Mensagem de Ano Novo 2005

Palácio de Belém
01 de Janeiro de 2005


Portugueses

Neste dia que marca um novo começo que se partilha com todos a quem nos sentimos ligados, desejo-vos um Bom Ano Novo, um ano melhor do que aquele que ontem findou. 2004 foi, de facto, um ano duro e difícil para muitos portugueses. Quero, antes de mais, dizer-vos uma palavra forte de solidariedade, que dedico especialmente aos mais desprotegidos, aqueles que mais sofrem as dificuldades e as carências. Quero que saibam que não vos esqueço e que, na minha acção quotidiana, vos tenho sempre presentes.

Esta mensagem, que leva a minha saudação a todos os portugueses com calorosos votos de felicidades, ecoa a esperança própria desta época e deste dia inicial do novo ano. Mas para que a esperança possa ser mais fundamentada, sólida e concreta, esta deve ser também uma oportunidade de balanço e de reflexão.

É ainda a ocasião de fazer a todos um apelo veemente para que assumamos as nossas responsabilidades face aos desafios que 2005 nos traz. É essa reflexão e esse apelo que tenho o dever de partilhar hoje convosco, num momento muito exigente para Portugal.

Este é um tempo de mudança profunda nas relações internacionais, que condiciona a evolução da Europa e, inevitavelmente, a do nosso país.

Portugal é, e ainda bem, parte integrante da União Europeia, mas a nossa própria capacidade de resposta à conjuntura internacional tem sido tardia e lenta, e também marcada pela instabilidade política. Para inverter esta tendência que se reflecte na situação económica e social, é forçoso que nos empenhemos num esforço de modernização e desenvolvimento.

Em primeiro lugar, é preciso mudar as atitudes, na política, na economia, na sociedade.
Temos de ultrapassar, por exemplo, velhos reflexos que tendem a subordinar o funcionamento do nosso sistema de protecção social a interesses corporativos instalados ou a soluções desactualizadas e sem futuro.

Nesse sentido, para podermos assegurar uma cidadania plena, são necessárias políticas mais aptas a responder às novas situações, e às novas necessidades. Quanto ao nosso modelo social e ao Estado de bem-estar, temos de os modernizar, não para os destruir, mas para assegurar a sua continuidade e sustentabilidade.

Em segundo lugar, é preciso construir um novo contrato social. As mudanças indispensáveis à recuperação da competitividade e da produtividade, essenciais para o crescimento económico, exigem uma forte contratualização política e social.

O Estado tem a responsabilidade de promover, reunindo nomeadamente o conjunto das associações empresariais e sindicais, os termos de uma responsabilidade comum que se possa traduzir num compromisso de progresso.

Temos de fortalecer os vínculos da coesão social e geracional, sem os quais nenhum projecto colectivo tem sentido. Para realizar as reformas necessárias e concretizar um novo ciclo de modernização, a democracia portuguesa deve definir e enquadrar esse contrato social, que permita aliar a justiça e a responsabilidade, o trabalho e a solidariedade, a inovação e a competitividade.

Em terceiro lugar, é preciso restaurar a estabilidade política. Para todos os democratas, a estabilidade política é uma condição e um valor, embora não absoluto. É sobretudo um valor nestes tempos marcados por uma forte influência externa e por uma crescente incerteza.

Tive de enfrentar uma sucessão imprevista de crises governamentais e assegurar, por todos os meios constitucionais, o máximo de estabilidade política e institucional. Fi-lo, tendo em conta o interesse nacional, em nome da necessidade de responder à preocupante situação económica e orçamental, que é estrutural e que ameaça condicionar duradouramente o nosso desenvolvimento.

Em democracia, todas estas situações críticas, têm uma saída. A possibilidade de assim ser passa agora pelo voto livre dos portugueses, que aliás sempre têm revelado uma grande sabedoria nas suas escolhas. Estou certo de que a legitimidade democrática renovada da próxima Assembleia da República pode e deve criar as condições políticas necessárias para responder, decisivamente, à presente situação. Além disso, iniciar-se-á um mandato de quatro anos, tempo indispensável para executar políticas consistentes e obter os consensos necessários.

