Discurso de SEXA o PR por ocasião da Sessão Solene da Cerimónia Comemorativa do 94º Aniversário da Implantação da República e Inauguração do Museu da Presidência da República

Palácio de Belém
05 de Outubro de 2004


Agradeço calorosamente a vossa presença neste dia de tão grande significado e dou-vos as boas vindas a este Palácio, residência oficial do Presidente e sede da República. Faço-o em nome da hospitalidade republicana, pois ela nos ensina que, em sentido literal metafórico, esta Casa deve estar aberta a todos os portugueses, que são, nos termos da Constituição, os detentores da soberania e cuja participação e empenho cívico são o fundamento da vitalidade de uma República moderna.

Foi também em nome desse espírito de hospitalidade republicana que se fez o Museu da Presidência da República, que hoje inauguramos e que passará a funcionar, exactamente, como uma porta aberta, em permanência, do Palácio e do órgão de soberania nele sediado. Como já disse um dia, entendo que a República e aquele que a ela preside e simboliza devem dar o exemplo. Um exemplo de ligação aos cidadãos, de audição da sua voz, de percepção dos seus anseios e aspirações. Tenho procurado, no decurso dos meus dois mandatos, tornar efectiva esta ligação e fundá-la na partilha de preocupações comuns e do desígnio fundamental do desenvolvimento do país, sem o qual não ocuparemos na Europa o lugar que ambicionamos e poremos em causa a coesão social e a solidariedade. Este tem sido o meu propósito constante e, até ao último dia do meu mandato, continuará a sê-lo. As visitas que tenho feito, e que continuarei a fazer, a todos os concelhos do País (é este um objectivo que tenho), para ouvir as pessoas e dar a conhecer as realidades; as presidências sectoriais, como a que realizei recentemente sobre a saúde, e as jornadas temáticas, os seminários que tenho feito sobre os mais prementes temas da nossa actualidade (finanças municipais, investimento directo estrangeiro, saúde, política fiscal, rigor orçamental e crescimento) – todas estas iniciativas e muitas outras têm esse grande objectivo: dar à nossa sociedade, que é salutarmente plural, consciência dos principais problemas que devemos enfrentar (os verdadeiros e não os acessórios que, muitas vezes, demasiadamente nos ocupam), procurando tornar visíveis os caminhos, sempre complexos no nosso tempo, que nos conduzem às metas e aos objectivos que queremos alcançar. Para isso, também me não tenho cansado de chamar a atenção dos portugueses para o que é necessário - e urgente – transformar, manifestando as minhas preocupações pelo que está mal e tem de ser mudado.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Caros Amigos,

O Museu da Presidência da República que se abre ao público é um projecto que só foi possível com a colaboração e o apoio insubstituíveis da sociedade civil. Foi imprescindível que assim tivesse sido, mas também quisemos que assim fosse, pois esse facto põe em evidência que o vínculo que o Museu estabelece com os cidadãos, procurando ir ao encontro dos seus desejos e expectativas, é o seu mais precioso bem. É por isso que na campanha da sua apresentação e lançamento se diz às pessoas, a cada pessoa, que ela é a peça principal do Museu. Os serviços de Educação, de Extensão Cultural e de Formação (em três áreas: História Contemporânea Portuguesa, Património e Educação para a Cidadania), que constituímos, são um instrumento prático e quotidiano de acção. De facto, a fórmula virtuosa deste Museu é a sua interacção aprofundada e criativa com o público, com os vários públicos, assegurando, ao mesmo tempo, que a sociedade civil assuma este projecto, considerando-o seu, porque afinal é de todos. Foi isso que já aconteceu. Aconteceu com os antigos Presidentes e com as famílias dos que já nos deixaram. Aconteceu com os mecenas. Aconteceu com as instituições culturais que celebraram protocolos de colaboração com o Museu.

Sem a extraordinária colaboração das famílias não teria sido possível construir o importante acervo de objectos e documentos que é uma das dimensões fundamentais do Museu. Renovo a todos a minha gratidão mais viva e quero louvar o espírito cívico de que deram provas. Sem o generoso apoio dos mecenas não teríamos conseguido dar ao Museu o seu carácter inovador e o seu pioneirismo tecnológico. Sei muito bem que o vosso contributo foi dado em tempos difíceis, o que o torna mais significativo. A todos o meu muito obrigado. Continuaremos a precisar da vossa colaboração e a contar com ela. Às instituições (museus, arquivos, bibliotecas) que com o Museu cooperam, agradeço a disponibilidade prontamente manifestada e enalteço o exemplo que muitas vezes não é fácil de encontrar em Portugal. Sabemos que frequentemente vigora um espírito de capelinha que isola em vez de ligar. Neste caso, foi o contrário que se passou.

Projecto cívico, pedagógico, cultural e historiográfico, este Museu tem no recurso às novas tecnologias o seu eixo fundamental de concepção e concretização. Assim aconteceu pois o espaço disponível, as características do acervo e os objectivos do Museu a isso aconselhavam. Mas queremos também ver nesse recurso um símbolo da modernização efectiva que desejamos para o país, em todos os campos, que de alguma maneira aqui estão envolvidos: cultural, social e económico.

Considero, aliás, que entre 2005 e 2010, ano em que celebraremos o primeiro centenário da República, devemos preparar e cumprir um programa nacional inovador, ambicioso e mobilizador de afirmação dos valores republicanos. Esse programa que deverá ser assumido ao mais alto nível poderá ter neste Museu um dos seus instrumentos fundamentais de execução. Nesse sentido, apresentarei oportunamente as minhas ideias sobre estas comemorações.

