Discurso de SEXA PR, Dr. Jorge Sampaio, por ocasião do banquete em honra do Presidente da República Democrática e Popular da Argélia, Senhor Abdelaziz Bouteflika

Palácio da Ajuda
30 de Maio de 2005


Senhor Presidente e meu caro Amigo,
Excelências,
Minhas senhoras e meus senhores,

Constitui para mim motivo de grande satisfação acolher Vossa Excelência em terras portuguesas e é com grande prazer e amizade que lhe dou as boas vindas a Portugal, desejando-lhe uma boa e bem sucedida estadia. Esta visita, para além de retribuir a que fiz à Argélia em Dezembro de 2003, que muito me tocou e da qual guardo vivas e gratas recordações, assume particular significado político por se tratar da primeira visita de um Chefe de Estado da Argélia a Portugal.

A presença de Vossa Excelência em Portugal marcará certa e significativamente o nosso relacionamento bilateral, consolidando este ciclo do relançamento das nossas relações, iniciado em 2003, com o objectivo de as colocar num patamar equivalente ao já alcançado com outros países do Magrebe, região à qual atribuímos uma importância prioritária.

Vossa Excelência sabe que acredito no aprofundamento do nosso relacionamento e que me tenho empenhado pessoalmente na sua dinamização em todas as suas dimensões – política, económica e cultural. Entendi na altura, e julgo que o tempo e a rapidez da evolução ocorrida me deram razão, que a proximidade distante em que viviam os nossos dois países tinha de ser ultrapassada.

A proximidade geográfica, os significativos laços históricos, uma forte relação de amizade e as grandes oportunidades existentes para benefício mútuo justificam inteiramente o nosso empenho. A existência, hoje consolidada, de uma grande vontade política, das duas partes, de alterar o estado relativamente incipiente em que o nosso relacionamento se encontrava, bem como o interesse entretanto manifestado pelos agentes económicos permitem-nos encarar com grande optimismo o futuro das nossas relações.


Senhor Presidente,
Minhas senhoras e meus senhores,

Sabemos e não esquecemos que a Argélia foi porto de abrigo para muitos portugueses distintos, que tiveram de se exilar no tempo em que não havia liberdade em Portugal e que viriam mais tarde a ter um papel destacado na vida política portuguesa após o 25 de Abril. Alguns deles, que aproveito para saudar, estão aqui hoje connosco. A Argélia foi também a terra procurada pelo escritor Teixeira Gomes, político e Chefe de Estado na I República, que espero possamos, ainda este ano, homenagear, colocando um seu busto em Bougie, cidade onde se radicou. Sei também que Vossa Excelência esteve em Portugal nos anos 60. Não como Chefe de Estado, nem como convidado ou sequer como turista, mas sim clandestinamente.

Hoje, felizmente nem os portugueses precisam de se exilar na Argélia, nem os argelinos precisam de visitar Portugal clandestinamente. Vivemos em sociedades abertas e podemos encarar-nos com naturalidade como parceiros que olham para o futuro e querem construir uma relação bilateral sólida e mutuamente benéfica. É esse o sentido da presença de Vossa Excelência aqui.

Percorremos nos últimos dois anos um importante caminho. Intensificaram-se os contactos políticos. Aumentaram significativamente os contactos empresariais. Realizaram-se Comissões Mistas há muito adiadas. Completou-se e elevou-se o quadro contratual existente, que amanhã conhecerá um novo reforço com a assinatura de mais um importante conjunto de acordos, criando o ambiente para que os agentes económicos operem em melhores condições nos dois países. Assinou-se, em Janeiro passado, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, que espelha a nova fase do relacionamento luso-argelino, dando-lhe um enquadramento jurídico-institucional e conteúdo político-diplomático e alargando as áreas de cooperação. Em suma, o nosso relacionamento ganhou uma acrescida e frutífera densidade.

Estão criadas todas as condições para que a Argélia se torne um importante parceiro económico de Portugal e que deixe de ser apenas o nosso maior fornecedor de gás natural. A vasta delegação de empresários argelinos que o acompanha, Senhor Presidente, constitui também um significativo sinal de interesse por Portugal. Gostaríamos que as nossas relações comerciais evoluam de forma mais equilibrada. Por outro lado, estamos conscientes que as autoridades argelinas lançaram um vasto plano de desenvolvimento de infraestruturas e de privatizações, existindo forte interesse por parte dos empresários portugueses - muitos deles estão aqui presentes e participarão no seminário económico que amanhã se realizará - em ser mais activos e em conseguir uma presença mais forte no mercado argelino.

