Almoço na Câmara do Comércio e Indústria Luso-Espanhola

Lisboa
21 de Abril de 2005


Senhor Secretário de Estado Adjunto da Industria e da Inovação,
Senhor Secretário-Geral do Ministério do Comércio e Indústria de Espanha,
Senhor Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quero, antes de mais, agradecer à Direcção da Câmara do Comércio Luso-Espanhola o convite que me dirigiu para estar presente neste almoço e, assim, ter oportunidade de encontrar os seus membros, agentes empresariais de cuja actividade depende, em grande medida, o desenvolvimento das relações comerciais e económicas entre Espanha e Portugal.

É sempre para mim gratificante ter a oportunidade de rever e discutir as bases de relacionamento entre espanhóis e portugueses, sobretudo porque tenho presente dois factos que me parecem indiscutíveis: por um lado, a geografia, a história e, desde tempos mais recentes, o desaparecimento das fronteiras, que tornou mais natural e frequente o convívio entre os cidadãos dos dois países, impõem-nos o dever de desenvolvermos as nossas relações, num plano de particular exigência, no domínio político-económico, como muito simplesmente no âmbito das relações humanas; por outro, parece claro que, não obstante os progressos notáveis que têm sido efectuados, continua a existir um conhecimento recíproco ainda deficiente, designadamente quanto às características, aos problemas e a aspectos específicos que marcam as nossas sociedades.

Portugueses e Espanhóis partilham hoje, para além dos laços históricos peninsulares, o rumo da União Europeia, ela própria fonte de novos desafios, e oportunidades, num mundo globalizado em que a afirmação de valores e interesses obriga a procurar novas parcerias de entendimento e estratégias concertadas.

Ultrapassada a fase do vazio discurso retórico que, no essencial, caracterizou as relações ibéricas até à restauração democrática, partilhamos agora um conjunto de princípios, valores, objectivos e colaborações no seio de uma Europa em continuada evolução, que tem conjugado estabilidade e progresso e, ao mesmo tempo, procurado afirmar-se como pólo influente do mapa geopolítico do século XXI.

Daqui decorre que Espanha e Portugal, naturalmente mais fortes por terem recuperado o seu lugar nessa Europa para cuja história tanto contribuíram, têm visto esbater-se muitas das antigas barreiras psicológicas que tolheram, durante anos, o desenvolvimento das relações bilaterais.

Agora que está consumado o alargamento da União Europeia a dez novos membros – alargamento que, noutras ocasiões, já classifiquei como um dever, uma oportunidade e uma necessidade – recai sobre todos os seus membros inadiáveis responsabilidades, em face dos problemas e riscos que se põem à coesão do seu vasto espaço, devendo proteger para isso os princípios, objectivos, e políticas que têm permitido o seu sucesso. Este é sem dúvida o grande desafio que se nos coloca, e obriga a um persistente esforço de aprofundamento para ultrapassar os efeitos negativos das assimetrias presentes.

Neste contexto, assumem, para os dois países, particular importância as recentes medidas de impulso tomadas relativamente à chamada “Estratégia de Lisboa”, instrumento decisivo para as aspirações de um desenvolvimento económico assente na inovação do tecido produtivo e na requalificação do emprego. Em paralelo, Espanha e Portugal, que conhecem bem o efeito modernizador das políticas da coesão, terão que lutar em conjunto, no quadro da negociação das perspectivas financeiras para o período 2007-2013, para que sejam garantidos recursos globais suficientes a fim de preservar o essencial das estratégias de solidariedade que têm constituído base determinante para o progresso da União.

Dito isto, vejamos brevemente quais são, do meu ponto de vista, algumas das principais questões que se colocam no relacionamento bilateral.

Já referi a aproximação mútua que, a todos os níveis, se verificou nos últimos anos, assente na solidez das nossas identidades nacionais. Mas isso só responsabiliza ainda mais todos os que, políticos e agentes económicos, elites e simples cidadãos, deverão identificar a real essência dos interesses comuns e promover as parcerias que os reforcem. A este respeito, e sendo certo que partilhamos interesses e cumplicidades a nível da União Europeia, há que assinalar o desenvolvimento dos entendimentos políticos bilaterais que têm acompanhado e favorecido o reforço e a fluidez das relações que os dois povos têm sabido estabelecer, nos vários domínios de actividade.

