Conferência A Europa em Movimento: Novas Relações de Vizinhança – Questões e Desafios

Palácio Montecitorio (Câmara dos Deputados), Roma
10 de Novembro de 2004


Senhor Presidente da República
Senhor Presidente Casini
Senhor Presidente Giorgio Napoletano
Excelências

Quero começar por agradecer aos Senhores Presidentes da Câmara dos Deputados e da Fundação o amável convite que me dirigiram para usar da palavra nesta instituição que constitui um pilar fundamental da democracia. Desejo também agradecer-lhes o caloroso acolhimento e as tão amáveis palavras que tiveram para comigo, que muito me sensibilizam e honram o país que aqui represento.

Permitam-me transmitir a minha particular emoção por me encontrar aqui, nesta sala em que foi escrita uma página decisiva da história da Liberdade e da Democracia em Itália.

Conhecer o passado ajuda-nos a construir o futuro. Por isso, quase sempre, vale a pena revisitar a história para conseguirmos formar uma imagem mais justa e matizada do presente e estabelecermos linhas para o futuro.

Nesta sala de magnífica memória, as palavras do velho Príncipe Salina, que já no seu tempo, notava a surpreendente aceleração da história, têm um eco particular.

Foi desta tribuna que foram comunicados os resultados do referendo institucional que, em 1946, permitiu aos italianos e às italianas, as quais puderam pela primeira vez exercer o direito de voto, pronunciarem-se sobre os destinos do seu país. Daqui lhes foi anunciado - e ao mundo - que, pela vontade popular, a Itália se tornava uma República. Foi também nesta casa que foi preparada e aprovada a primeira Constituição Republicana, inspirada nos ideais da liberdade, da igualdade e da democracia.

Para mim, antigo parlamentar e conhecedor, por experiência própria, do significado da luta pelos valores democráticos, estar aqui hoje reveste-se de particular e emocionante significado.

No período que vivemos, marcado por tantas incertezas em que ressurgem tendências antidemocráticas e a violência que sempre lhes está associada, há que constantemente valorizar o Parlamento enquanto sede intransponível da legitimidade democrática e do pluralismo político, instância indispensável e privilegiada para o debate das ideias e o reforço da consciência cívica tão necessários para o progresso e a estabilidade das nossas sociedades.

Desejo assim e antes de mais saudar todos os deputados e senadores aqui presentes e, por seu intermédio, saudar a grande nação italiana, na sua rica pluralidade e diversidade, prestar homenagem à História e à Cultura deste país milenário, pátria indelével da Civilização Europeia, do Direito como regra ou jus, regulador do exercício do poder político, incluindo o do próprio imperador - nos tempos em que Roma era o centro de gravidade política do mundo mediterrâneo -, do Humanismo, da Ciência e das Artes, lugar de todos os Renascimentos, terra de eleição de artistas e escritores que, ao longo dos séculos, aqui se acolheram e aqui prosseguiram o seu labor em benefício da Humanidade.

Mas quero também destacar, mais perto de nós, o inestimável contributo da Itália para a génese do projecto europeu e a sua participação empenhada na construção da Europa moderna.

Graças à visão e determinação de homens como Alcide de Gasperi e Altiero Spinelli, a Itália foi um dos primeiros países a aderir ao Plano Schuman na convicção partilhada de que o espectro da barbárie, da ruína e do declínio que dominava a Europa do pós-guerra só seria erradicado através da criação de uma nova solidariedade que obrigasse os povos a gizar projectos comuns. Este é, nunca será de mais lembrá-lo, o desígnio que está na base da criação da CECA em 1951, tratado realmente fundador, e o voto de confiança no futuro que daí decorria, aliás, rapidamente desmentido pelo fracasso da Comunidade Europeia de Defesa que viria de novo a suscitar dúvidas.

Por isso, como não evocar a importância fulcral da Conferência de Messina, num momento em que a esperança parecia esboroar-se e o futuro terminar abruptamente numa via sem saída, bloqueada por um Tratado não ratificado....?

Por último, como não evocar também a indissolúvel associação da construção europeia a Itália se, justamente, os caminhos abertos em Messina conduziram poucos anos mais tarde a esta cidade de Roma onde, numa feliz conjunção da memória histórica com as expectativas do futuro, teve lugar a assinatura dos Tratados que criaram a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade da Energia Atómica (dita EURATOM) e se, no arco de pouco menos de meio século, a aventura europeia nos trouxe de novo a Roma, a esta cidade, mãe de todas as cidades (no dizer de um escritor português), onde há poucos dias foi assinado o Tratado Constitucional ?