A crise económica e social, e nomeadamente a orçamental, também têm uma saída. Precisamos de definir o horizonte da nossa acção, com metas positivas que possam mobilizar a comunidade nacional. Temos desafios de curto, médio e longo prazos. Mas todos eles começam a vencer-se hoje, pois são interdependentes, sendo uns condição dos outros. Falo-vos um pouco detalhadamente destes desafios nas áreas económica e financeira, pois reclamam a nossa atenção urgente e a nossa acção imediatas.

Neste domínio, os nossos dois grandes objectivos são: finanças sãs e economia competitiva. Para tanto, a economia portuguesa precisa de crescer mais e melhor. Isso é indispensável para aumentar o nível e a qualidade de vida dos portugueses, para ajudar a corrigir os desequilíbrios nas finanças públicas e nas contas externas, para voltar a aproximar o nosso rendimento per capita da média europeia. Precisamos igualmente de uma economia mais dinâmica para criar mais e melhores empregos e voltar a uma taxa de desemprego mais baixa. Esta é uma questão fundamental. E também só com maior crescimento económico, será possível reduzir o défice público.

Temos de crescer melhor do que em 2004. Devemos, por isso, evoluir para um crescimento mais baseado na procura externa do que na interna, mais estimulado pelo investimento produtivo e pelas exportações do que pelos consumos privado e público.

Mas, para que possa haver mais e melhor crescimento económico não podemos continuar a viver com os défices e a dívida pública que acumulámos nos últimos anos. Infelizmente, o ano de 2004 também ficou aquém do que se esperava. Sabemos que não é fácil fazer a consolidação orçamental num contexto de fraco crescimento económico e de rigidez da despesa pública. Porém, a dificuldade da consolidação orçamental não pode justificar que se vão adiando as verdadeiras soluções, recorrendo-se a mecanismos contabilísticos, que podem servir para atenuar momentaneamente a situação, mas não resolvem o problema de fundo. Há que ter a coragem de tomar medidas difíceis.

Em economia e finanças não há milagres. Apesar dos esforços realizados e dos custos sofridos nos últimos anos, nomeadamente na administração pública, a consolidação orçamental está muito longe de estar concluída e, como é praticamente reconhecido por todas as forças políticas e sociais, tem de continuar, mas de forma estratégica, equilibrada e justa para poder ser aceite por todos.

Nos últimos anos empenhei-me em promover algum entendimento, quanto a estes grandes desafios, entre as principais forças políticas. Tal entendimento não visa esbater as suas saudáveis diferenças programáticas nem substituir o combate político democrático entre elas.

Pretende, nesta matéria, melhorar regras e metodologias de gestão orçamental, despolitizar questões estritamente técnicas, aumentar a transparência das contas públicas e acordar alguns princípios fundamentais em domínios, como, por exemplo, os da evolução da dívida pública, do financiamento das Autarquias Locais e das Regiões Autónomas, da gestão do sector da saúde ou da sustentabilidade da segurança social. Em tudo isto deve haver uma perspectiva de médio e longo prazos que transcende a duração normal da legislatura. Após as eleições legislativas e independentemente dos seus resultados, continuo disponível para ajudar à obtenção do mencionado entendimento, caso haja e se manifeste claramente uma coincidência de vontades nesse sentido por parte dos principais partidos políticos. O saneamento das finanças públicas exige rigor, realismo e grande sentido de responsabilidade de todos as forças políticas e sociais. Só assim será possível reencontrar a estabilidade financeira, renovando a confiança dos portugueses.

Não podemos esquecer que o principal desafio da economia portuguesa para aumentar o seu crescimento efectivo e potencial está na eliminação dos défices de produtividade e de competitividade. Importa reconhecer que, sem uma economia eficiente e competitiva, é mais difícil sanear as finanças públicas e não é possível melhorar duradouramente o emprego e o nível de vida dos portugueses.

Precisamos que todas as partes assumam as suas responsabilidades neste desafio. Os responsáveis pelas políticas públicas têm de ter uma linha de rumo definida e atitudes firmes, credíveis e consistentes.