Desde logo, o relacionamento comercial intra-peninsular tem conhecido um desenvolvimento notável, com taxas de crescimento muito superiores à média global de cada um dos países. Basta recordar que a Espanha é o principal fornecedor de Portugal, e que o mercado português é mais importante, para Espanha, do que toda a América Latina, ou de que o conjunto dos novos membros da União; ou que Portugal exporta mais para a Catalunha ou para a Andaluzia do que para a Suécia, Dinamarca ou Países Baixos.

No plano dos investimentos, os movimentos bilaterais têm também registado, como é sabido, um crescimento inédito, com Portugal a procurar contrabalançar, mercê de algumas aquisições significativas, a bem mais diversificada e importante carteira de interesses espanhóis no nosso país.

Desta diferença decorre, aliás, que seja mais notória a penetração espanhola em Portugal, até porque presente em sectores mais próximos do quotidiano dos cidadãos, como é, entre outros, o caso do Vestuário, da Distribuição, da Alimentação e do Imobiliário. A acrescer a isto está também, e temos que o assumir descomplexadamente, o desigual tamanho das duas economias. Mas num espaço aberto como é aquele em que hoje nos movimentamos, Portugal pode, e deve, fazer mais, e para isso terá de criar empresas mais competitivas, sobretudo a nível das suas PME’s, que têm afinal no mercado espanhol um excelente “campo de ensaio” para a sua sobrevivência e desenvolvimento no mundo global.

Asseguradas as necessárias regras de transparência e equidade dos mercados, será da qualidade e espírito de iniciativa dos empresários portugueses e espanhóis que dependerá o desenvolvimento da sua actuação em cada país. Até lá, há que reconhecê-lo, falta ainda percorrer algum caminho e derrubar alguns obstáculos e preconceitos. Mas, dado o entendimento que os Governos de ambos os países têm procurado, de que a visita do novo Primeiro Ministro de Portugal a Espanha, na passada semana, é ilustrativa, julgo que devemos proteger um indispensável clima de confiança e, resolvendo algumas “pendências,” contribuir para estreitar os laços económicos com as evidentes vantagens recíprocas que daí resultam.

Papel importante poderão ter aqui, para além, naturalmente, das empresas, as estruturas associativas dos dois países. Com efeito, não ignorando as regras e métodos da vida empresarial, há um vasto espaço para a cooperação entre agentes económicos, a que as respectivas estruturas que os congregam podem dar impulsos decisivos. Quer em programas europeus (como no desenvolvimento transfronteiriço), quer em programas de cooperação científica e tecnológica, quer em actuações em terceiros mercados, é vasto o campo para colaborações profícuas e mutuamente vantajosas. Cabe, nomeadamente às câmaras de comércio e confederações patronais, o estabelecimento de canais de comunicação que potenciem no terreno das relações económicas o esforço político de aproximação que vem sendo realizado pelos dois Governos

Acresce que entidades como a “COTEC”, com a sua acção voluntarista, podem oferecer um contributo importante, sobretudo se atendermos à importância dos seus associados nos respectivos sectores de actividade e à ligação que têm a iniciativas dinâmicas nas respectivas economias.

Mas é também no domínio das infraestruturas e de algumas políticas sectoriais comuns que muitas atenções se concentram e medidas decisivas deverão ser tomadas proximamente. Depois de algumas hesitações, Portugal deverá definir, em breve, as suas prioridades de investimento ferroviário, nomeadamente nas linhas de alta velocidade, incluindo as ligações a Espanha. Neste domínio, como no da energia e no sector cada vez mais decisivo dos recursos hídricos, os responsáveis governamentais dos dois países estão a estabelecer bases de diálogo que, espero, em breve levarão a acordos que darão um forte impulso às relações bilaterais.

Num outro plano, portugueses, os agentes económicos portugueses, deverão também olhar com particular atenção esse outro factor que caracteriza a vida política espanhola e se traduz na importância das “Autonomias”. Sem perder nunca de vista a unidade do Estado espanhol, e naturalmente a primazia do relacionamento político Estado a Estado, a verdade é que os nossos empresários poderão integrar melhor a realidade autonómica nas suas estratégias, encontrando aí vantagens e potencialidades. Há por isso que divulgar, mais e de forma mais eficaz, em Portugal, para as empresas portuguesas, as oportunidades do complexo e diversificado, mercado espanhol – a exemplo, aliás, do que esta Câmara tão bem tem feito junto do empresariado de Espanha relativamente ao mercado português.

