Inauguração do Museu de Serralves

Porto
06 de Junho de 1999


Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
 
Com a abertura deste Museu, podemos e devemos dizer, com orgulho, que a cultura e a arte portuguesas ficam mais no centro do que de importante acontece no Mundo, mais integradas nos circuitos por onde passam a informação, o debate, a mudança, a aventura. Ficam mais conscientes dos seus caminhos e das suas possibilidades. Ficam mais confrontados com o olhar próprio e com o olhar alheio, mais exigentes e mais visíveis.

Por feliz intenção ou coincidência, o Museu inaugura a poucos meses do novo século e do novo milénio, neste tempo de passagem simbólica, de avaliação e de prospecção.

O século que agora termina deu à experiência humana uma intensidade que percorreu a tragédia mais radical e a esperança mais exaltante.

Em todos os domínios da vida, do conhecimento e da criação, foram cem anos de afirmações e de negações violentas, de revoluções e de rupturas, de recuperações e de inovações. Cem anos marcados pelo movimento, pela velocidade, pela aceleração do tempo.

A arte do século XX, do cubismo e do dadaísmo à body art e à land art, não foi apenas o sismógrafo que registou os abalos, foi o arauto que os anunciou. É por isso que uma compreensão esclarecida do que é o nosso tempo, do que representa no confronto com o passado e no impulso para o futuro, é indissociável de um conhecimento e de uma informação actualizados do que foram os movimentos e a história da criação artística em todos os domínios, da inter-influência com a evolução científica e tecnológica, do modo como foram alteradas as nossas ideias e relações com o Mundo, a nossa percepção da realidade e as formas do nosso quotidiano.

O Museu de Arte Contemporânea, pelo seu programa e pelo modo como o vai realizar, constitui, a partir de agora, um instrumento valiosíssimo de informação e de formação cultural, cumprindo múltiplas funções. Entre elas, cumpre, desde logo, uma função estruturante na internacionalização da vida cultural do País, do Porto e do norte da Península Ibérica, podendo ocupar ainda um lugar ímpar na ligação entre públicos e manifestações de diversas proveniências. Trata-se de um projecto de ambição, europeu e internacional, concebido com vista larga, arrojo e sentido do que hoje deve ser, permitam-me a redundância, um museu contemporâneo de arte contemporânea, servido pelos espantosos recursos tecnológicos, pela instantaneidade da comunicação e pela permanente circulação dos bens culturais.

Este Museu e a Fundação que o suporta representam a resposta a uma carência que, logo a seguir ao 25 de Abril, foi apontada como grave e constituída em prioridade: a criação de um Museu de iniciativa pública dedicado à arte contemporânea.

A concretização deste grande projecto fica-se a dever aos vários governantes que deram o estímulo e souberam criar as condições continuadas que permitiram o seu desenvolvimento. Mas fica-se a dever, sobretudo, a um modelo inovador, adequado e eficaz, traduzido na parceria do Estado e da Sociedade Civil. Esse modelo, sem que o Estado abdicasse das suas responsabilidades no domínio da cultura, funcionou bem e merece ser apontado como exemplo.

É, por isso, muito justo felicitar aqueles que são responsáveis por este êxito. Em primeiro lugar, o Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves, João Marques Pinto que, com uma dedicação total e uma energia contagiante, fez deste projecto a razão de ser da sua actividade nos últimos dez anos. A ele junto, nas felicitações, todos os que, no Conselho de Administração, tiveram responsabilidades.

A seguir, desejo, com especial ênfase, enaltecer o papel de todos os Fundadores que, associados ao Estado, permitiram que se desse um passo decisivo na nossa vida cultural. Saúdo-os por terem sabido entender o que estava em causa, garantindo os meios necessários para se chegar aqui. Quero testemunhar-lhes, em nome do País, o reconhecimento pelo serviço prestado à comunidade e à cultura. Estou seguro de que o bom resultado obtido, o orgulho pela obra realizada e as responsabilidades assumidas constituem o melhor penhor de que esse apoio prosseguirá e se alargará no futuro a outros mecenas.

É ainda da maior justiça realçar o valioso apoio que sempre foi dado à Fundação de Serralves pela Câmara Municipal do Porto e pelo seu Presidente, dr. Fernando Gomes.

Este novo Museu não é um ponto de chegada, é um ponto de partida. É assim que é entendido e ainda bem, querendo com isso significar-se que é um projecto sempre inacabado, com capacidade de renovação e de abertura, fazendo da relação entre a arte, os criadores e o público o seu programa de acção.

Esta atitude está, aliás, na linha do trabalho desenvolvido pela Fundação de Serralves, desde o seu início: um trabalho caracterizado pelo rigor e pela qualidade, pela ousadia de trazer para o debate temas novos, pela preocupação pedagógica e educativa, pelo aprofundamento das questões ambientais e ecológicas, para as quais, pelas suas características naturais, esta Casa e este magnífico Parque estão vocacionados.

Seja-me permitido, neste momento, lembrar o trabalho aqui realizado por Fernando Pernes, com uma dedicação e uma competência exemplares.

O edifício que acolhe e configura este Museu é mais uma obra excepcional do Arquitecto Álvaro Siza Vieira, feito de rigor, beleza, elegância, memória e inovação. Felicito-o afectuosamente e digo-lhe que temos orgulho em si.

O Porto de Álvaro Siza, de Manoel de Oliveira e de outros grandes criadores, terra de liberdade, de trabalho e de cultura, fica, a partir de agora, dotado de um magnífico e polivalente equipamento, que será, aliás, um dos pólos dinamizadores no âmbito do Porto 2001.

A Exposição CIRCA 1986, que se inaugura, e a colecção permanente do Museu, que tem nos anos 60 e 70 o seu ponto cronológico de partida, permitem-nos tomar conhecimento mais directo com um ponto fundamental de viragem das mentalidades e das concepções estéticas, que iniciou uma nova época. De uma verdadeira e profunda revolução cultural se tratou, como sabemos, e o nosso tempo é herdeiro dela.

Serralves será, ainda mais, a partir de agora, uma referência fundamental de cultura. Felicito Vicente Todolí, personalidade de grande prestígio e reconhecimento indiscutível, e a sua equipa pelo trabalho feito, desejando-lhes as maiores felicidades.

A cultura é cada vez mais a criação de novas formas de conhecer, de sentir e de imaginar o futuro. Este Museu é um lugar vivo e aberto a esse propósito.

Neste dia de festa, sabemos que valeu a pena o esforço feito, o dinheiro investido, a dedicação a um projecto que é uma causa, uma aposta e um motivo de orgulho para o Porto e para Portugal.
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