Discurso de SEXA o PR por ocasião da Sessão de Abertura do XII Congresso Internacional de Endocronologia

Lisboa
31 de Agosto de 2004


As minhas primeiras palavras são de saudação aos participantes neste importante Congresso, com uma especial mensagem de boas vindas e de desejo de boa estadia para quem nos visita.

Depois, quero dirigir-me aos médicos portugueses que têm feito avançar o conhecimento científico, com investigações e técnicas importantes para o desenvolvimento da endocrinologia.

Gostaria de partilhar convosco algumas breves reflexões sobre o funcionamento do sistema de saúde nos nossos países.

A primeira consiste no envolvimento dos cidadãos.

Penso que os políticos da saúde, os médicos e outros profissionais devem poder contar de uma forma mais empenhada com a contribuição dos cidadãos. Por duas razões fundamentais: para dar corpo a um direito de cidadania e porque são necessárias escolhas em saúde.

Os direitos de cidadania constituem deveres do Estado para com os seus membros, como forma de alcançar a sua integração social e política.

Porém, a cultura das nossas organizações ainda não é suficientemente motivadora para um maior envolvimento dos cidadãos, não possui, ainda, uma forte preocupação com a transparência nos processos e satisfaz-se, tantas vezes, com a mera exortação normativa.

A participação de utentes dos cuidados de saúde nos debates sobre o planeamento dos serviços, a divulgação de informação que seja compreensível pelos cidadãos, pode promover os utilizadores dos serviços a verdadeiros parceiros do sistema de saúde, a saudáveis cúmplices e críticos dos profissionais e dos decisores políticos.

Eles serão os primeiros interessados em que o sistema seja mais eficiente e mais equitativo e que as escolhas sejam as mais acertadas. Quando não se fazem escolhas explícitas decide-se, mas de forma arbitrária e flutuante, que os problemas de escassez sejam tratados sem adequada reflexão; ou seja, silenciosamente é feita uma escolha sem que haja clareza: as escolhas devem ser transparentes para que os grupos de pressão mais fortes não imponham os seus interesses na esfera colectiva.

Quando se estabelecem prioridades em saúde, elas devem ser orientadas por valores que garantam a justiça social, a solidariedade e a equidade dos nossos sistemas. A experiência da Europa nas últimas décadas mostra-nos que a melhoria dos indicadores de saúde tem sido bastante significativa mas sem ganhos importantes na equidade: ou seja, à medida que os indicadores vão melhorando na Europa, os mais ricos são cada vez mais saudáveis mas o mesmo não acontece aos mais pobres.

Exorto-vos, pois, a procurar um mais intenso envolvimento e avaliação do sistema de saúde pelos cidadãos, começando pelo enunciado claro dos princípios e dos valores do sistema de saúde e pela comunicação clara e transparente da informação.

O que me conduz à minha segunda reflexão sobre a racionalidade na decisão política.

É, pois, necessário trazer mais racionalidade à decisão política na saúde. Os Planos Nacionais de Saúde, por exemplo, pretendem constituir um elemento de racionalidade, mas num contexto em que, por exemplo, o orçamento da saúde, a gestão dos recursos humanos, os sistema de informação, constituem factores de menor racionalidade. De menor racionalidade porque a componente clínica da Saúde avançou mais rapidamente do que o seu envolvimento político e organizacional. E então, uma vez mais, devemos discutir e estabelecer objectivos, desejavelmente consensuais, avaliar permanentemente os processos, corrigir o que for necessário, e modernizar as organizações. O avanço da Medicina e o interesse dos cidadãos não são compatíveis com estruturas antiquadas e com comportamentos arrogantes ou negligentes de profissionais ou de dirigentes da administração.

É fundamental, pois, e esta é a minha terceira reflexão, que a abordagem da saúde se realize através dos ganhos em saúde, o que permitirá, por exemplo, ajustar o financiamento aos resultados que se pretendem obter. De outra forma poderemos estar apenas a injectar dinheiro no sistema, sem que daí resulte necessariamente algo de relevante para os cidadãos.

Por outro lado, é indispensável o trabalho em rede na saúde, articulando-a, em especial, com as escolas e a segurança social, porque só se alcançam progressos em saúde com essas três áreas a trabalhar em conjunto.

Mas é necessário, também, que não encaremos os cuidados de saúde como uma mera prestação de actos médicos, em que, de forma avulsa, se somam cirurgias, consultas ou transplantes. É necessário olhar para a saúde e para a prestação de cuidados na perspectiva da gestão da saúde e da doença. E há doenças que são importantes, quer do ponto de vista da vida das pessoas, quer do ponto de vista do seu impacto económico e o sistema e os profissionais de saúde não o devem ignorar.

Por isso, também, não haverá progresso, não só na qualidade dos cuidados médicos, como também na contenção de gastos, se não houver um investimento claro na investigação clínica, sobretudo na formação pós-graduada dos médicos.

Habituei-me a ver na saúde, e esta é minha última reflexão, um indicador privilegiado do progresso das nações e do desenvolvimento humano, que se traduz no aumento da esperança de vida e da sua qualidade, na diminuição de taxas de morbilidade e de mortalidade.

As consequências da doença são terríveis para as pessoas e para as suas famílias, mas também para a sociedade, que deixa de contar com elementos activos e produtores de riqueza. A saúde promove a investigação, o conhecimento e o emprego e faz crescer a economia.

Por isso, a melhoria dos níveis de saúde deve constituir um objectivo estratégico, que una toda a sociedade, assim como o combate às desigualdades que penalizam ou excluem dos cuidados de saúde sectores mais vulneráveis da população.

Quero terminar, pois, com uma sincera mensagem de optimismo no futuro, que me permite o reconhecimento da vossa qualidade técnica e científica e a confiança que as populações em vós depositam