Inauguração das novas instalações da Abraço – Associação de Apoio a Pessoas com VIH/SIDA

Lisboa
01 de Dezembro de 2004


A inauguração da nova sede da Abraço é um acontecimento da maior importância, já que corresponde ao coroar de uma intensa actividade de tantas pessoas que, na melhor tradição do trabalho voluntário, têm sabido guiar-se por nobres sentimentos de solidariedade e de cidadania.

Quero, pois, exprimir o meu apreço à Associação Abraço pelo contributo tão determinante que deu, quer para o reconhecimento público da SIDA como uma questão que afecta muitos Portugueses, quer na mobilização da comunidade para uma intervenção forte na prevenção e no tratamento da doença e no combate aos estigmas sociais que acompanham, tantas vezes, a doença e os doentes.

Neste domínio, a minha intervenção, ao longo dos últimos anos, teve em consideração três objectivos centrais.

Em primeiro lugar, contribuir para a obtenção de consensos nacionais, aí onde polémicas e preconceitos poderiam adiar cruelmente a resolução dos problemas.
Neste aspecto, é crucial, desde logo, que os agentes políticos tenham, sem perda das suas competências e autonomia, um entendimento solidário sobre a gravidade do que está em jogo, e, para tanto, é necessário ouvir, debater e estudar.

Ouvir os doentes, os técnicos, as organizações não governamentais, os jovens, os investigadores, as organizações religiosas, os jornalistas, para, com o necessário debate, procurar compreender a complexidade do problema, tal como se coloca a cada um destes actores.

Depois, estudar: conhecer a investigação que se produz, as estratégias que se aprovaram, as avaliações que se produziram sobre a sua aplicação e intervir na procura de soluções mais efectivas.

Os consensos constroem-se, pois, na diversidade dos pontos de partida, mas procurando que o ponto de chegada – em especial, a eficácia da prevenção e do tratamento – permita resultados mensuráveis, nomeadamente, a diminuição da taxa de incidência da doença.

O segundo objectivo por que se tem pautado a minha intervenção neste domínio prende-se com a vontade de contribuir para o estabelecimento de estratégias sérias, ou seja, assentes em metodologias participadas e descentralizadas, e em informação credível, nomeadamente epidemiológica, e comportando metas e compromissos quantificados e mecanismos de avaliação e de prestação de contas.

Sei bem que este é um domínio em que, infelizmente, as estratégias adequadas têm de enfrentar a ignorância, o silêncio e o preconceito, e exigem a mobilização de toda a sociedade. Há, pois, que persistir, substituindo os apelos meramente retóricos por demonstrações conclusivas, pela divulgação de boas práticas e por grande atenção aos profissionais que se encontram no terreno.

É imperioso reforçar o grau de alerta perante este problema, aprofundar a ligação com as autarquias e com as organizações não governamentais, estudar, em particular, o problema das prisões e da toxicodependência, coordenar de forma mais efectiva os meios de que já dispomos e incentivar respostas activas, fazendo com que os serviços saiam das instituições e vão ao encontro das dificuldades e das pessoas que sofrem.

A terceira componente da minha intervenção tem-se voltado para a demonstração de que este é um problema que não se compadece com uma estratégia nacional, antes comporta uma dimensão eminentemente planetária. E isso não só porque as nações são, cada vez mais, espaços abertos que permitem a circulação de pessoas de outras países e continentes, mas também porque o sofrimento de outros povos deve constituir para todos uma emergência para a acção.

Foi com estes propósitos que participei na Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas que, em 2001, aprovou a Declaração de Compromisso sobre HIV/SIDA; na Reunião de Alto Nível, em 2003, que avaliou o seu grau de aplicação; na Conferência Internacional de Barcelona, em 2002; e na Conferência promovida pela Presidência Irlandesa da União Europeia sobre HIV e SIDA na Europa e Ásia Central, em Fevereiro de 2004.

A União Europeia está a crescer com a adesão de novos Estados membros, tendo de encarar a adopção de políticas novas para situações sociais em forte mutação.

Convivemos hoje, nos nossos países, com cidadãos de diferentes partes do mundo, pelo que devemos estabelecer estratégias nas políticas sociais, e em concreto nas políticas de saúde, que contemplem aspectos culturais e epidemiológicos diversos.

A noção de populações de risco é hoje diferente da que adoptávamos há uma década, impondo-se que a própria ideia de risco passe a incluir os efeitos da estigmatização e da discriminação a que cidadãos de Estados membros da União Europeia ou de Estados terceiros estão sujeitos por força de uma integração não conseguida.

É necessário, pois, que nos programas de prevenção, nos programas de tratamento, na luta contra o estigma e a discriminação, nas parcerias, se insira uma preocupação transversal com as comunidades imigrantes. Trata-se, afinal, de, nas novas condições de mobilidade demográfica e de convivência multicultural que estão sendo sedimentadas no Velho Continente, continuar a levar a sério os princípios inspiradores do chamado “Modelo Social Europeu” – um modo de encarar a protecção social que responsabiliza o Estado mas não prescinde da organização solidária dos cidadãos.

Nesta perspectiva, faço questão de lançar à nova Comissão Europeia um desafio para que, no quadro de uma união de povos em alargamento, possamos dar passos mais efectivos no sentido de controlar este gravíssimo problema, de forma a dispormos de um instrumento de cooperação internacional mais eficaz e a colocarmos o tema do VIH/SIDA como uma preocupação central das políticas e dos programas da União Europeia.

Numa Europa solidária e ciosa do seu modelo social, não faz sentido aceitar que haja indivíduos dispensáveis, nem riscos colectivos entregues à sua potencial fúria devastadora. A prevenção da SIDA e a luta contra os seus efeitos são, afinal, hoje, exigências básicas de cidadania – não podemos descurá-las.

Creio firmemente que a atenção informada e próxima dos problemas e das pessoas nos dá mais capacidade para agir e para alcançar resultados positivos. É o mínimo que os cidadãos do mundo têm o direito de esperar de nós. É o mínimo que os responsáveis políticos têm o dever de, inadiavelmente, pôr em prática.