A este propósito, sublinho a importância da qualidade do desempenho das instituições para o desenvolvimento económico a médio e longo prazos, nomeadamente as que têm a ver com a independência e a rapidez da justiça, a qualidade da educação e dos recursos humanos, a eficiência da administração pública, o desenvolvimento da investigação e da inovação científica e tecnológica.

Os empresários têm que desempenhar um papel decisivo na modernização da economia portuguesa. É fundamentalmente nas empresas, pela dedicação e esforço conjunto dos empresários e dos trabalhadores, que se vence ou não o desafio da produtividade e da competitividade. Temos excelentes empresários e boas empresas, mas são necessários mais.

Precisamos dos empresários que sejam capazes de enfrentar os desafios e de aproveitar as oportunidades; que apostem fortemente na qualificação dos seus colaboradores e na inovação tecnológica e comercial; que se preocupem com a responsabilidade social e ambiental das empresas e cumpram as suas obrigações fiscais; que não temam a concorrência leal e acreditem nas vantagens da internacionalização das empresas; que ambicionem a reestruturação e a modernização empresariais para aumentar a competitividade.

Os trabalhadores têm direito à justa remuneração do seu trabalho e ao decisivo respeito dos seus direitos sociais, mas precisamos igualmente da motivação, do empenho, do esforço e da sua qualificação profissional.

É o encontro destas duas componentes e destas duas forças que constitui a condição para melhorar o desempenho das nossas empresas e da nossa economia.

Portugueses,

É nos momentos difíceis que as qualidades dos povos melhor se revelam. Vivemos um desses momentos. Temos dificuldades, exigências e desafios inadiáveis. Todavia, na nossa história remota ou recente, já passámos por muitas crises e sempre as superámos. Não tenho dúvidas de que também assim será desta vez. Mas temos todos de trabalhar mais e melhor, de recusar a resignação e o pessimismo, de ter o ânimo, a confiança e a determinação indispensáveis para vencer, não adiando mais o que todos sabemos ser indispensável fazer. Precisamos de levar à prática uma nova eficácia reformista, fazendo prevalecer a autoridade democrática sobre a rede dos poderes instalados.

Pela minha parte, fiel às minhas convicções de sempre, continuarei a trabalhar para garantir a estabilidade política e a solidariedade institucional, para assegurar o regular funcionamento das instituições, incentivar a boa governação e promover as melhores práticas para que possamos ter uma economia mais inovadora e mais competitiva, uma sociedade mais justa e mais solidária, uma democracia com maior participação e maior qualidade, uma cidadania mais activa, que se traduza numa cultura de responsabilidade, de exigência e de avaliação.

As eleições legislativas de Fevereiro próximo serão uma boa oportunidade para os partidos políticos apresentarem aos portugueses programas de acção claros, apontando os objectivos prioritários e as políticas públicas para os alcançar, propondo as linhas de orientação das principais reformas e as medidas que propõem para as realizar. Uma nova legitimidade política poderá e deverá contribuir decisivamente para a solução dos nossos problemas.

Com as eleições à porta, peço aos portugueses que se informem, que avaliem o realismo das promessas e a justeza das propostas, que ajuízem da credibilidade e da competência dos protagonistas políticos, que escolham de acordo com o que consideram melhor para Portugal. Peço aos portugueses que participem, que debatam, que votem. A vossa escolha é, garanto-vos, fundamental para o futuro dos nossos filhos.

Termino esta mensagem com uma palavra e um voto. Um voto renovado de Bom Ano de 2005 para todos os portugueses, vivam onde viverem, e também para os imigrantes que estão entre nós, respeitando as nossas leis e ajudando-nos com o seu trabalho. Dirijo igualmente uma saudação calorosa aos militares portugueses que integram missões internacionais de paz.

A palavra final é de esperança. Uma esperança alicerçada na confiança em nós-mesmos, no sentido de comunidade nacional que partilhamos, na ambição de construirmos um Portugal melhor. Essa esperança é inabalável. Porque, como disse um dia Sophia de Mello Breyner, não há força maior do que a daqueles que estão unidos por uma esperança comum.

Bom Ano para todos !
Bom Ano para Portugal !