Sessão de Abertura do VI Congresso da CAP

Santarém
25 de Outubro de 2004


Quero agradecer o vosso amável convite, para participar nesta sessão, que inicia o 6º Congresso Nacional de Agricultura.

A CAP é uma confederação de associações de agricultores, cuja criação livre foi possível após a Revolução de Abril. A sua história cruzou-se com a da consolidação da democracia portuguesa, a qual exige a existência de associações de interesses económicos que sejam transparentes livres, fortes e representativas. O percurso foi árduo e não isento das maiores controvérsias em momentos vários. A CAP tem feito um grande esforço de olhar para o futuro. Esse olhar é da maior importância para Portugal.

Desde a sua origem – começou por chamar-se Associação Livre dos Agricultores – a CAP teve de enfrentar profundas transformações estruturais no pais e no espaço europeu. Primeiro, sucessivas reformas agrárias; depois, um êxodo rural acelerado que originou uma sociedade muito mais urbanizada, por isso mesmo progressivamente mais fechada às realidades agrícolas, sociedade essa que, tendo só pouco a pouco vem encarando a necessidade do desenvolvimento rural.

O maior desafio que a CAP enfrentou foi – chamemo-lo assim - o da nossa entrada para a Política Agrícola Comum, em 1986, sobretudo com as suas sucessivas transformações e aquelas que tem vindo a sofrer em virtude de acordos com a Organização Mundial do Comércio.

Assim, é justo lembrar que foi inequívoco, desde o início, o apoio da CAP à integração europeia, sabendo embora das dificuldades que causariam as condições impostas a numerosos filiados. À distância de década e meia, é importante recordar este facto e louvar a visão dos seus dirigentes confederais, pois perceberam que recusar a PAC (nessa altura a principal política comunitária) era frustrar a entrada para a União Europeia. E Portugal não poderia pagar esse preço.

A Confederação enfrentou sucessivos desafios, empenhando-se na defesa possível dos agricultores portugueses, embora as novas condições fossem sendo cada vez mais difíceis de enfrentar. Fazendo o seu caminho, a CAP impôs-se como uma instituição indispensável na nossa vida empresarial colectiva.

Quero dizer algumas palavras sobre o tema que escolheram para lema do Congresso: “Novas oportunidades para a Agricultura Portuguesa”. Decerto que não poderia haver tema de maior actualidade. Mas é inegável – ainda bem – o sentido de urgência e de incontornabilidade que resultam da escolha. Nada de mais certo.

Já na mensagem ao Congresso que festejou o vosso 25º aniversário abordei este tema essencial, ainda por cima no contexto dum tecido agrícola dominada por micro–empresas. Tem sido, de facto, indispensável redefinir o papel da nossa agricultura no espaço europeu em alargamento, quando as actividades produtivas se globalizam, com ajudas e indemnizações insuficientes.

Mas a tarefa de maior monta constitui seguramente estudar e discutir as novas realidades no quadro da mais recente evolução agrícola da PAC, resultante dos acordos de 2003: o desligamento e sucessiva redução das ajudas à produção, e a progressiva desregularização do comercio e preços, umas e outras afectando cerca de metade do valor acrescentado do complexo agro-florestal português. É preciso fazer muito mais no sentido desta clarificação e no aprofundamento do desenvolvimento rural. Não é suficiente falar no “reverdecimento da PAC”, nas boas práticas agrícolas e nos “guardas da natureza”. É preciso dar a estes novos conceitos conteúdo económico, social e até institucional, sob pena de haver uma incompreensão geral para as suas importantes funções na salvaguarda do ambiente.

Seguramente que o excelente volume hoje apresentado e intitulado: “Rendimento e Competitividade Agrícolas em Portugal: Evolução recente e perspectivas futuras” dará um contributo relevante para tal. Quero saudar, vivamente, os seus autores e, em especial, o primeiro da equipa o Prof. Francisco Avilez. Creio que o estudo em causa será de referência obrigatória. Não resisto a citar algumas conclusões, com a devida vénia dos autores.

