Discurso de SEXA PR por ocasião da Cerimónia de Apresentação de Cumprimentos de Ano Novo do Corpo Diplomático

Palácio Nacional da Ajuda
06 de Janeiro de 2005


Senhor Núncio Apostólico
Senhoras e senhores Embaixadores e Chefes de Missão

Agradeço-lhe, Excelência reverendíssima, os votos amigos que me endereçou em nome do Corpo Diplomático acreditado em Lisboa. Gratamente os retribuo, pedindo a todos vós que saúdem, em meu nome, os Chefes de Estado que aqui representam, e lhes transmitam os meus votos de paz e prosperidade no novo ano que agora começa.

Esta passagem de ano foi tristemente marcada pela tragédia que se abateu sobre o Sudeste Asiático. Dirijo uma palavra sentida de pesar e solidariedade aos países atingidos pelo maremoto de 26 de Dezembro. A dimensão colossal da catástrofe desafia a imaginação e requer um enorme esforço de solidariedade internacional para lidar com as situações de emergência humanitária que afectam milhões de pessoas e para reabilitar as áreas devastadas. Peço agora a todos os presentes que guardem um minuto de silêncio em homenagem às vítimas.

Excelência
Senhoras e Senhores Embaixadores

Permitam-me que inicie estas palavras, destacando muito brevemente alguns acontecimentos do ano de 2004.

No universo dos países de língua portuguesa — em que o forte crescimento económico registado pelo Brasil é motivo de satisfação —, gostaria de referir, pelo seu significado, as eleições legislativas e presidenciais que tiveram lugar em Moçambique. Dirijo uma palavra de homenagem ao Presidente Joaquim Chissano, a quem Moçambique muito deve e que se retirou com exemplar dignidade da vida política activa; e uma palavra de felicitações ao seu sucessor, Armando Guebuza, a quem dirijo votos amigos de sucesso. No plano oposto, refiro, como fonte de preocupação, a situação na Guiné Bissau, que continua afectada por uma perigosa instabilidade. Na sequência das eleições legislativas realizadas naquele país em 2004, em circunstâncias reconhecidamente difíceis, apelo à comunidade internacional para ajudar a recuperar a sua economia e a estabilizar a sua vida política.

No quadro europeu, 2004 foi um ano rico em acontecimentos: quero destacar, em primeiro lugar, a concretização do alargamento da União Europeia; a assinatura do Tratado de Constitucional; e, por fim, a decisão de entabular negociações com a Turquia com vista à adesão à União Europeia. Este conjunto de decisões mostra existir da parte da União uma forte dinâmica politica e a vontade de ajustar o projecto de integração às realidades do nosso tempo. Há agora que proceder à ratificação do Tratado Constitucional, de modo a dotar a Europa a 25 de um quadro institucional duradouro, capaz de responder aos desafios com que está confrontada. Ainda na Europa, é devida uma menção aos acontecimentos na Ucrânia, demonstração eloquente da capacidade de mobilização dos ideais democráticos.

No plano mundial, a actualidade continuou marcada pela ameaça do terrorismo internacional, pela crise no Iraque, e pelo impasse no conflito entre Israel e o povo palestiniano, três situações que se alimentam mutuamente e contribuem para alguma crispação nas relações entre o Ocidente e o Islão. Para vencer o desafio do terrorismo internacional — que em 11 de Março enlutou a Espanha — temos de fazer nossos aliados todos os muçulmanos que rejeitam as concepções fanáticas de que ele se alimenta e que os ameaçam tanto ou mais do que a nós. Para que tal aconteça, será necessário reforçar o diálogo entre o Ocidente e o Islão, de modo a vencer preconceitos e encontrar plataformas de entendimento para uma acção comum contra o terrorismo. Enquanto, no Iraque, existe o risco de as próximas eleições ficarem reféns do clima de violência ali instalado, no conflito entre Israel e o povo palestiniano há algumas razões de esperança de que, em 2005, seja possível quebrar o impasse que se verifica desde o início da década.

No âmbito económico, persiste a conjuntura de fraco crescimento económico na zona euro, com as consequentes dificuldades de alguns países em cumprirem as metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, iniciou-se um processo de depreciação do dólar, e continuaram a afirmar-se novos pólos de dinamismo na Ásia, em particular na China e na Índia. O relançamento do crescimento económico, através da concretização da Agenda de Lisboa, deve claramente constituir a principal prioridade da União Europeia nesta domínio.

Excelência Reverendíssima
Senhoras e Senhores Embaixadores

Esperemos que 2005 possa marcar o início de um novo ciclo da vida internacional, marcado por uma maior coesão da Comunidade Internacional em torno de alguns princípios e objectivos que, no meu entender, são essenciais para criar um mundo mais pacífico, mais próspero e mais justo.

Num mundo cada vez mais globalizado, em que a prosperidade de cada país é profundamente condicionada pela economia global, em que as crises locais se repercutem a nível global, em que a informação é instantânea e amplamente acessível, todos sentimos ser necessário encontrar formas de melhorar a governabilidade a nível mundial.

Uma vez que os Estados continuam a ser as unidades básicas da política internacional, a diplomacia multilateral, que foi uma das grandes inovações políticas do século XX, permanece como o principal instrumento para conjugar vontades e dirimir os conflitos da comunidade internacional. O multilateralismo é um método para conduzir a política internacional segundo regras cooperativas e, por assim dizer, democráticas. Tal como as regras processuais são da essência da democracia no plano interno, o multilateralismo deve ser o método privilegiado na conduta dos assuntos internacionais.

