Sessão de Abertura da Conferência Internacional IFEA – Instituto de Formação Empresarial Avançada 2004

Oeiras
03 de Dezembro de 2004


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É sempre com agrado que participo em iniciativas que possam contribuir para um melhor conhecimento e um maior e mais equilibrado desenvolvimento das relações económicas entre Portugal e Espanha, como estou certo será o caso desta Conferência Internacional, organizada pelo Instituto de Formação Empresarial Avançada com a colaboração do Centro de Previsão Económica (CEPREDE) da Universidade Autónoma de Madrid. Quero por isso começar por saudar e felicitar os seus organizadores por terem reunido empresários e académicos para discutir as relações económicas e empresariais ibéricas no quadro da União Europeia alargada.

A História e a Geografia sempre constituíram elementos poderosos na construção das linhas de diálogo – humano, político e económico – entre povos e Estados. Por isso, se compreenderá que as relações com Espanha mereçam aos portugueses uma diferente atenção e suscitem inevitáveis sensibilidades, a que o projecto europeu veio dar novo desenho e notoriedade. Com efeito, a adesão conjunta à União Europeia, que pôs termo a um longo período de alheamento mútuo, - ao alargar e diversificar laços, oportunidades e desafios, - abriu ao mesmo tempo entre nós o debate, algumas vezes apaixonado, sobre questões inéditas do nosso relacionamento, já que a integração comunitária se projectou decisivamente numa maior integração económica ibérica. Importa reconhecer, porém, que esta, embora corporize um importante factor de desenvolvimento para a economia dos dois países, coloca aos empresários portugueses acrescidas responsabilidades, tanto no aproveitamento de um novo espaço de competição, como na sua capacidade de inverterem riscos em vantagens, e receios em sucessos. Não é tarefa fácil, até porque estamos perante uma realidade que não vale a pena ignorar. De facto, há na sociedade portuguesa alguma preocupação, não só com o desenvolvimento desequilibrado das relações económicas e comerciais entre os dois países, mas também com o crescente peso das empresas espanholas em Portugal e o receio do controlo de algumas empresas ou sectores da economia portuguesa por essas empresas.

Como já referi, a entrada em simultâneo para a então Comunidade Económica Europeia no início de 1986 contribuiu decisivamente para o extraordinário desenvolvimento das relações económicas entre os dois países vizinhos e o mesmo efeito de estreitamento das relações de proximidade deverá continuar no quadro da União Europeia alargada. Como resultado da integração europeia e da contiguidade geográfica, o comércio entre Portugal e Espanha tem crescido bastante e é previsível que assim continue. Enquanto em 1985, o mercado espanhol representava apenas 7% das importações portuguesas e 4% das nossas exportações, a Espanha é actualmente o nosso primeiro fornecedor, com aproximadamente 30% das nossas importações em 2003, e o nosso principal cliente, com cerca de 24% das exportações portuguesas nesse mesmo ano, a grande distância da Alemanha e da França, que ocupam o segundo e o terceiro lugares, tanto nas importações como nas exportações portuguesas.

Todavia, a evolução do comércio entre os dois países tem sido claramente favorável a Espanha, como se pode avaliar pela taxa de cobertura das importações pelas exportações de Portugal para Espanha. Esta taxa, apesar de algum progresso nos últimos anos, situa-se ainda à volta de 57%, o que quer dizer que as exportações portuguesas para Espanha são apenas pouco mais de metade das nossas importações do país vizinho. Isto faz com que Portugal também seja importante para Espanha. Em 2003, Portugal foi já o quarto mercado para as exportações espanholas. No entanto, o peso de Portugal nas importações espanholas é bastante menor, ocupando apenas o oitavo lugar.

Para reduzir o défice da balança comercial bilateral, as empresas portuguesas têm que exportar mais para Espanha. Não me canso de repetir que os empresários nacionais têm que encarar o mercado espanhol como a continuação natural do mercado doméstico e aproveitar melhor as oportunidades e as potencialidades desse mercado. Lembro que a Espanha tem quatro vezes mais população do que Portugal, com um poder de compra que é, actualmente, quase 30% superior ao português. Acresce ainda que, desde 1999, mercê de vários factores, nomeadamente maior margem de manobra orçamental, a economia espanhola tem vindo a crescer mais do que a portuguesa e as suas perspectivas de crescimento para 2005 e 2006 também ainda são melhores do que as portuguesas.

