Discurso proferido por Sexa o PR por ocasião da Sessão solene de Abertura do Congresso "Cidadania Activa Direitos e Responsabilidades - Açores 2005"

Universidade dos Açores (Aula Magna)
24 de Janeiro de 2005


Quero saudar vivamente a realização deste Congresso da Cidadania que considero, a diferentes títulos, digno da maior atenção, apoio e acompanhamento. A minha presença aqui procura de algum modo dar testemunho do inestimável apreço institucional que a iniciativa merece.

O vasto conjunto de temas em que o Congresso se desdobra encontra num conceito moderno de cidadania activa o denominador comum que lhe dá coerência e sentido. Ora, esta visão da cidadania tem sido, ao longo de dois mandatos, uma preocupação sempre presente na minha intervenção pública.

Considero que o país consome demasiado tempo e energias em discussões e conflitualidades cujo destino comum é inevitavelmente o do desaparecimento como espuma, mediática mas inconsequente, enquanto os problemas sérios com que o país se debate e as questões que verdadeiramente importa discutir nos passam muitas vezes despercebidos.

A participação na vida política, a discussão dos temas que, nos planos nacional, regional e local, interessam à comunidade não são tarefas ou incumbências reservadas às direcções e aparelhos partidários, mas devem ser entendidas como exigências que convocam o interesse e o empenhamento de todos, a título permanente.

Em todo o caso, não podemos ter a ilusão de uma geração espontânea de um interesse generalizado e activo sobre as coisas da vida pública por parte do cidadão comum e não podemos, por conseguinte, balizar o conteúdo da acção política ignorando o afastamento, que não é exclusivo da sociedade portuguesa, mas que indiscutivelmente existe entre governantes e governados, entre agentes e protagonistas políticos e a generalidade dos portugueses.

Daí que, sobretudo nos períodos, como o que vivemos, em que os portugueses são chamados a definir o rumo político para os próximos anos, a consciência desse afastamento e da necessidade de o reduzir ou eliminar seja particularmente aguda.

Não podemos satisfazer-nos com uma campanha eleitoral limitada ou demasiado concentrada em acontecimentos ou afirmações exclusivamente dirigidos a produzir efeitos mediáticos e a obter ganhos políticos fáceis. Até porque o povo português já demonstrou sobejamente a pouca simpatia que nutre por essas práticas que, normalmente, resultam mesmo em efeitos eleitorais de sentido contrário. Seria uma pena que, perante os graves problemas que nos afectam, este período que, por excelência, deve ser um momento de confronto enérgico, mas sereno, de ideias, propostas e programas, fosse mais uma vez desperdiçado em querelas e iniciativas meramente tácticas e eleitoralistas.

Não cabe ao Presidente da República, que chamou o Povo português a eleições, ter nestas um qualquer papel activo e participante. Ao Presidente da República, ao Governo, a todas as entidades públicas exige-se, particularmente nestas ocasiões, um especial cuidado de isenção, de sobriedade, de sentido de interesse público.

Mas enquanto Presidente da República, entendo ter uma especial responsabilidade neste apelo a um exercício consciente de cidadania activa, que dirijo primacialmente aos cidadãos, mas cujo sucesso depende, em grande medida, do comportamento das forças políticas concorrentes.

Aquilo que verdadeiramente importa aos portugueses e à sociedade portuguesa são os problemas da justiça, da educação, do desenvolvimento e do emprego, da exclusão social, da integração europeia, das finanças públicas, para mencionar alguns dos mai incontornáveis.

É sobre esses problemas que os portugueses necessitam de conhecer, com clareza e rigor, os programas, as propostas, os objectivos e as opções dos diferentes partidos políticos, bem como a correspondente capacidade para os levar a cabo ou contribuir para alcançar. Não há possibilidades objectivas de um exercício adequado da cidadania se estes requisitos de conhecimento e transparência não estiverem, à partida, assegurados.

O Congresso que hoje aqui se iniciou é um exemplo feliz de que é possível associar cidadãos, especialistas, comunidades e associações cívicas à discussão das grandes questões do nosso tempo nos diferentes planos comunitários em que eles se reflectem. É por isso que, para além da diversidade e importância dos temas tratados, há uma outra característica deste Congresso que me apraz registar e saudar e que é a sua preocupação básica em se instituir, ele próprio, à partida, como modelo organizativo e funcional de descentralização, participação e associação às comunidades locais.

