Preside à Sessão Solene Comemorativa do 50º Aniversário do Hospital de Santa Maria, na Aula Magna

Aula Magna, Lisboa
08 de Dezembro de 2004


É com muito gosto que me associo às comemorações dos 50 anos do Hospital de Santa Maria, cumprimentando e felicitando todos os que aqui trabalham e contribuem para os excelentes resultados desta unidade.

Nesta oportunidade, gostaria de partilhar convosco algumas breves reflexões sobre o funcionamento do nosso sistema de saúde. Achei oportuno fazer aqui uma síntese de várias intervenções que foram proferidas em várias ocasiões.

Parece-me útil abordar, em primeiro lugar, a questão da racionalidade na decisão política.

Os Planos Nacionais de Saúde constituem um bom exemplo de racionalidade na decisão política, mas são-no num contexto em que o orçamento da saúde, a gestão dos recursos humanos, os sistemas de informação, constituem factores de menor racionalidade.

De menor racionalidade porque – vou ser sintético - a componente clínica da Saúde avançou mais rápida e consistentemente do que o seu envolvimento político e organizacional.

Devemos, então, discutir e estabelecer objectivos, desejavelmente consensuais, avaliar permanentemente os processos, corrigir o que for necessário, e modernizar as organizações.

O avanço das Ciências da Saúde e o interesse dos cidadãos não são compatíveis com orçamentos desajustados ou irrealistas, ou com sistemas de informação clínica e administrativa que não transmitam, em tempo oportuno, os diagnósticos de uma forma séria, clara e transparente.

Trabalhar de uma forma transparente, com uma linguagem acessível ao grande público e disponibilizando informação para todos os interessados, é indispensável para melhorar a confiança das pessoas e das instituições na governação e no sistema de saúde.

Sendo a Saúde, desde logo, uma área em que é naturalmente limitado o conhecimento, por parte dos doentes, sobre a doença, as alternativas de tratamento, as suas consequências e a qualidade técnica dos cuidados, então o esforço para disponibilizar informação compreensível para as pessoas é uma obrigação dos governos, das instituições e dos profissionais.

Mas esta é, também, uma questão fulcral para o exercício dos direitos de cidadania e do desenvolvimento da investigação, pelo que devem ser ultrapassadas as debilidades de fontes documentais, já que dificultam ou até inviabilizam o trabalho dos órgãos de acompanhamento, das redes académicas e das equipas independentes.

Penso igualmente ser necessário, e esta é a minha segunda reflexão, que a abordagem da saúde se realize através dos ganhos em saúde.

Esta metodologia permite, por exemplo, ajustar o financiamento aos resultados que se pretendem obter.

De outra forma, poderemos estar apenas a injectar dinheiro no sistema, sem que daí resulte necessariamente algo de relevante para os cidadãos.

Por outro lado, é indispensável o trabalho em rede na saúde, articulando-a, em especial, com as escolas e a segurança social, porque só se alcançam progressos em saúde com essas três áreas a trabalhar em conjunto.

Mas é necessário, também, que não encaremos os cuidados de saúde como uma mera prestação de actos médicos, em que, de forma avulsa, se somam cirurgias, consultas ou transplantes. É necessário olhar para a saúde e para a prestação de cuidados na perspectiva da gestão da saúde e da doença. E há doenças que são importantes, quer do ponto de vista da vida das pessoas, quer do ponto de vista do seu impacto económico, sendo que o sistema e os profissionais de saúde não o devem ignorar.

Aliás, não haverá progresso, não só na qualidade dos cuidados médicos, como também na contenção de gastos, se não houver um investimento claro na investigação clínica, sobretudo na formação pós-graduada dos médicos.

E chego à terceira reflexão: é necessário avaliar com rigor o processo de mudança.

Os modelos de sistemas de saúde são o fruto de circunstâncias históricas próprias e, em Portugal, optámos – e bem, dadas as especificidades da sociedade portuguesa - por um modelo que confere ao Estado especiais responsabilidades na protecção da saúde dos cidadãos.

Mas esse papel do Estado, que não dispensa uma orientação estratégica clara, não é incompatível com um processo de modernização da gestão pública que utilize modelos e regras próprias do direito privado.

Encontrar este caminho de conciliação entre a indeclinável responsabilidade social do Estado e as vantagens da flexibilidade organizativa e de gestão não é tarefa fácil, mas as exigências da universalidade do acesso aos cuidados, por um lado, e da procura da eficiência, por outro lado, obrigam-nos a estudar e a procurar fórmulas ajustadas quer às necessidades dos cidadãos que necessitam de cuidados de saúde, quer às expectativas dos portugueses, enquanto contribuintes, relativamente à boa utilização dos dinheiros públicos.

Os resultados conseguidos nas últimas décadas na Saúde dos Portugueses não foram obra do acaso. Foram o resultado de políticas ajustadas ao desenvolvimento do País, do trabalho de profissionais de saúde de excelente qualidade, do investimento realizado em equipamentos necessários.

A verdade é que, em simultâneo, o acesso aos cuidados de saúde degradou-se, sendo que o conhecimento das listas de espera para consultas e para intervenções cirúrgicas nos permitiu avaliar toda a gravidade do problema. Por outro lado, os gastos públicos cresceram, também, muito mais do que a economia nacional o permitia.

A necessidade da mudança era pois sentida por muitos e torna-se inevitável.

Porém, o Estado não deve passar de um modelo essencialmente de prestação pública para um modelo de regulação de um sistema misto, sem que antecipe os problemas, reuna o conhecimento e a informação necessários para lidar com uma situação nova e complexa e avalie, permanentemente, o impacto da mudança.

É importante que se instale uma cultura de avaliação e de prestação de contas.

Conhecer com rigor os resultados das reformas é matéria fundamental, já que se pretende alcançar um funcionamento diferente, que melhore os efeitos sociais do funcionamento do sector público.

Da avaliação devem ser retiradas consequências e ela deve funcionar como um processo de fundamentação das próprias decisões, de modificação e aperfeiçoamento das políticas públicas, de melhoria da resposta dos serviços, de produção de conhecimento e de responsabilização perante a comunidade.

E esta responsabilização perante a comunidade, a prestação de contas, deve constituir uma forma de exposição democrática à luz crítica do exame público.

Todos nos devemos sentir empenhados em que a confiança dos cidadãos, em especial a confiança dos doentes no seu sistema de saúde, se reforce e que a resposta dos serviços se aproxime, tanto quanto possível, das suas expectativas e das suas efectivas necessidades.

Quero deixar aqui um expressivo sinal de reconhecimento público a todos os que neste Hospital, ao longo de várias gerações, trataram com tanta dedicação, competência e carinho, milhares de Portugueses.

Por isso, tenho o gosto de atribuir ao Hospital de Santa Maria o grau de Membro Honorário da ordem de Mérito.