Banquete oferecido em sua honra pelo Presidente Jacques Chirac

Paris
11 de Abril de 2005


Senhor Presidente
Minha Senhora

Agradeço-lhe, Senhor Presidente e caro amigo, as suas palavras calorosas e fraternas, que exprimem de forma eloquente os laços de cumplicidade, de confiança e de profunda amizade existentes entre França e Portugal.

O convite que Vossa Excelência me dirigiu para efectuar esta Visita de Estado honra-me pessoalmente; mas interpreto-o, acima de tudo, como uma distinção feita a Portugal por um país amigo que muito admiramos e com o qual temos uma relação tão densa e antiga como a nossa própria história.

Desde a sua constituição como Estado independente, no século XII, até ao presente, o destino de Portugal sempre se cruzou com o da França. Ambos os países, herdeiros do mundo latino, portadores de valores universalistas que tanto fizeram para difundir pelos quatro cantos do globo, deram contribuições decisivas para construir a civilização europeia. Cumpre-nos actualizar em permanência esse legado histórico, projectando-o no futuro.

As nossas relações atingem, em todos os domínios, um nível excepcional.

A cultura francesa sempre exerceu em Portugal uma enorme influência. Foram muitos os portugueses, e dos mais ilustres, cuja vida e obra estão intimamente ligadas a França, seja nos campos das letras ou no das ciências, no das artes ou no da política. Essa influência foi tão forte que, às vezes por afinidade, outras por reacção, contribuiu para moldar a nossa própria identidade.

É, por isso, com particular satisfação que sentimos existir hoje em França um genuíno e crescente interesse pela cultura portuguesa. A França tem sido, nos últimos anos, grande apreciadora e activa difusora das letras, do cinema, da música e das artes plásticas portuguesas. Criadores como António Lobo Antunes, José Saramago, Manoel de Oliveira, Júlio Pomar ou Emanuel Nunes — sem esquecer naturalmente nomes plenamente consagrados como os de Fernando Pessoa, Vieira da Silva ou Amália Rodrigues — encontraram aqui numerosos e entusiásticos admiradores, que muito contribuíram para o seu renome internacional.

Pretendemos agora alargar esse interesse à língua portuguesa. Falado no mundo por cerca de 200 milhões de pessoas, presentes em todos os continentes, o português é uma grande língua de comunicação internacional. A sua expansão contribui para a tão necessária diversidade linguística nesta era de globalização. No âmbito desta visita, será lançada uma campanha de promoção do português em França, dirigida não apenas aos luso descendentes mas ao público francês em geral.

No plano económico, importa também salientar alguns dados que ilustram sobejamente a importância das nossas relações. A França é hoje o segundo mercado mundial para as nossas exportações, ao passo que Portugal é o décimo segundo mercado mundial para as exportações francesas. O valor do nosso comércio anual é de cerca de 7 mil milhões de euros. A França é também um dos principais investidores estrangeiros em Portugal, estando presente em quase todos os sectores económicos mais importantes no nosso país.

País de acolhimento por excelência, a França tornou-se, nos anos 60 e 70, uma segunda pátria para centenas de milhares de portugueses. Uns procuraram aqui uma saída para a perseguição política, ou simplesmente um espaço de liberdade que não existia na sua terra natal. Outros buscaram em França condições de vida que lhes estavam vedadas em Portugal. Muitos desses portugueses, a quem presto homenagem pela sua coragem e tenacidade, estão hoje perfeitamente integrados na sociedade francesa, formando uma comunidade que se tornou um dos mais fortes traços de união entre os nossos dois países.

O Portugal de hoje já está muito longe do país sem perspectivas, fechado sobre si próprio e vivendo de olhos postos no passado do qual, tragicamente, tantos foram levados a emigrar. Com o 25 de Abril de 1974, recuperámos a liberdade, construímos a democracia, retomámos o nosso lugar na Europa cosmopolita e herdeira do iluminismo, cujas portas se nos abriram.