Na verdade, aqui, neste lugar de confluência dos tempos, nesta magnífica cidade onde a história se condensa e nos convoca a cada instante, é difícil resistir ao confronto do homem consigo próprio não no que tem de particular, na sua história individual, mas na universalidade do destino colectivo.

Roma tem este raro encanto particular de nos remeter para a corda distensa do tempo e para os nós que as encruzilhadas da história com ela vai formando, fazendo-nos cotejar tempos remotos e projectos presentes. Aqui, a Europa nascida no último primeiro de Maio evoca – mas já num plano de opção livre - a pax romana de outros séculos e devolve-nos, a outra luz, o mito do império universal de que Roma deixou imagem perene.

Senhor Presidente,
Meus amigos

É com emoção, respeito e, confesso, com humildade, que aceitei vir falar-vos sobre a Europa num momento chave da construção europeia. É para mim um privilégio poder dirigir-me a um conjunto de especialistas e de personalidade interessadas e empenhadas no processo europeu. Por isso escolhi dois temas que, por síntese e antítese, me parecem adequados ao lugar e ao momento deste encontro.

Gostaria assim de abordar, por um lado, o futuro da Europa, traçando o esboço de uma visão para a Europa no mundo, sem a qual nenhum projecto resiste ao longo prazo; por outro lado, desejo tratar também a questão das Novas Relações de Vizinhança que constituem um eixo essencial da futura política externa europeia.


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Um papel para a Europa no mundo globalizado

Alargada a 25 Estados Membros, contando com cerca de 450 milhões de pessoas e um terço do PIB mundial, primeira potência comercial e o maior contribuinte para a ajuda ao desenvolvimento, a Europa adquiriu agora uma inequívoca escala continental que lhe permite pesar na cena internacional e imprimir à sua actuação externa uma dinâmica renovada, mais consentânea com os princípios e valores que têm moldado a própria construção europeia.

A meu ver, é importante salientar este ponto de viragem do projecto europeu. Utilizando a habitual metáfora urbanística, pode dizer-se que nos últimos cinquenta anos os esforços se concentraram essencialmente em grandes obras de engenharia e de arquitectura. Dispomos hoje de uma construção amplamente consolidada, cujos fundamentos foram reforçados pelo Tratado Constitucional, assinado há poucos dias.

Terminado este ciclo voltado sobretudo para o interior, importa agora cuidar dos espaços circundantes, investir nas relações com o resto do mundo. Ou seja, devemos concentrar os esforços na política externa e torná-la uma das prioridades da agenda europeia.

Entendo que este é o grande desafio dos próximos anos, uma aposta em que vale a pena investir. Não só porque no mundo globalizado não há lugar para sistemas fechados, como também porque esta aposta corresponde a uma reivindicação forte por parte das opiniões públicas europeias, que não deve nem pode ser ignorada.

Na realização deste desígnio contamos aliás com um extenso e amplo, embora algo disperso, acervo que nem sempre é avaliado à sua justa medida. Penso, só para dar alguns exemplos, na Política Comercial Comum e na Política de Ajuda ao Desenvolvimento, duas vertentes da actuação comunitária porventura demasiado esquecidas quando se debatem as questões de política externa europeia.

Acresce ainda que encontramos no Tratado Constitucional um novo enquadramento funcional da Política Externa e de Segurança Comum que vai ao encontro das necessidades colocadas pelo reforço da actuação externa da União. Embora os instrumentos não bastem para realizar políticas, representam, no entanto, uma indispensável e necessária condição para que as vontades dos Governos se exerçam e conjuguem.

Contamos, em suma, com um contexto favorável ao reforço da afirmação da União Europeia na cena internacional. E, no entanto, é inegável que falta ainda uma visão clara do papel que queremos para a Europa no mundo. Ora, sem uma visão estratégica nenhum projecto é sustentável a longo prazo. Esta é, sem dúvida, a maior dificuldade com que nos confrontamos, agravada, de resto, com o aumento da diversidade de interesses e abordagens trazido pelo alargamento da União Europeia.

A questão que se coloca é pois a de saber como se poderá contornar esta dificuldade.

Não é no Tratado Constitucional que se poderá procurar uma solução, até porque, nesta matéria, toda a ambiguidade acerca do estatuto da Política Externa da União é mantida ao ser-lhe conferido um lugar à parte, misto de competência residual da Comissão e competência inclusiva da União...