A competência e a experiência adquirida pelas empresas portuguesas nalguns sectores poderá ser útil ao processo de desenvolvimento e modernização que a Argélia está a levar a cabo sob a liderança de Vossa Excelência. Estou certo que o nível de excelência atingido no plano político pelas nossas relações não deixará de se reflectir no campo económico.


Senhor Presidente,
Minhas senhoras e meus senhores,

Queria também dedicar algumas palavras à questão das relações euro-mediterrânicas e ao diálogo entre a União Europeia e o continente africano.

Julgo que o relacionamento com os países do Magrebe é um caso de sucesso e um exemplo de diálogo entre o mundo ocidental e o mundo islâmico. Foi possível construir uma densa teia de ligações, combinando canais multilaterais com bilaterais, “fora” formais com informais, diálogo político com cooperação concreta e ampla e ainda com políticas de ajuda ao desenvolvimento, geradoras de um claro efeito agregador, que permite hoje sustentar um vasto espaço de paz e estabilidade. Temos por vezes a tendência a subestimar os bons exemplos, considerando que a “árvore não faz a floresta”. É um erro. O nosso exemplo deve ser sublinhado, estou convicto de que é o caminho correcto e seguro de que será seguido.

Não quero com estas palavras dizer que o patamar que atingimos é suficiente e que nos devemos dar por satisfeitos. Antes pelo contrário, sabemos que alguns dos mecanismos existentes terão de ser aperfeiçoados. Celebraremos este ano 10 anos do lançamento do Processo de Barcelona, que em 1995 era um instrumento ambicioso, moderno e inovador, cujos resultados serão agora avaliados. Sabemos sobretudo que temos de aspirar sempre mais e não nos podemos contentar com o que está feito e conseguido. O diálogo, o aprofundamento dos laços de cooperação e o esforço por um melhor conhecimento mútuo devem ser permanentes. Só assim atingiremos uma relação estável e continuada.

A Argélia e os países do Magrebe sabem que podem contar com o apoio de Portugal nesse esforço. Reitero aqui que Portugal estará presente, amigo, aberto e solidário, sempre que necessário.

Relativamente a África os diagnósticos estão feitos. Os problemas são reais e carecem de medidas concretas. Os dados vitais do continente africano não são, de facto, genericamente muito positivos. Todavia, olhando com mais atenção constatamos que também existem casos de sucesso e que, a par de situações preocupantes, se verificam sinais e tendências positivas.

Em Portugal – afirmo-o sem hesitar – acreditamos e apostamos em África. Sabemos que a tirania das estatísticas não nos conta toda a verdade. Acreditamos nas potencialidades de África. Sabemos que o continente necessita de mais investimento e mais cooperação. Continuaremos, como até agora, a bater-nos na Europa contra as vozes do afro-cepticismo e por um aumento dos níveis de ajuda ao desenvolvimento. Continuaremos também a bater-nos para que África não seja mais uma vítima do terrorismo internacional, procurando evitar a sua subalternização na agenda internacional.

Foi por acreditarmos no aprofundamento da parceria entre África e Europa que, durante a Presidência portuguesa da União Europeia no ano 2000, promovemos a primeira Cimeira Europa-África. Pretendíamos construir e forjar uma agenda comum. Continuo a defender que essa fórmula merece ser revisitada e melhor explorada, tudo se devendo fazer para ultrapassar os actuais constrangimentos e organizar a II Cimeira UE/África. A Argélia desempenhou historicamente um importante papel de liderança em África no quadro da luta pela emancipação dos povos. Mais recentemente teve também um papel importante na constituição da União Africana e da NEPAD, dois importantes instrumentos para a construção de um futuro melhor para o continente africano. Contamos com a contribuição da Argélia e com a visão de estadista de Vossa Excelência para este processo.


Senhor Presidente,

O seu percurso pessoal foi, desde sempre, pautado por convicções e por uma grande determinação, qualidades essenciais num líder político que lhe permitiram desempenhar funções da maior responsabilidade no seu país, quase ininterruptamente ao longo dos últimos 40 anos. Como Chefe de Estado, estabilizada a situação de segurança, Vossa Excelência tem vindo a liderar um profundo processo de mudança, promovendo a reconciliação nacional, a abertura da economia, a modernização e o desenvolvimento da Argélia. É por isso, Vossa Excelência, merecedor de todo o respeito e admiração. Termino, formulando votos de uma óptima estadia e pedindo a todos que acompanhem num brinde pelo reforço e desenvolvimento das relações de cooperação e amizade entre Portugal e a Argélia, pelo progresso e o bem-estar do povo argelino e pela felicidade pessoal do Presidente Abdelaziz Bouteflika.

Muito obrigado.