Inauguração da ETAR de Frielas

Frielas
08 de Junho de 1999


Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
 
Inauguramos hoje esta obra, peça fundamental de um sistema que irá, ao fim de largas dezenas de anos, restituir ao Rio Trancão o seu carácter natural. Deste modo, e decididamente, se faz o tratamento dos efluentes que um povoamento profundamente desordenado, nele descontroladamente deitou, transformando-o num caneiro, onde nenhuma das suas dezenas de milhares de “vizinhos”, em caso algum se poderiam e podem rever.

Digo que não se poderiam rever, mas quarenta anos para encarar e resolver esta situação é tempo de mais! Hoje devemos congratular-nos com a obra feita, mas também responsabilizarmo-nos a todos, pelo demasiado tempo que levámos a fazê-la.

Meus amigos, é chegado o momento de olharmos o nosso país e fazermos o balanço do que, no domínio ambiental, fizemos. E também do que adiamos mas que na realidade não podemos adiar, porque a alternativa é por demais custosa.

O Ambiente é hoje, como aliás sempre o foi, um factor de custo e de benefício que temos de enquadrar claramente nos nossos orçamentos individuais, nacionais e globais.

O Ambiente é, para todos os efeitos, a globalidade em que estamos inseridos e de que a nossa existência, como Espécie, como Sociedade e como Cultura dependem.

Não podemos mais aceitar que o benefício de alguns se baseie na socialização dos custos por ele originados, como também não podemos aceitar mais que uma alegada preservação do Ambiente se materialize na restrição arbitrária ou na interdição inadequadamente compensada, do direito à propriedade e ao uso do solo.

Torna-se urgente, no domínio ambiental, ultrapassar os preconceitos e os oportunismos demagógicos para, urgentemente, encararmos de frente os imensos problemas que a questão ambiental nos coloca, de modo a encontrar a síntese que permita o desenvolvimento equilibrado da qualidade de vida das sociedades humanas.

Para ultrapassar esta situação temos de, no diálogo construtivo, reconhecer as limitações do nosso conhecimento e identificar as medidas para a sua correcção. E elas são conhecidas:


1. Planeamento prospectivo

2. Horizontalidade na consideração das interacções ambientais, económicas e sociais

3. Transparência e envolvimento público e cidadão

4. Eficácia e eficiência na produção e utilização dos recursos

5. Solidariedade activa e inventiva

6. Conhecimento crescente do nosso meio e das suas funções e processos

7. Criatividade

Temos pois, de caminhar no sentido de uma nova cultura, de uma nova jurisprudência, de uma nova prática sócio-económica, em suma, de uma nova ética, em que o respeito pela capacidade do nosso Meio seja tão óbvio como o respeito pelo direito à Vida Humana.

Esse é o grande desafio da Democracia de hoje: num universo crescentemente globalizante e globalizado, onde o indivíduo e mesmo os governos, parecem perder cada vez mais poder, o desafio está em encontrar novas formas de concretizar as relações entre os indivíduos e destes com o seu Meio.

Tem de se desenvolver a consciência de que, neste limiar do século XXI, urge aprofundar um novo relacionamento do Poder com os cidadãos, envolvendo-os na sua actividade e mobilizando-os para as suas decisões, pelo que há que evoluir no sentido de:


1. generalizar e horizontalizar o planeamento, colaborar inter-institucionalmente no sentido da busca atempada e concertada das melhores soluções para os diferentes planos e projectos,


1. evoluir no sentido de integrar a avaliação ambiental nos processos de planeamento e concepção e não, como agora ainda acontece, quando todas as decisões estão tomadas, envolvendo custos crescentemente inaceitáveis,


1. evoluir no sentido de desenvolver normativos claros que permitam uma jurisprudência eficaz e fundamentada e não, como tem sido muitas vezes o caso, manipulada por interesses ou pressões conjunturais,

1. evoluir no sentido de integrar no processo de licenciamento, a consideração de todas as variáveis ambientais, não como factores de custo, mas crescentemente como factores de eficácia,


1. evoluir no sentido de desenvolver, cada vez mais, o conhecimento do nosso território, das suas potencialidades e limitações de modo a terminar a sua depredação, mas também a limitação infundada do seu uso devido a preconceitos decorrentes da ignorância.

Impõe-se, em suma, generalizar uma cultura, uma ética individual e política, equacionada no longo prazo, em termos de custos e de benefícios e do princípio de que a herança que recebemos tem de ser transmitida valorizada às gerações que nos sucederão.

Aos cidadãos coloca-se o desafio de saberem ultrapassar os seus interesses individuais e de, construtivamente, se entre-ajudarem na procura das melhores soluções para o uso dos escassos recursos do nosso Planeta. Têm de ter presente que os valores e potencialidades que o nosso meio actualmente nos disponibiliza são como que uma “garantia bancária” do nosso futuro e do dos nossos filhos.

Temos de compreender a necessidade de abandonar os preconceitos individuais e colectivos, de ouvir os argumentos contrários, de, às convicções, saber sobrepor a capacidade de aceitar as argumentações fundamentadas, enfim, de aprender que nenhum de nós detém a verdade ou o interesse absoluto, mas apenas parcelas deles. E que apenas a concertação, num plano não de cedência, mas de construção de novas mais valias, permitirá construir o futuro equilibrado, concertado e sustentável que todos desejamos.