Não podemos também contar com uma mágica e inesperada fusão de interesses entre os Estados Membros nem tão pouco com uma coincidência absoluta de posicionamentos e abordagens.

Temos assim primeiro que apostar no reforço indispensável da vontade política. Podemo-nos depois apoiar, por um lado, no acervo existente e, por outro, na definição de um conceito estratégico da União, consentâneo com os valores em que assenta o projecto europeu. Tratar-se-á afinal de afirmar na cena internacional uma identidade política europeia.

A meu ver, os princípios desta identidade são claros e correspondem aos que, há cinquenta anos, temos vindo a realizar no seio da Europa: primazia dos valores da paz, de Democracia, de respeito pelos Direitos Humanos, prioridade a uma economia social de mercado e ao desenvolvimento sustentado. São pois estes também os valores que a União deverá promover a nível externo, não só como actor legítimo e eficaz da mundialização mas também como interlocutor com peso na ordem internacional. A meu ver, é nesta duas frentes que será necessário articular a actuação externa da União.

No nosso mundo globalizado, em que há cada vez menos lugar para posições isoladas ou para acções motivadas por propósitos unilaterais, a União Europeia encontra uma oportunidade insubstituível para se afirmar enquanto centro de poder simultaneamente adaptado ao carácter global e interdependente da economia e enraizado na história e na cultura locais.

Vejo, neste domínio, um extenso campo de acção para a União Europeia porque a mundialização, com as suas claridades e sombras, não parece ter proporcionado ao mundo, até agora, nem mais paz, nem mais democracia, nem mais progresso económico, nem mais justiça, nem maior igualdade de oportunidades. Por conseguinte, identifico para a União Europeia um papel indispensável e determinante na regulação da globalização por forma a corrigir os seus desequilíbrios e permitir que esta se torne num verdadeiro multiplicador de riqueza partilhada à escala mundial.

Para que os problemas não se sobreponham às oportunidades da globalização, haverá, estou certo, que apostar numa política e numa governação mundiais. Haverá assim que desenvolver uma política democrática de âmbito mundial, pautada pelos princípios da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentado.

Este é um primeiro campo da afirmação externa da União que deverá constituir um dos capítulos essenciais da agenda europeia dos próximos anos.

Um outro campo em que a União Europeia pode e deve investir é o da sua activa participação na renovação da ordem internacional que, aliás, não é independente da tarefa anterior.

Ninguém ignora que na sequência do fim da guerra fria, do desmoronamento da União Soviética e da emergência de um novo terrorismo internacional, a ordem internacional atravessa uma fase de recomposição, cujo ritmo se acelerou com os acontecimentos de 11 de Setembro, precipitando novas rupturas e ameaças.

A meu ver, cabe à União Europeia um papel insubstituível na definição de uma nova matriz da ordem internacional, quiçá mais adaptada a enfrentar os riscos e ameaças deste novo século e apta a responder aos desafios que se colocam à paz no mundo.

A União Europeia tem condições para se afirmar como catalisador da renovação e para influenciar o sentido da recomposição da ordem internacional.

É minha profunda convicção que só através do reforço da legalidade internacional, de mais diálogo multilateral, mais concertação e solidariedade poderemos assegurar a paz, a estabilidade e a segurança no mundo. Sem o desenvolvimento de uma abordagem cooperativa da paz e da segurança, dificilmente conseguiremos ultrapassar a fragmentação, o caos e o vazio político que, por vezes, parecem ameaçar o nosso tempo.

Neste particular, não quero deixar de referir a importância ímpar das relações transatlânticas. Os Estados Unidos são, ninguém de boa fé o duvida, um aliado inestimável da Europa no quadro da Aliança Atlântica. Os Estados Unidos são também um parceiro incontornável da cooperação internacional. No entanto, este quadro de parceria privilegiada não significa coincidência necessária de todos os pontos de vista, nem partilha total de interesses e valores.

O importante, a meu ver, é que tudo se passe no quadro da escrupulosa aplicação dos princípios de legalidade internacional, na base do diálogo, do respeito mútuo e da concertação.

Embora consciente das dificuldades e do melindre da actual situação internacional, marcada por inúmeros focos de conflito, uma acentuada instabilidade e inúmeras incertezas, apesar dos atritos e tensões que por vezes minam o clima de confiança entre Estados Membros da União Europeia, quero permanecer confiante quanto ao futuro.

Até porque a Europa tem, apesar de tudo, somado algumas vitórias. Basta pensar no Protocolo de Quioto, na Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável, no processo de perdão da dívida aos países em vias de desenvolvimento altamente endividados, ou ainda no Tribunal Penal Internacional.