Não se trata de fazer depender qualquer decisão de um consenso universal. Isso significaria, em muitos casos, a paralisia. Mas é preciso encontrar plataformas de entendimento suficientemente amplas para que as decisões tomadas tenham uma base de legitimidade suficiente, sejam mobilizadoras para os actores principais no sistema internacional e tenham condições de efectiva aplicação.

Julgo que, neste plano, os objectivos que nos devem unir são, por um lado, os de promover valores de paz, de democracia, de respeito pelos direitos humanos e de solidariedade internacional e, por outro, de fazer frente às ameaças à segurança colectiva com que estamos confrontados, claramente enunciadas no recente relatório de sábios sobre a reforma das Nações Unidas.

As questões de segurança colectiva, que, após o 11 de Setembro, têm dominado a agenda internacional não devem contudo relegar para um plano secundário a problemática do desenvolvimento económico e social. Penso que chegou a altura de colocar de novo no centro da agenda internacional a luta contra a pobreza e a doença. Junta-se aqui um imperativo moral com um interesse político de longo prazo.

De acordo com o calendário anteriormente fixado, 2005 será a altura de avaliar o progresso feito para atingir os objectivos do milénio. É importante que toda a Comunidade Internacional se mobilize para alcançar essas metas, de importância vital para o bem-estar da humanidade.

Julgo que chegou também o momento de examinar, sem preconceitos, se o financiamento de bens públicos internacionais deve continuar apenas dependente da generosidade dos Estados. As propostas apresentadas na declaração de combate contra a fome, iniciativa do Brasil, no sentido de tributar as transacções monetárias internacionais devem continuar a ser debatidas e elaboradas.

É também de importância vital para promover um desenvolvimento mais equilibrado à escala mundial a conclusão das negociações de Doha, que dão prioridade a questões decisivas para os países em vias de desenvolvimento como a liberalização dos mercados agrícolas internacionais. A liberalização do comércio mundial, contratualizada no âmbito da OMC, é um mecanismo fundamental para promover o desenvolvimento económico à escala mundial.

Para levar a cabo esta ambiciosa agenda no plano internacional, será preciso uma grande mobilização de esforços. Um progresso durável das condições de governabilidade internacional exige, neste início do século XXI, o reforço, a nível regional e global, de instâncias de cooperação institucionalizadas.

Os ideais da democracia, do respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito continuam a ser os mais mobilizadores à escala universal. Vemos que a democracia, que ainda há 30 anos atrás preenchia limitados espaços geográficos e reunia uma minoria de países, se vem expandindo de modo continuado, abarcando agora zonas muito mais vastas e estados de diversa tradição cultural. Hoje são já seguramente cerca de 60, presentes em todos os Continentes, os países que possuem sólidas práticas democráticas e muitos mais os que caminham nesse sentido de forma que — podemos esperá-lo — seja irreversível a presente tendência.

Neste contexto, os laços naturais de solidariedade existentes entre as democracias devem ser potenciados, de modo a que estas possam funcionar, em conjunto, como motor de um renovado e efectivo multilateralismo e, bem assim, padrão e exemplo para todos os países — e são a maioria — que querem aceder a ou consolidar esse sistema de governo.

Se este é um domínio de responsabilidades partilhadas por todos os membros da comunidade internacional, o concurso dos EUA e da UE é fundamental para que esta agenda de progresso e de justiça se possa concretizar.

Excelência Reverendíssima
Senhoras e senhores embaixadores

Uma palavra final sobre Portugal. Fiéis à nossa tradição humanista e universalista, daremos um contributo empenhado para que 2005 seja um ano de paz e de progresso. A globalização não anula o interesse nacional mas obriga-nos a considerá-lo numa perspectiva mais ampla. Quer no âmbito da União Europeia quer no plano estritamente nacional, estaremos sempre disponíveis para, através do diálogo, encontrar soluções que, servindo os nossos interesses, sirvam também o interesse colectivo. Queremos consolidar os nossos laços de amizade com todos os países que connosco partilham valores ou uma vontade política de leal cooperação e, em particular, aqueles que nos são próximos, do ponto de vista geográfico, histórico e cultural, como os países de língua portuguesa, os nossos parceiros na União Europeia e os nossos aliados. Queremos trabalhar para que a União Europeia continue a ser um projecto de integração aberto e solidário. Queremos contribuir para um diálogo frutuoso entre o Ocidente e o Islão. Na medida das nossas capacidades, continuaremos empenhados na luta contra a pobreza e contra a doença, em particular o HIV-SIDA, a tuberculose e a malária. Continuaremos também a dedicar uma particular atenção a África, onde estas questões assumem uma enorme e urgente dimensão.

Antes de terminar, quero recordar aqui, com gosto, as visitas de Estado que tive oportunidade de efectuar em 2004 à Noruega, a Cabo Verde, ao Luxemburgo e a Itália, bem como aquelas que ocorreram noutros quadros: a Espanha, por diversas ocasiões, à Polónia, a França, à Grécia, a São Tomé e Príncipe e ao Vaticano. Uma palavra amiga também para os Chefes de Estado que tive o prazer de receber em Lisboa no corrente ano: os Presidente da República Checa, da Croácia, da Polónia, da Letónia, de Moçambique, de Malta, da Áustria, da Federação Russa e da Bulgária. Recordo também com gosto as visitas do Príncipe herdeiro do Japão, e do Vice-Presidente do Brasil. Todas elas cumpriram o desígnio de estreitar relações, alargar entendimentos, aprofundar amizades.

Agradeço a vossa presença e desejo-vos a todos um óptimo ano de 2005. Obrigado pela vossa atenção e bem hajam.