Conflitos existirão sempre, mas a história da Vida é a da construção na ultrapassagem das contradições, no desaparecimento das soluções inadequadas, na permanente criação de novos caminhos e soluções, mesmo quando eles pareciam catastróficos para o status-quo existente. A história do Homem é semelhante.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Se hoje estamos aqui inaugurando esta obra, devemo-lo ao nosso esforço e ao esforço que aqui me prezo de relevar da autarquia de Loures. Devemo-lo também à Administração Central e ao incentivo da União Europeia, sem o qual continuaríamos, talvez, a construir, sem infra-estruturas adequadamente.

Não podemos continuar a ocupar a terra sem um adequado ordenamento que previna a destruição de recursos e preveja, também, a gestão eficaz das implicações dessa ocupação em termos da qualidade de vida dos que aí vão morar, como de todos os outros cidadãos do nosso país.

A responsabilidade deste estado de coisas é de todos nós, que nos recusamos a assumir as nossas responsabilidades e remetemos sempre para trás das costas, ou para os poderes públicos, a obrigação de resolver os problemas que o nosso uso do território origina. É precisa uma nova solidariedade ambiental entre os portugueses.

25 anos passados sobre o 25 de Abril, é ainda indispensável relembrar que os poderes central e local não representam os únicos depositários das responsabilidades cívicas e /ou ambientais. A sua consagração, fundamentalmente, representa o estabelecimento de um contrato de mútua responsabilização entre os cidadãos e os políticos que aqueles consideram mais aptos para conduzir os processos de gestão do território onde vivem, onde constróem e, ao cabo, que deles depende, para o bem e para o mal.

A Democracia não se consolida com uma pseudo-reconfortante transferência de responsabilidades. Bem pelo contrário. A democracia é o assumir da responsabilidade cidadã que, com a sua iniciativa, se empenha na busca e concretização das melhores soluções para cada problema que o desenvolvimento e a construção do bem estar individual e colectivo vão originando.

As águas residuais e os resíduos sólidos são, infelizmente, um triste exemplo desta incorrecta compreensão, pelos eleitores e pelos eleitos, das responsabilidades e obrigações mútuas.

Na verdade, só pela antevisão e pelo planeamento antecipativo, associados ao empenhamento e responsabilização individual, poderemos resolver os problemas que a partilha de espaços urbanos, cada vez maiores e mais populosos, coloca.

Exigir - ou pelo menos assegurar com regulamentos e sanções palpáveis e claras - uma infra-estruturação prévia de qualquer novo desenvolvimento urbano ou industrial nestes como em todos os outros domínios (tráfego, transportes públicos, vias rodoviárias, espaços verdes e de lazer, centros de saúde, etc.), tem de passar a ser uma base indispensável de qualquer licenciamento urbano, exigível pelas autarquias e pelos cidadãos.

Mas não é só em relação ao futuro que importa exigir a responsabilidade colectiva. Apesar do indiscutível e grande esforço destes anos, o passado é ainda muito pesado na sua herança de esgotos por tratar ou insuficientemente tratados, de lixeiras descontroladas ou pretensamente controladas, enfim, de um conjunto triste de laxismos e de desresponsabilização.

A obra que agora inauguramos, assim como muitas outras e recentes infra-estruturas que tenho visitado e observado por todo o país, correspondem, felizmente, a uma inversão daquela tendência. Mas existem ainda muitas resistências, muitas reticências, muitas ineficiências e erros, muita falta de solidariedade individual e colectiva, nomeadamente entre as comunidades e os seus representantes democráticos.

Sabemos todos que o caminho é difícil, mas ele é também cada vez mais incontornável se pretendermos, como é o caso, ter melhorias na qualidade de vida de muitos cidadãos. Posso citar exemplos bem ilustrativos dessa dificuldade.

A consideração exclusiva dos aspectos técnicos conduz, muitas vezes, a que a opinião e a sensibilidade das populações sejam involuntariamente menosprezadas, o que conduz a situações típicas do binómio ofensa/ofendido ou de fáceis populismos que obviam à concretização adequada e atempada de obras essenciais.

E assim as emoções, mais ou menos justas, passam a conviver com a falta de solução para os prementes questões que há muitos anos se arrastam.

Outro exemplo, que aqui e acolá se observa, é o de técnicos e investigadores que se mostram incapazes de cooperar na busca concertada das melhores soluções em cada momento e em cada conjuntura, criticando facilmente mas propondo renitentemente.

A evolução, tão forte e tão positiva, da comunidade científica portuguesa autorizava e justifica a sua presença permanente e o seu estudo e proposta constantes na base de qualquer discussão pública e de qualquer decisão política.

Finalmente, o caso de populações que, justamente cansadas de anos e anos de convívio com soluções que o não são, já não têm capacidade de acreditar e de se mobilizar construtivamente, preferindo atirar o problema para o quintal do vizinho. Têm de compreender que a única solução é encarar de frente, cooperantemente, a definitiva resolução dos problemas com que todos os dias se confrontam.

Precisamos, por isso e cada vez mais, de não adiar para as próximas gerações de portugueses os problemas que o nosso modo de crescimento passado gerou.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Hoje é pois um dia de alegria pelo passo de gigante que esta obra representa. Certamente está assegurado que ela funciona eficazmente, e que é e será complementado pelas obras correctivas e preventivas, que permitam devolver definitivamente a natureza deste magnifico vale do Trancão aos munícipes de Loures e a todos os Portugueses.

Devemos assim e felicitar quem conduziu e concluiu esta obra. Devemos assumir todos, individual e colectivamente, que isto é mais um exemplo de consolidação de uma caminhada que a todos envolve, mobiliza e responsabiliza.