São pequenos passos na via da afirmação da Europa no mundo, mas são sobretudo sinais de esperança, marcas de que, como português e europeu, pessoalmente me orgulho.

Pela minha parte, não tenho dúvidas de que a União Europeia traz um suplemento de afirmação às soberanias nacionais, mesmo e sobretudo neste domínio sensível que é o das políticas externas. Nunca é de mais frisar que pertencer à União Europeia representa muito mais do que ser parte num Tratado multilateral ou participar num forum de cooperação intergovernamental. Nenhum laço bilateral por mais antigo e forte que seja poderá substituir a parceria comunitária.

A União Europeia constitui uma comunidade de valores e princípios partilhados, assenta num desígnio comum, na vontade de viver em conjunto. Nasceu da determinação de assegurar a paz e de federar os povos. Há pois uma obrigação indelével de unidade, solidariedade e de coesão. Não só em relação aos seus membros, mas também perante o resto do mundo, perante a Humanidade.

Se a Europa desistir desta obrigação universal, renegar-se-á a si própria.


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A importância das novas relações de vizinhança

Na definição dos contornos de uma Política Externa e de Segurança Comum reforçada, reveste particular importância a definição de uma nova política de vizinhança.
Primeiro, porque o alargamento, ao desenhar um novo mapa da Europa, alterou as fronteiras da União e trouxe novos vizinhos;

Depois porque ao deslocar as fronteiras externas, deslocou também o seu centro de gravidade, reforçando a dimensão continental e setentrional do espaço europeu;

Em terceiro lugar, porque a União alargada, ao ganhar uma dimensão continental, alterou não só o peso específico da sua voz no concerto do mundo como vem criar novas dinâmicas de cooperação regional.

Se, com o recente alargamento e os que estão desde já perspectivados, se coloca a questão dos limites da União Europeia, trazendo para a arena a controversa questão de saber “até onde ?”, já no plano das relações de vizinhança com os países fronteiriços a situação parece clarificar-se, introduzindo uma clivagem mais ou menos nítida entre, por um lado, o grupo extremamente problemático e diversificado, dos países situados nos seus limites orientais e, por outro, os do flanco meridional da União Europeia, grupo mais ou menos homogéneo, que adquire uma reforçada importância geo-estratégica para a estabilidade da Europa.

As iniciativas cobertas pela chamada “Nova Política de Vizinhança“, que vem sendo preparada pela Comissão desde 2003, pretendem justamente ir ao encontro, não só do conjunto de alterações decorrentes do alargamento mas também do facto de vivermos num mundo globalizado, marcado por uma intensificação das relações sociais à escala mundial, no sentido muito genérico que lhe empresta Anthony Giddens.

No meu entendimento, esta nova política de vizinhança, a que deverá ser dada maior importância política, assenta numa visão ambiciosa da Europa que faz jus à sua vocação universalista. No fundo, a ideia é a de que a Europa representa essencialmente uma comunidade de valores e de princípios que, ao ser activamente assumida e partilhada pelos seus vizinhos, forja uma relação de proximidade inédita que altera as relações clássicas de boa vizinhança entre os Estados. Trata-se aqui de desenvolver um novo tipo de relacionamento, baseado em parcerias, com países que, embora fronteiriços, não estão vocacionados a aderir à União.

Por conseguinte, mantêm-se as fronteiras externas europeias, mas esbatem-se as linhas divisórias, aumentando o nível de integração, de cooperação e de inclusividade entre, por um lado, o espaço formado pela União Europeia, e por outro, a moldura de países que a circunda.

Esta nova política de vizinhança repousa numa concepção do projecto europeu como um sistema de valores aberto, cuja estabilidade não depende apenas do reforço da unidade interna mas também do equilíbrio que souber estabelecer com o espaço ambiente circundante. Nesta medida, creio que os trabalhos em curso são a aposta certa no futuro.

Mas não só será necessário que os Estados Membros renovem o seu compromisso político no sentido de dar a devida prioridade a esta nova política da agenda comunitária, como será indispensável dotar a União de instrumentos e meios à altura da suas ambições. Este é um ponto que não deve ser esquecido no âmbito das discussões em curso sobre as Perspectivas Financeiras.

Ora, se em relação aos limites orientais da nova Europa, não tenho muitas dúvidas de que se irá assistir a um reforço das políticas de cooperação regional, especialmente com a Federação da Rússia e, numa escala mais reduzida, com os países da Europa Oriental, já no que respeita ao flanco sul da Europa tenho, confesso, menos certezas.