A adesão às Comunidades Europeias, em 1986, trouxe a Portugal confiança, estabilidade e prosperidade. Abriu-nos novos horizontes, levando-nos a considerar os nossos interesses não apenas pelo prisma nacional mas igualmente do ponto de vista europeu, tão grande é actualmente a interdependência entre a nosso caminho como portugueses e o nosso destino colectivo como europeus.

Quase duas décadas após a adesão, vemos na União Europeia não apenas a mais sólida garantia de paz e de estabilidade na Europa mas também uma força cada vez mais necessária para o equilíbrio do sistema internacional. Nesse projecto, a França tem — e terá sempre — um papel insubstituível a desempenhar.

Os nossos dois povos serão nos próximos meses chamados a sufragar pelo voto o projecto de Constituição para a Europa adoptado pelos vinte e cinco Estados Membros da União Europeia. No processo de ratificação da Constituição joga-se o nosso futuro colectivo.

A Constituição dota a União Europeia de um quadro legal e institucional que lhe permite encarar com maior confiança e eficácia os desafios do século XXI.

Precisamos de uma Europa capaz de se organizar para relançar o crescimento económico, ao mesmo tempo que preserva o modelo social europeu.

Precisamos de uma Europa capaz de defender os seus interesses e pontos de vista no plano internacional, que seja uma força na defesa de um multilateralismo eficaz, que promova os direitos humanos e o direito internacional, que alimente o diálogo entre culturas e civilizações.

Precisamos de uma Europa que pese na resolução dos problemas regionais, que esteja próxima dos seus vizinhos, que lute pela paz no Médio Oriente, que se empenhe na resolução dos problemas africanos, continente ao qual tanto a França como Portugal estão ligados por laços de história e de cultura.

Precisamos de uma Europa que possa dialogar com os Estados Unidos da América, sem espúria rivalidade nem obsoleta subserviência.

O caminho para essa Europa passa pela consolidação da União Europeia. Confio que os nossos dois povos saberão medir em toda a sua extensão aquilo que efectivamente está em jogo neste processo e decidirão em consequência.


Senhor Presidente

Não quero terminar estas palavras sem lhe prestar, Senhor Presidente, uma homenagem pessoal pela coragem e determinação com que Vossa Excelência tem defendido os pontos de vista e os interesses da França no plano mundial. Numa época marcada tantas vezes pelo conformismo intelectual, não podemos prescindir da voz da França, que Vossa Excelência tem sabido usar com grande nitidez e clareza.

Com Vossa Excelência, a França tem abraçado uma série de causas que reputo essenciais para responder aos desafios do século XXI e que merecem o meu inteiro apoio. Cito, entre outras, a defesa da diversidade cultural e a tributação de transacções internacionais de forma a encontrar novas fontes de financiamento para combater os flagelos da doença e da pobreza. Ambas traduzem grandes desafios com que nos confrontamos nesta era de globalização.

André Malraux disse uma vez: “La France n’est elle même que lorsqu’elle parle au monde”. Ao longo da sua história, a França exerceu sempre uma enorme influência — a que ninguém fica indiferente — sobre os destinos da humanidade.

Ainda hoje, a imortal divisa da revolução francesa — liberdade, igualdade, fraternidade — constitui uma das sínteses mais perfeitas e mobilizadoras dos valores republicanos e democráticos que, de forma inexorável, se vão impondo ao mundo, vencendo as barreiras do atavismo, da inércia e da opressão.

Nesta ocasião solene, quero pois prestar homenagem à França, “mãe das letras e das leis”, no dizer de Joaquim du Bellay, inventora de grande parte do nosso vocabulário político, inconformista e inovadora, cultora de uma arte de viver incomparável.

É nesse espírito que levanto o meu copo a Vossa Excelência e à Senhora Chirac, num brinde caloroso e amigo pela vossa saúde, pela prosperidade da França e pela imorredoura amizade entre os nossos dois países.