XXIII Encontro Nacional de Clínica Geral

Vilamoura
09 de Março de 2005


Gostaria que a minha presença nesta cerimónia fosse entendida como um sinal de reconhecimento público pelo contributo dos médicos de clínica geral para a melhoria da saúde dos Portugueses.

Em Portugal, a história das políticas e das estratégias em saúde está ligada, pelo menos desde a década de setenta do século vinte, à história dos centros de saúde e dos médicos de família.

E tenho a profunda convicção – apoiada, aliás, em evidência empírica credível - que a actividade desenvolvida nos cuidados de saúde primários tem representado um valioso contributo para os bons resultados em saúde verificados ao longo das últimas três décadas, de que tão justamente nos orgulhamos.

Todos nós - políticos, técnicos, cidadãos em geral - devemos ter a noção da importância, no sistema de saúde e nos resultados, do trabalho desenvolvido nos centros de saúde.

Sendo certo que os cuidados de saúde primários carecem de mudanças que os tornem mais efectivos, mais próximos dos cidadãos, mais disponíveis e mais centrais no sistema de saúde, a verdade é que eles passam bem sem mudanças que os descaracterizem.

Por outro lado, é importante que as reformas não esqueçam o trajecto que foi percorrido, nem as razões que o determinaram, e que não deixem, ainda, de tomar em consideração a confiança, a segurança e até o afecto que os Portugueses dedicam a certas instituições.

Porém, lê-se no Plano Nacional de Saúde 2004/2010 que “não está definida uma estratégia de integração efectiva entre o funcionamento das redes hospitalares e a prestação de cuidados de saúde primários, condição sine qua non para o aumento da eficácia e eficiência do Sistema de Saúde”.

Como é possível, trinta anos após o desenho deste sistema, mantermos praticamente o mesmo discurso e o mesmo diagnóstico do início desse período?

Mas, que lições retiramos da experiência das unidades de saúde e dos sistemas locais de saúde? Que lições retiramos da experiência do Regime Remuneratório Experimental dos Clínicos Gerais? Que lições retiramos da coordenação e da avaliação desenvolvidas pelas administrações regionais de saúde e pelas agências de acompanhamento dos serviços de saúde?

Repito o que disse noutras ocasiões e a outros propósitos: não é possível nem desejável que multipliquemos as experiências e os modelos, sem avaliação ou sem retirar consequências das avaliações efectuadas.

Se existe um consenso significativo sobre o papel do médico de família na melhoria da relação das pessoas com os serviços de saúde, então esse é o grande investimento em política de saúde que está por fazer.

Será certamente por essa via que poderá melhorar, de forma significativa, o problema do acesso e da utilização dos cuidados de saúde, a confiança e a satisfação dos utilizadores.

Os médicos de família não podem ser o parente pobre da medicina, quer na formação, quer na auto-estima, que no posicionamento no sistema de saúde.

Aliás, os médicos de família conhecem bem o que eu penso sobre os cuidados de saúde primários; por isso, gostaria, ainda, de destacar uma outra questão - a da sustentabilidade financeira do serviço nacional de saúde.

Todos devemos ter a noção clara de que os gastos com a saúde crescem a um ritmo bem superior ao que a economia portuguesa comporta e que, sem intervenções consistentes, o sector da saúde utilizará cada vez mais as receitas do Estado recolhidas através dos impostos. A ser assim, poucas alternativas restariam senão a redução de outras despesas públicas ou o aumento dos impostos.

Nesta perspectiva, todos os ganhos em eficiência são necessários e bem-vindos; ou seja, todos nos devemos sentir mobilizados para dar aos recursos disponíveis a melhor utilização.

É o caso, certamente, da prescrição dos medicamentos genéricos, a qual pode contribuir para a diminuição da taxa de crescimento da factura do Serviço Nacional de Saúde, mas, também, beneficiar as famílias portuguesas que suportam gastos consideráveis com medicamentos.

Devemos ter presente que Portugal gasta 2,2% do seu Produto Interno Bruto em medicamentos, que representam, também, cerca de 24% do orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

Isso implica, então, além do mais, que as vossas decisões clínicas tomem em consideração as respectivas consequências financeiras, que procurem sempre as melhores soluções, no interesse dos vossos utentes, certamente, mas também no interesse dos cidadãos contribuintes, na sua generalidade.

Ao pensar as questões da Saúde, devemos ter em conta e contar mais com os cidadãos, não só para dar corpo a um direito fundamental de cidadania, mas também porque são necessárias escolhas em saúde.

A cultura das nossas organizações e dos nossos profissionais ainda não é suficientemente motivadora para permitir um maior envolvimento dos cidadãos.

Mas a participação de utentes dos cuidados de saúde nos debates sobre o planeamento dos serviços pode colocá-los como verdadeiros parceiros do sistema de saúde e como saudáveis cúmplices e críticos dos profissionais e dos decisores políticos.

Eles serão os primeiros interessados em que o sistema seja mais eficiente e mais equitativo e que as escolhas sejam as mais acertadas. Quando não se fazem escolhas explícitas decide-se, mas de forma arbitrária, que os problemas de escassez sejam tratados sem adequada reflexão; ou seja, silenciosamente, é feita uma escolha, sem que haja clareza nos seus fundamentos e, sendo assim, acabam por ser os grupos de pressão mais fortes a imporem os seus interesses na esfera colectiva.

Há menos de um mês, promovi uma reunião com cerca de quarenta e cinco associações de doentes. Pretendi, assim, dar um sinal claro que eles devem ser a nossa principal preocupação e que têm uma opinião insubstituível sobre os principais problemas do sistema de saúde.

Acima dos interesses particulares - legítimos, naturalmente - deve estar o Estado que nunca, em circunstância alguma, pode abdicar de defender as necessidades dos cidadãos doentes, considerando a respectiva satisfação como a prioridade que deve orientar as reformas que se queiram introduzir num sistema que claramente precisa delas. Só assim se promoverá uma cultura de responsabilidade e de governabilidade na gestão do sistema de saúde em Portugal.

Ora, é fundamental o vosso papel neste processo que visa dar corpo, de uma forma efectiva, ao objectivo de colocar o cidadão como personagem central do sistema de saúde.

Espero, assim, que a minha presença neste Encontro constitua, além de uma homenagem, um sinal de estímulo à acção dedicada e responsável dos médicos de família.