A geografia, a população, a economia, são o que são. Mas se, já hoje, cerca de 300 empresas portuguesas se estabeleceram em Espanha, há que reter o seu exemplo para, de forma descomplexada, conseguir afirmar uma presença de qualidade portuguesa em Espanha, que ajude a reduzir as desconfianças e receios que a enorme pujança da presença espanhola em Portugal ainda levanta, aqui e ali. Até porque estou convicto que as políticas dos dois Governos e a dinâmica dos agentes económicos levarão a que as relações entre os nossos países se desenvolverão em bases cada vez mais sustentáveis e equilibradas, no quadro de uma adequada afirmação do papel ibérico na Europa

Senhoras e Senhores,

Portugal e a Espanha partilham hoje na União Europeia, com os restantes parceiros, uma clara responsabilidade: a de garantir a evolução de um projecto que vem garantindo a paz no continente e abrindo nele caminhos de progresso e prosperidade. Para trás, ficaram isolamentos políticos, que ainda há pouco traçavam nos Pirinéus fronteiras de desenvolvimento e antagonismos diplomáticos. Em boa hora chegámos à Europa comunitária, levando connosco a mais valia do rico património das nossas identidades nacionais e das seculares experiências de comunicação com outros povos (em África, na Ásia e nas Américas) que modelaram a nossa história.

Desta comum adesão europeia, de que celebraremos este ano o 20º aniversário, colhemos apoios indispensáveis para uma modernidade antes longamente adiada; bem como recuperámos uma diferente e adequada capacidade de intervenção externa. Caberá recordá-lo num momento em que a Europa defronta um desafio porventura decisivo para o sucesso do seu projecto integrador, o qual, assente no direito e na partilha de valores, abateu barreiras e substituiu antigos conflitos por quadros inéditos de cooperação e solidariedade.

Desde então, nesta península que nos une, temos sabido construir crescentes entendimentos nos vários domínios por que se desdobram as relações, não as deixando afectar pelas contingências de eventuais diferenças partidárias governamentais. Como tenho dito, persistem, porém, de um lado e outro, desatenções, receios e preconceitos que nos cabe a todos anular através de um melhor conhecimento mútuo, de mais diversificados contactos e cooperações da sociedade civil, de uma mais confiante colaboração em áreas geográficas abertas à internacionalização das duas economias, de uma desejável proporcionalidade e menores assimetrias no relacionamento empresarial comum. Penso, entre outras coisas, num intercâmbio cultural mais vivo e frequente; num mais efectivo programa de contactos e projectos comuns entre os nossos centros universitários e científicos; em acções conjuntas de empresas em mercados onde podemos dinamizar sinergias específicas, como no vizinho Magreb, na África Austral ou na América Latina; penso ainda nas cooperações possíveis que o quadro das políticas de ajuda ao desenvolvimento da União Europeia proporciona aos dois países.

Este é um duplo desafio peninsular, desejavelmente assente em objectivos-chave e parcerias estratégicas, que deveremos vencer no quadro de uma Europa mais confiante nos seus desígnios, mais unida no que é essencial, mais mobilizadora de apoios dos seus cidadãos para as grandes tarefas deste princípio do século.

Acompanho convictamente – e tenho-o repetido – aqueles que acreditam na necessidade de mais Europa para enfrentar os problemas decorrentes da globalização ou as diversificadas ameaças à segurança dos nossos países. E isto, porque me parece clara a escolha: de um lado, o prosseguimento do projecto integrador, base de coesão interna e de afirmação europeia no mundo; de outro, a inevitável diluição da lúcida iniciativa de Monnet num vasto espaço de livre comércio, mais perigosamente sujeito a egoísmos nacionais.

Portugal e a Espanha têm sabido estabelecer entre si um relacionamento em cuja qualidade se projecta bem o acerto e a indispensabilidade do modelo europeu. Decerto que será sempre possível alargar entre nós entendimentos, melhorar acordos, superar suspeições, ajustar equilíbrios. Para isso cabe-nos continuar o caminho de amizade já traçado e reforçar a vontade política comum de o consolidarmos no quadro desta Europa, cujo projecto importa – sobretudo agora, em momentos de dificuldade – defender e apoiar, evitando recuos ou paralisias de efeitos penalizadores imprevisíveis.