Discurso de SEXA o PR por ocasião da cerimónia de trasladação dos restos mortais do Dr. Manuel de Arriaga, primeiro Presidente Constitucional da República Portuguesa para o Panteão Nacional

Lisboa
16 de Setembro de 2004


Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Primeiro-Ministro
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhor Presidente em Exercício do Tribunal Constitucional
Família do Presidente Manuel de Arriaga
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Portugueses


Cumprimos hoje a decisão tomada, por unanimidade e no uso da sua competência exclusiva, pela Assembleia da República de conceder as Honras de Panteão Nacional ao primeiro Presidente Constitucional da República Portuguesa. Eleito pelo Congresso em 1911, o republicano histórico Manuel de Arriaga tinha então a idade de 71 anos e, atrás de si, um longo percurso cívico, político e intelectual. Descendente de uma ilustre família açoreana, foi amigo de Antero, Eça de Queiroz e de outros membros da geração de 70, com quem privou e colaborou, tendo sido um dos subscritores do Manifesto das Conferências do Casino. É este o início de um itinerário muito rico marcado, à partida, por uma posição evolucionista e que, inspirado pelos grande ideais do humanitarismo social, o levou à militância republicana.

Como advogado, defendeu corajosamente, durante o regime monárquico, muitos republicanos perseguidos e presos. Como tribuno e propagandista prestigiadíssimo, participou em inúmeros actos de divulgação e afirmação da ideia republicana. Como deputado republicano eleito, em 1882, pelo circulo da Madeira, numa eleição histórica, e pelo de Lisboa, em 1890, exerceu os seus mandatos parlamentares, com o maior brilho, dedicação e rigor ético. Como dirigente republicano, nomeadamente como Presidente do Directório e Presidente Honorário do Congresso Republicano, em 1906, constituiu-se como uma referencia moral intocável. Por tudo isto, na fase de institucionalização do novo regime e depois do Governo Provisório chefiado por Teófilo Braga, foi escolhido para presidir à República. No discurso que fez perante aqueles que tinham acabado de o eleger diz que tinham depositado nas suas mãos “um tesouro quatro vezes precioso: o da liberdade, em nome da qual trataremos, com o auxílio de todos os que vierem em volta de nós, de eliminar todos os privilégios que, sendo mantidos à custa da depressão e ofensa dos nossos semelhantes, são para mim malditos”. E acaba as suas palavras de tolerância, afirmando: “Hão-de vir para nós os que de nós fugiram. Em nome da Pátria e da Liberdade, nós aqui estamos para os receber. E, a vós, o tributo inalterável da minha gratidão, por confiardes num velho que pouco vale, mas que poderá muito com o vosso auxílio”.

Ouvimos hoje de novo estas palavras e não podemos deixar de experimentar um sentimento de emoção e respeito por esta figura honrada. O seu mandato presidencial, inacabado pela sua renúncia poucos meses antes do fim, em circunstâncias agravadas pelos problemas ligados à entrada de Portugal na Iª Grande Guerra, teve de afrontar situações e acontecimentos muito complexos e difíceis. As polémicas que então se originaram podem ser hoje avaliadas com outra distância. Mas uma coisa é certa: se podemos discordar de uma ou outra atitude, de uma ou outra decisão do Presidente Arriaga, não podemos pôr em causa ter sido ele sempre movido pelo desejo de servir o País e a República, tal como entendia os seus ideais e valores. Figura moral, romântica e idealista, mais do que uma político na acepção prática da palavra, Arriaga guardou da sua passagem pela Presidência boas e más recordações, conservando o sentimento de que fez o que pôde, mas também a memória de incompreensões e inimizades. No relatório que intitulou Na Primeira Presidência da República Portuguesa, dá conta dos seus actos e dos seus sentimentos. Fiel a si mesmo, acaba esse relatório dizendo: “Se na nossa passagem pelo poder houve alguém que se julgasse por nós ofendido, que esse alguém nos perdoe”. Nesta frase está, afinal, o retrato moral e político daquele que hoje homenageamos, actualizando os valores que o inspiraram e aprendendo com os erros de um período tão vivo e contraditório da nossa História recente. A publicação recente da sua Correspondência Política contribuirá para conhecermos melhor este período e os seus protagonistas.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Como tenho dito, a História assume-se nas suas luzes e sombras, nos seus acertos e nos seus enganos. Só assim se poderá tirar dela a lição que nos é útil e que a torna não uma coisa morta, mas uma realidade viva e fecunda, que do passado se projecta no presente e no futuro. A figura de Manuel de Arriaga, que hoje evocamos nesta cerimónia de um tão belo simbolismo, lembra-nos que precisamos de nos inspirar em valores para agir, mas que devemos agir consequentemente e tendo em conta a complexidade dos tempos e das situações. O tempo que vivemos é muito diferente daquele que ele viveu. Para essa diferença, contribuiu também o que aprendemos com o que foi feito e os erros que conseguimos não repetir, contra alguns dos quais Arriaga alertou. É esta a lição que hoje aqui quero evidenciar, homenageando a memória de um português ilustre que presidiu pela primeira vez a uma República que, inseparável da Democracia e entendida como res publica, nos compete defender e valorizar, servindo o País honradamente e mobilizando os portugueses para as grandes causas e os grandes desafios do nosso tempo.

Honra à memória de Manuel de Arriaga!
Viva a República!
Viva Portugal!