“Esta não é, no entanto a nossa opinião em relação ao que se poderá vir a passar na próxima década com a agricultura portuguesa, cujas especificidades sócio-estruturais e técnico-económicas vão implicar um impacto muito mais profundo na competitividade e no rendimento agrícola futuros em Portugal.

É de facto nossa convicção de que as novas orientações de política agrícola em geral e o processo de desligamento em particular vão criar riscos de abandono e oportunidades de reconversão que poderão vir a ter consequências significativas para o futuro dos sistemas de agricultura e das estruturas das explorações agrícolas portuguesas.

Assim sendo os centros de decisão empresarial e político-institucional ligados à agricultura e ao mundo rural português vão ser confrontados com dois principais desafios:
- como minimizar os riscos de abandono da produção agrícola e do território;
- como alcançar o melhor aproveitamento possível das novas oportunidades de reconversão agrícola.

A possibilidade dos produtores agrícolas portugueses virem a responder com sucesso a estes dois tipos de desafios irá depender, de acordo com a opinião dos autores, da criação das condições necessárias para que os sistemas agro-comerciais e subsidio-dependentes actualmente dominantes venham a ser substituídos, quer por sistemas agro-ambientais, agro-rurais e agro-comeciasi socialmente sustentáveis, quer por sistemas agro-comerciais economicamente competitivos.

Uma primeira conclusão das nossas reflexões é que a grande maioria da superfície agrícola portuguesa actualmente ocupada por culturas temporárias de sequeiro, pelos prados e pastagens temporárias e permanentes de sequeiro e por pomares e olivais tradicionais, vão tender a ser convertidos em sistemas de ocupação do solo baseados em práticas agrícolas orientadas predominantemente, para a protecção da natureza e o ordenamento do território.

Uma segunda conclusão, neste contexto, é que alguns dos sistemas de produção de sequeiro e de regadio actuais poderão vir a optar por uma reconversão predominantemente técnico-económica dando origem a sistemas de agricultura biológica e bioenergética com implantação futura significativa em alguma regiões agrárias do país.

Finalmente, importa concluir que a restante parte dos solos de maior aptidão agrícola e com disponibilidades em água de rega em quantidade e com a qualidade adequadas, tenderão a ser ocupadas por sistemas agro-comerciais economicamente competitivos, sendo neste contexto de destacar os sistemas vinícolas, olivícolas, frutícolas e hortícolas de ar livre e sistemas agro-pecuários de produção de leite de bovinos e de ovinos/caprinos destinados à produção de produtos lácteos bem diferenciados e de “qualidade específica” reconhecida.

Pode-se, neste contexto, concluir que a minimização dos riscos de abandono e de maximização das oportunidades de reconversão agrícola, vai implicar um conjunto diversificado de acções de âmbito político-institucional orientadas prioritariamente para uma implementação coerente e atempada deste conjunto de prioridades irá implicar, necessariamente, uma profunda reforma das instituições ligadas à agricultura e ao mundo rural português, quer as que são directamente tuteladas pelo Ministério da Agricultura, quer as que se relacionam com as organizações de produtores agrícolas “.

Vale a pena relembrar que também existe, há anos, um Conselho Nacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, com representação empresarial eleita e composição plural nas filosofias agrícolas e na tónica empresarial. Importa avaliar o que no seu âmbito se fez e ver como pode ser melhor aproveitado e valorizado. Não há tempo a perder.

O vosso contributo para a tarefa nacional, que são as negociações deste primeiro quinquénio do século da reforma da PAC, é também essencial.

O sector agrícola agrupa hoje parte significativa dos portugueses que partilham a parte menor dos benefícios do desenvolvimento. Assim o provam a baixa capitação do PIB e as crescentes assimetrias regionais, contrariando a coesão económica e social. Os agricultores, a quem agora se entregam novas missões, não podem ser cidadãos esquecidos ou marginalizados.

Hoje, quero prestar a minha homenagem a todos os agricultores e, no caso concreto aos que contribuem para o reforço do associativismo e a solidez desta Confederação. Desejo-lhe um futuro promissor, esperando-se dela um contributo importante para que a agricultura portuguesa – com a sua especificidade e novas funções – prossiga no trilho da modernização. Não há outro caminho. Não podemos perder tempo.