Mas o mais impressivo dos aspectos que em meu entender emerge implicitamente desta iniciativa, e para que gostaria de chamar aqui a vossa atenção, é essa nova forma de encarar a relação entre autonomia regional e Estado, bem como uma nova e revitalizada forma de conceber a integração funcional do Ministro da República —futuro Representante da República— na Região.

Desde logo, a realização deste Congresso é, em si, sintoma evidente desse impulso revitalizador de um órgão e uma função —o Ministro da República e a representação da República na Região— que, para além das tarefas e competências específicas que lhe são expressamente atribuídas na Constituição e no Estatuto da Autonomia, tem à sua frente todo um vasto domínio de iniciativa, intervenção e influência política, cultural e social não negligenciáveis.

Por outro lado, esta iniciativa convoca indirectamente uma reflexão mais profunda sobre a matriz do relacionamento institucional entre Estado e Regiões Autónomas.

De algum modo condicionadas pela pressão de um pretenso pretenso conflito entre Estado e regiões Autónomas, as várias revisões constitucionais procuraram responder-lhe através de sucessivas alterações no sistema das autonomias regionais nem sempre bem sucedidas e de sentido muitas vezes falho de coerência.

Porém, não obstante a ausência de um sentido evolutivo claro e acessível no estatuto das autonomias regionais, pode dizer-se que a última revisão instituiu um sistema que, não sendo, como qualquer outro, perfeito, dificilmente pode ser alterado, pelo menos de forma substancial, sem provocar rupturas incompatíveis com a natureza de um Estado unitário com Regiões Autónomas. No domínio da racionalização do funcionamento do sistema político regional, das competências legislativas e da representação da República a última revisão constitucional foi até onde se pode legitimamente ir sem pôr em causa a subsistência do Estado unitário e do valor constitucional que representam as autonomias regionais.

No entanto, perante o novo quadro são sempre possíveis duas atitudes: ou tomar a última revisão constitucional como mero apoio instrumental de um interminável processo de formulação de sucessivas novas reivindicações e propostas de alteração constitucional ou, ao invés, considerá-la como esforço derradeiro que sela de forma globalmente positiva um longo processo de evolução e maturação institucionais.

A segunda via, a que nos últimos anos dediquei muito do meu esforço de concertação e confluência de posições, reconhece que, ao fim de trinta anos de evolução, a pretensa querela constitucional sobre as Regiões Autónomas pode ser dada por encerrada e o futuro deste relacionamento pode e deve, da parte de todos, ser encarado com uma atitude qualitativamente diferente.

Os problemas que afectam as populações das Regiões Autónomas têm uma irredutível especificidade, mas, no fundo nem são substancialmente diversos dos que afectam a generalidade da população portuguesa, nem podem ser resolvidos à margem do esforço comum de um Estado empenhado num processo de integração europeia num quadro de uma globalização cada vez mais exigente e desafiadora.

E, sobretudo, não podem ser abordados com a ilusão de que as dificuldades se resolvem com disputas de competências, engenharias constitucionais ou discursos contra moinhos de vento.

No ambicioso programa de realizações deste Congresso da Cidadania —e, permitam-me que o diga já, nas intervenções e na brilhante conferência que acabámos de acompanhar— revejo, sem dificuldade, uma identificação global com esta nova atitude que proponho e com o sentido dos esforços que tenho desenvolvido ao longo destes anos. Trata-se, no essencial, de uma visão moderna, competitiva, que acredita que o futuro comum é tarefa de todos e se bate conscientemente por ele.

Pela multiplicidade e diversidade das realizações em que este Congresso se traduz, pela riqueza dos contributos e reflexões que serão carreados pelos seus participantes e pelo empenho e entusiamo que nele puseram os seus promotores e as entidades que o apoiam, estou seguro e confiante que o Congresso da Cidadania será um momento importante do virar de página que, penso, todos de algum modo assumimos e desejamos.