O diagnóstico está há muito feito: para conquistar o mercado espanhol, as empresas nacionais têm que apostar em bens e serviços com valor efectivo e capazes de satisfazer clientes exigentes como são os espanhóis e, segundo alguns empresários portugueses, ainda com alguma tendência para não valorizar devidamente os produtos portugueses. No entanto, há empresas portuguesas que, através da oferta de produtos de qualidade e competitivos, foram capazes de eliminar essa desconfiança relativamente à origem portuguesa e de se impor como fornecedores de referência em Espanha. É, assim, preciso multiplicar estas experiências de sucesso e que muitos mais empresários portugueses tentem e consigam penetrar no difícil mas atractivo mercado espanhol.

Por outro lado, para as empresas e autoridades portuguesas parece poder abrir-se um melhor caminho para aproveitar adequadamente as potencialidades do turismo espanhol. Apesar de a ausência de fronteiras e a existência da mesma moeda dificultar o apuramento e a apreciação dos fluxos turísticos entre Portugal e Espanha, os dados da balança de pagamentos bilateral mostram que, em 2003, os turistas espanhóis deixaram em Portugal 1019 milhões de euros enquanto os Portugueses gastaram em Espanha 889 milhões de euros, ou seja, os espanhóis gastaram apenas mais 15% do que os portugueses, o que é manifestamente pouco face ao número de turistas e de poder de compra dos dois países. A maior despesa per capita do turista português em Espanha relativamente ao espanhol em Portugal resulta de este último vir ao nosso País geralmente em visitas curtas, enquanto o turista português visita a Espanha por períodos mais longos. Assim sendo e tendo em conta o número e o poder de compra dos nossos vizinhos espanhóis, cabe às empresas e aos responsáveis pelo turismo nacional um outro esforço para atrair mais turistas de Espanha, procurando organizar programações e campanhas – assentes nas especificidades que temos para oferecer – para se alterar qualitativamente e corrigir a presente situação.

Igualmente as relações entre Portugal e Espanha, em termos de investimento directo estrangeiro, poderão contribuir para um maior e melhor desenvolvimento da economia portuguesa. Em termos de stocks, isto é de valores acumulados, a Espanha tem uma posição relevante na origem do investimento estrangeiro em Portugal, com uma participação à volta de 20%, encontrando-se entre os mais importantes destinos do investimento de Portugal no exterior, com uma quota da ordem dos 30%.

Valerá a pena recordar: o investimento directo espanhol em Portugal é quantitativamente significativo e está predominantemente localizado em actividades financeiras (43,8%), imobiliárias (17,8%) e comerciais (16,2%), que em conjunto representam quase quatro quintos do total. Seria desejável que estivesse menos concentrado nestes sectores e fosse maior a sua participação no sector dos bens internacionalmente transaccionáveis. Nesta perspectiva, o investimento espanhol em Portugal é um pouco diferente do restante investimento directo estrangeiro. Os investidores espanhóis parecem ter olhado para o mercado português como o prolongamento do seu mercado doméstico e têm investido mais na compra de participações em bancos, na aquisição de imóveis e na distribuição comercial, enquanto o investimento estrangeiro de outras origens, nomeadamente o alemão, se tem orientado mais para a indústria e para a produção e, por isso, tem contribuído relativamente mais para a transferência de tecnologias e para a qualificação dos recursos humanos.

Quanto ao investimento de Portugal em Espanha seria útil que os empresários portugueses olhassem para o mercado espanhol como continuação do mercado nacional e investissem mais no país vizinho para poderem vender mais em e para Espanha. Pressionadas pela crescente concorrência de empresas estrangeiras no território nacional e em terceiros mercados, as empresas portuguesas não desconhecem as vantagens da sua internacionalização. Ora, o mercado espanhol é, naturalmente, a alternativa mais à mão. Por uma questão de sobrevivência ou por simples necessidade de expansão, as empresas portuguesas têm cada vez mais que pensar e actuar em termos do novo mercado ibérico, como têm vindo a fazer afinal com sucesso muitas empresas espanholas.