O dia de hoje é, para o Museu, simultaneamente um ponto de chegada e um ponto de partida. Chegámos aqui depois de um percurso que representou muito trabalho, muito esforço, muita dedicação. Quero, como é devido e me é muito grato fazer, expressar o meu profundo reconhecimento a todas as equipas que trabalharam na instalação do Museu. Agradeço ao dr. Diogo Gaspar, coordenador da instalação do Museu e seu novo director, o entusiasmo contagiante, a capacidade de mobilização e execução, a dedicação total e o talento. Ele foi a alma deste projecto. Ao consultor científico, prof. António Costa Pinto, agradeço a colaboração preciosa, a autoridade e a competência científicas, que são garantias da independência total do Museu. A esse propósito e como é próprio de uma sociedade livre, gostaria de sublinhar que esta é, e será sempre, uma característica fundamental do Museu. Ainda que funcione junto de um órgão de soberania e dependa administrativamente da Presidência da República, este Museu tem garantidas, pelo seu modelo e pela sua prática, a total independência científica, a autonomia e a liberdade de investigação e acção. Este é o seu DNA, o fundamento da sua identidade. Assim e para vos dar um exemplo, só hoje vi o que no Museu se diz de mim, que, como é óbvio, desconhecia completamente. Em democracia, não há historiografia oficial. A história é escrita pelos historiadores, na pluralidade das suas visões e na diversidade das suas interpretações dos períodos temporais e da acção dos que os modelaram. A essa luz, o Museu será também um centro de investigação historiográfica, incentivando e apoiando trabalhos que tenham a ver com o seu objectivo. Com base na exaustiva inventariação que foi feita de tudo o que se conhece sobre os presidentes, num total de mais de um milhão de documentos, e nos espólios contendo valiosa documentação inédita que, doados ou depositados pelas famílias dos presidentes, aqui estão conservados, constituiu-se um vasto arquivo material e virtual que estará disponível on-line para todos os investigadores. Inauguraremos assim, nos próximos tempos, o web site do Museu, que já está pronto e tivemos também o gosto de vos dar a conhecer hoje.

Sem o trabalho esforçado dos que tiveram a seu cargo as obras, a construção de infra-estruturas e a instalação dos equipamentos tecnológicos, este Museu não teria aberto tão rapidamente. Quero agradecer a todas as empresas que connosco colaboram e aos seus dedicados trabalhadores. Seja-me permitido dirigir uma palavra de vivo reconhecimento aos arquitectos Rui Barreiros Duarte e Ana Paula Pinheiro, autores do espaço do Museu, e ao arquitecto Pedro Vaz, autor do espaço dos serviços de acolhimento e da loja e ainda dos arranjos exteriores do Palácio. Essa palavra é também devida a todos os membros da equipa da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que tão proficientemente acompanharam a execução das obras.

Projecto de abertura e ele próprio projecto aberto, o Museu da Presidência da República quer de facto ser um espaço de hospitalidade republicana, de fruição e divulgação cultural, de investigação e divulgação historiográfica, de educação patrimonial, de formação para a cidadania. Insere-se ainda no programa integrado de valorização, preservação e recuperação do património do Palácio, apoiado por fundos públicos específicos, que vimos realizando, e no qual o novo e belo edifício do Centro de Documentação e Informação, da autoria do arquitecto Carrilho da Graça, sobre o qual nos encontramos neste momento, é também uma peça fundamental. Como o são os maravilhosos quadros de Paula Rego, oferecidos generosamente ao Estado português e pintados expressamente para a capela do Palácio. Penso que a causa da defesa do património é um desígnio de fundo, que nos deve mobilizar. Pela minha parte, procuro dar o exemplo. Antes de terminar, quero ainda saudar a colaboração de Rui Horta e da sua equipa, que, com o espectáculo que conceberam para hoje, contribuem para dar a esta celebração o alcance, o significado e o carácter de que ela deve ter: o de uma evocação que se torna lição para o presente e se projecta para o futuro. A aliança que Rui Horta tão talentosamente faz dos dispositivos de multimedia com a voz, o corpo e o movimento está no centro da cultura e da criação contemporâneas. De facto, penso que o significado mais valioso desta comemoração do 5 de Outubro deve ser o de nos fazer olhar aquele troço do rio de tempo que corre perante nós - e em nós - e cujo sentido e impulso não podemos perder, pois se o perdermos é o futuro que perdemos.

Meus Amigos,

Celebramos a República distinguindo, por agraciamento, alguns daqueles que, no serviço público ou nos domínios das suas actividades, pelo que são, pelo que fazem e pelo que representam, merecem o reconhecimento da comunidade. Celebramos a República, evocando os seus valores, actualizando-os e renovando-os. É nos períodos difíceis – e todos sabemos que é um desses períodos que estamos a viver - que devemos aproveitar as dificuldades para ousar ver além do imediato. Não nos resignemos à solução curta e provisória, ao expediente que disfarça ou ao remendo que não resolve e só adia o problema. Tenhamos a coragem de fazer da consciência das fraquezas a nossa força. Tenhamos a lucidez de aceitar os desafios inadiáveis. Tenhamos a capacidade de não deixar para amanhã o que tem de ser feito hoje. E sobretudo sejamos capazes de fazer hoje o que manhã já será tarde fazer.

Muito obrigado a todos!

Viva a República!

Viva Portugal!