Sessão comemorativa do Ano Internacional da Física

Lisboa
14 de Março de 2005


É com muito gosto que me associo à Comemoração do Ano Internacional da Física. Faço-o com a satisfação de reconhecer na designação de 2005 como Ano de referência para a Física a ambição de realçar a importância da física e da ciência para a sociedade em que vivemos. Faço-o também com a noção do dever que me compete de assegurar que não pode haver descuidos na luta pela racionalidade e pela integração no nosso corpo cultural das componentes científicas essenciais à compreensão do mundo em que vivemos.

Porque é preciso perceber que é no ataque à ciência que se esconde a vontade de um regresso a um passado que já não existe, a um fantasma ilusório, individualista e fragmentário.

A sustentabilidade no nosso planeta está indissociavelmente ligada à actividade científica e nesta, a física tem um papel relevante, dada a sua natureza.

Conforme tive ocasião de afirmar por ocasião doutra comemoração, a do Ano Mundial da Matemática, em 2000, a ciência tem que ser assumida como um vector básico da caminhada para o futuro. De facto, a prática científica tem a si associada duas características fundamentais que a tornam uma parceira indispensável de qualquer construção societal futura.

Em primeiro lugar, o uso sistemático de instrumentos – o seu carácter experimental – para observar, interrogar e interactuar com a realidade que nos rodeia; em segundo lugar, a utilização desimpedida e sem fronteiras da publicação dos seus resultados e das suas interrogações.

Se o uso de instrumentos nos deu a faculdade de constatar que o mundo em que vivemos possui dimensões muito diferentes da nossa escala humana – o caminho para o infinitamente grande, bem como para o infinitamente pequeno – dimensões às quais temos hoje possibilidade de transformar a natureza e produzir novos artefactos, por outro lado, o carácter público da disponibilidade do conhecimento científico garantiu e garante a sua validade e permite uma avaliação da qualidade, isto é, do valor da novidade que se cria com a sua circulação na sociedade.

Estes importantíssimos valores estão assim inscritos na matriz da nossa continuação sobre a Terra mercê do gosto com que usemos e pratiquemos a ciência. A necessidade de divulgar e publicar os resultados científicos, bem como de tornar conhecidos do público as opiniões e interrogações dos cientistas, a importância de avaliar os impactos dos grandes projectos e sistemas tecnológicos e, sobretudo, de analisar os progressos científicos em termos das implicações para a sustentabilidade são reais, prementes e sérias.

A opinião pública, os segmentos profissionalizados da população, os actores e agentes económicos e culturais, a comunidade científica, não se podem alhear nem alienar das grandes questões da ciência, ou daquelas que envolvem criticamente a ciência. O reforço da componente científica na cultura como um todo, é uma tarefa primordial para as comunidades que querem continuar a ser avançadas.

Tal acontece porque vivemos num regime em que está instituída a mudança, em que a coesão se obtém num quadro de uma intensa comunicação entre os cidadãos e as suas instituições. Por este motivo, porque «todo o mundo é composto de mudança», é preciso aprofundar continuamente as bases científicas do conhecimento sobre a natureza e sobre os próprios seres humanos, é preciso sistematicamente ensinar os mais novos a lerem de modo crítico e participativo os sinais e as mensagens dessa realidade que se transforma.

É este o preço que temos que pagar pela liberdade: questionar cientificamente as condições de um presente em constante alteração, rumo a um futuro que, ele próprio, será atingido apenas para proporcionar uma plataforma para novas interrogações, novas mudanças e novas caminhadas. É nesta proposta que continuamente recriamos a nossa identidade cultural. É desta aposta que surgem os novos valores e as novas percepções que iluminam os escolhos que pontuam as voltas do caminho.

Precisamos, pois, de mais ciência, de muito mais e de muito boa ciência, daquela que além de nos permitir resolver os problemas que se põem à sociedade do nosso tempo nos fornece uma visão essencialmente construtiva do mundo, baseada na afirmação sem entraves do espírito crítico e participativo.

Precisamos, assim, que muitos mais jovens se sintam atraídos e experimentem o gosto de estudar física e fazer ciências, coisa que todos os grandes físicos e cientistas do passado, de Galileu e Einstein, bem como os distintos investigadores que aqui nos acompanham sempre referem como o “prazer de um primeiro encontro”, que sempre acompanha a emoção da descoberta. Porque, e disto estou profundamente convicto, há muito mais mundo para descobrir.

Gostaria de terminar desejando os maiores sucessos neste ano Internacional da Física, e para que com ele se inicie o tempo da visão renovada de uma sociedade da experimentação, da solidariedade e da cada vez mais livre expressão da cidadania.