Parece-me, no entanto, que seria uma grave erro estratégico descurar as relações com o Mediterrâneo. Considero por isso igualmente indispensável renovar o compromisso político europeu no sentido não só do reconhecimento das especificidades das suas relações com a orla sul do Mare Nostrum como também de um investimento sustentado no seu reforço.

Pessoalmente, estou convencido que, com o alargamento, as responsabilidades particulares que a Europa detém para com os seus vizinhos da bacia mediterrânica se tornam ainda mais prementes bem como a necessidade de promover o desenvolvimento harmonioso e equilibrado deste espaço que transcende as fronteiras da União e que é essencial para a estabilidade no mundo.

É indispensável dar expressão a uma solidariedade multifacetada e sempre renovada nesta vasta área, sob pena de se sustentarem frustrações compreensíveis, de se atiçarem focos de tensões e conflitos e de se afectar a credibilidade externa da União.

Embora geograficamente atlântico, Portugal é culturalmente mediterrânico, quer pelos laços antigos e profundos com os Estados ribeirinhos, a Norte e a Sul do Mediterrâneo, como pela consciência de que a Europa e a zona do Mediterrâneo partilham um espaço comum de desenvolvimento e segurança.

Nesta conformidade, Portugal, sempre pôs todo o empenho no desenvolvimento das iniciativas que se inscrevem no quadro da área mediterrânica, com especial ênfase para o Processo de Barcelona e o Forum do Mediterrâneo, por forma a corresponder às expectativas legítimas dos nossos parceiros e a tirar partido de novas oportunidades de cooperação e diálogo.

Esta preocupação foi particularmente visível durante as nossas duas Presidências da União Europeia, respectivamente em 1992 e 2000. Lembrarei particularmente a adopção no Conselho de Lisboa de uma Declaração relativa à necessidade de reforçar a cooperação com os países da orla meridional e oriental do Mediterrâneo incluindo o Médio-Oriente, que deveria conduzir ao Processo de Barcelona.

No difícil contexto das actuais relações internacionais e perante o enorme repto com que nos confrontamos em que a paz e a segurança mundiais estão ameaçadas, a parceria euro-mediterrânica adquire uma mais valia inegável, colhendo dividendos do facto de associar directamente países árabes, mediterrânicos e europeus que, entre si, prosseguem já objectivos de concertação política, económica e cultural.

A meu ver, dever-se-ia aproveitar melhor as extensas potencialidades, ainda pouco exploradas, do Processo de Barcelona para estimular a cooperação entre os parceiros euro-mediterrâneos, para conjugar esforços na luta contra o terrorismo e para atenuar os efeitos negativos da crise actual quer a nível económico quer no plano cultural. Acresce, naturalmente, que, mais do que nunca, se impõe a cooperação de todos os parceiros no sentido de fazer avançar o Processo de Paz no Médio-Oriente, pedra angular da pacificação das relações entre os povos da bacia mediterrânica e da estabilidade na Europa.

Senhor Presidente

Italianos e Portugueses forjaram laços indissolúveis nas encruzilhadas da história. É natural que assim seja entre dois povos que partilham a mesma herança civilizacional e cultural bem como uma idêntica vocação marítima, elemento fundamental da matriz da nossa vivência comum. É assim compreensível – e desejável – que este ressurja hoje como elo da aproximação dentro de um espaço em que temos constantemente que reforçar a nossa solidariedade no seio da comunidade de destino que ambos partilhamos.

Gostaria de terminar formulando votos para que, no quadro da União Europeia, quer a Itália quer Portugal saibam continuar a assumir a sua particular responsabilidade na promoção do espaço euro-mediterrânico como centro de confluência de vários mundos, civilizações e culturas, mas também como lugar natural de afirmação da vocação universalista da União Europeia na promoção da paz, da democracia e do desenvolvimento sustentável no mundo.

Pela minha parte, reitero a importância que atribuo ao desenvolvimento da Nova Política Vizinhança europeia com a participação activa dos países do Mediterrâneo. É a aposta certa no momento certo, em que muito gostaria de ver empenhados todos os estados ribeirinhos.

Porque não confiar nomeadamente a Portugal e a Itália um papel catalisador ? Porque não aproveitarmos o décimo aniversário do Processo de Barcelona que se assinalará no próximo ano para, em conjunto, selarmos com um gesto simbólico este nosso empenho comum na reinvenção do Mare Nostrum ?