base numa visão estratégica, avaliando o seu impacto futuro e avaliando, também, as experiências anteriores.

Quantas vezes iniciamos novas experiências sem cuidar de avaliar o que já existe no terreno e de melhorar o que funciona sem rupturas desnecessárias.

Finalmente, as políticas devem ser coerentes, justas e perfeitamente compreensíveis.

Gostaria de assinalar que o tema da boa governação adquire uma importância reforçada face às mutações na forma de intervenção do Estado na Saúde, as quais acentuam o seu papel regulador e desvalorizam a componente da prestação. Nesta perspectiva, é necessário que não se desperdicem os contributos que permitam conhecer e antecipar os problemas, reunir o conhecimento e a informação necessários para lidar com uma situação nova e complexa.

Como já referi noutras circunstâncias, o novo estatuto de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos atribuído a mais de três dezenas de hospitais, a construção e a gestão de novos hospitais do Serviço Nacional de Saúde por empresas privadas, a concessão da gestão de unidades públicas de saúde a operadores privados, exigem uma excepcional atenção para riscos que, até hoje, se encontravam relativamente desvalorizados no nosso sistema.

A este propósito, permitam-me que faça um apelo a maior exigência na elaboração, discussão, aprovação, aplicação e avaliação das políticas de saúde.

Todos – governo, deputados, médicos e outros profissionais de saúde, professores, famílias, organizações não governamentais, – todos devemos ser mais exigentes na concepção global do sistema, mas também na elaboração de orientações concretas para dar mais saúde aos Portugueses.

Que objectivos temos e que processos vamos utilizar para, por exemplo, encorajar estilos de vida mais saudáveis, para combater o uso de drogas e o abuso do álcool, ou as doenças mentais, ou o cancro, ou os acidentes vasculares cerebrais, ou a SIDA?

Penso que as Orientações Estratégicas para 2004-2010 elaboradas pela Direcção-Geral da Saúde possibilitam essa ampla participação, levando-nos a falar mais da Saúde dos Portugueses, mais de planos intersectoriais, ou de programas horizontais, mais dos recursos disponíveis para alcançar os resultados que nos propomos.

Os “health tsars” britânicos, personalidades reconhecidas pelos pares pela sua competência, assumem uma intervenção horizontal e uma articulação directa com os diversos sectores clínicos para cada um dos problemas mais complexos como o cancro, a doença cardíaca, a saúde mental, os serviços para idosos, os cuidados primários, as crianças, a emergência médica.

Trata-se, sem dúvida, de uma experiência que merece ser analisada cuidadosamente.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

As decisões políticas são tomadas por quem tem legitimidade política para o fazer.

Mas essa legitimidade não retira aos órgãos de acompanhamento político e às iniciativas da sociedade um vasto espaço de afirmação, de análise, de propositura que as sociedades democráticas devem estimular.

E não retira, também, ao decisor político a obrigação de permanentemente se preocupar em incutir qualidade na governação.

Penso que este Congresso, para além de forum clínico, representará, também, um contributo para melhor identificar os problemas, alterar metodologias desajustadas e mobilizar os Portugueses para os importantes desafios que visam a melhoria dos resultados na Saúde.