Actualmente, tanto quanto se sabe, existem apenas cerca de 300 empresas portuguesas com filiais em Espanha e há aproximadamente 2500 empresas de capital espanhol a operar em Portugal. Esta proporção de um para oito excede bastante as relações de um para quatro em termos de população e de um para quase seis em termos de produto interno bruto. Portugal precisa de investir mais em Espanha, não só por empresas de maior dimensão, mas também e sobretudo através de pequenas e médias empresas que constituem a maioria da nossa estrutura produtiva. Com a ajuda do ICEP [ICEP Portugal – Investimentos, Comércio e Turismo] e dos apoios à internacionalização da economia portuguesa, muitas pequenas e médias empresas, sozinhas ou em parceria, devem e podem investir mais Espanha e assim contribuir também para o aumento das nossas exportações para o país vizinho.

Estou efectivamente convencido, e tenho-o várias vezes afirmado, que as oportunidades e as potencialidades do mercado ibérico poderão ser melhor aproveitadas pelas empresas portuguesas, constituindo a economia espanhola uma boa base para a recuperação da economia portuguesa. De facto, tendo em conta os avultados desequilíbrios nas finanças públicas e nas contas externas portuguesas, o crescimento sustentado da economia nacional terá de ser mais puxado pela expansão das exportações do que pelo crescimento da despesa interna. Isto não significa naturalmente que esta não deva crescer, especialmente o investimento produtivo, mas tão só que a sua evolução, particularmente a dos consumos privado e público, tem que estar em consonância com o permitido pelo aumento das exportações, sob pena de se continuar com uma composição do crescimento económico que agrava o défice e o endividamento externos e não assegura a sustentabilidade do crescimento. Para o efeito, é urgente que o contributo do comércio externo - isto é das exportações menos as importações - para o crescimento económico volte, a ser positivo.

Porém, para que possa haver uma maior e mais adequada penetração económica portuguesa no mercado espanhol, nomeadamente em termos de investimento directo e de exportações, também ainda é preciso remover alguns entraves para que o mercado ibérico se consolide como um espaço económico aberto e gerador de confiança recíproca. Já por várias vezes dei conta das preocupações de empresários portugueses que se têm queixado das dificuldades que encontram para entrar no mercado espanhol, que consideram menos aberto e administrativamente menos favorável do que o português, o que não facilitaria a correcção das actuais assimetrias de presenças nos dois países. Importa, pois, reforçar as regras de equidade e transparência, determinantes para que o mercado ibérico constitua um sólido espaço de proporcionalidade e igualdade de oportunidades, na linha dos compromissos comunitários a que ambos os países estão obrigados, e de que dependerá, afinal, o seu verdadeiro sucesso. E isto porque a reciprocidade de tratamento é uma condição indispensável para a existência de relações económicas equilibradas e justas, sendo indispensável promover o livre funcionamento do mercado ibérico, não só para o desenvolvimento harmonioso das relações económicas e empresariais entre os dois países, mas também para eliminar algumas velhas desconfianças recíprocas que ainda não desapareceram completamente.

Neste contexto, haveria vantagem em multiplicar – como hoje estamos fazendo – não só encontros de franco debate, como mobilizar o empresariado peninsular para, através das suas estruturas associativas, câmaras de comércio e as duas COTEC, dinamizar canais de informação e de entendimento. Só assim se poderá aproveitar plenamente a potencialidade do mercado ibérico e também reforçar a cooperação entre Portugal e Espanha noutros domínios, inclusive quanto a alguns desafios e interesses comuns ao nível europeu e internacional, nomeadamente em áreas de colaboração como a África Austral e a América Latina.

Porque importa reflectir em conjunto para alargar as vias do interesse comum, estou certo que este encontro irá proporcionar uma útil discussão sobre as relações económicas ibéricas, suas questões e problemas, e que dele sairão contributos válidos para um mais amplo e equilibrado desenvolvimento das relações económicas e empresariais entre Portugal e Espanha.

Termino desejando a todos bom trabalho e fazendo votos para que esta Conferência contribua para que se reforcem os laços entre os empresários e os universitários portugueses e espanhóis aqui presentes. Se o desafio é claro para todos – adequar as relações ibéricas à presente realidade europeia - cabe-me dirigir aos empresários portugueses o pedido de que olhem para a economia espanhola como uma oportunidade a aproveitar com inteligência, com determinação e com trabalho.