Discurso de SEXA PR, por ocasião da Visita à Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto

Quioto
23 de Maio de 2005


Senhor Presidente Morita
Senhores Professores
Minhas Senhoras e meus Senhores
Caros estudantes


Antes de mais, é minha grata obrigação agradecer à Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto, na pessoa do seu Presidente, o convite que me foi endereçado para me dirigir aos estudantes desta prestigiada instituição universitária, bem como a hospitalidade, tão atenciosa que me reservou. São gestos que muito me sensibilizam pois inserem-se na velha tradição de amizade que liga os nossos dois países.

Devo desde já confessar o meu sincero e duplo contentamento: por um lado, por estar aqui, neste vosso belo país, cujo encanto me seduziu desde o primeiro instante, percebendo imediatamente por que Camões se referiu ao Japão como “as ilhas onde a natureza quis mais afamar-se”; por outro, por me encontrar nesta casa onde o ensino da língua portuguesa, apesar de só ter sido iniciado em 1967, conta já com um merecido prestígio.

Queria também dizer-vos que, para um português, vir ao Japão é uma oportunidade única para reflectir – comovido – sobre a extraordinária determinação dos seus compatriotas que aqui chegaram na primeira metade do séc. XVI e encontraram – fascinados – um diferente mundo e uma notável civilização. Não foi empresa fácil, pois para se atingir o vosso país houve que atravessar mares desconhecidos, superar medos, vencer tempestades, perder incontáveis vidas. Ficou, por isso, mais salgado o mar com as lágrimas de Portugal, como escreveu o nosso poeta Fernando Pessoa, mas por fim – e é ainda o poeta que o sublinha – onde era só, vista de longe, uma linha abstracta de horizonte, no desembarque surgiam afinal aves, flores – e, sobretudo, gente.

Dificilmente podemos imaginar como teria sido, nesse tempo em que nada se sabia do Japão na Europa, o encontro maravilhado dos portugueses com o vosso país. Mas ficou-nos o relato de Jorge Álvares, o primeiro relato de um europeu, em 1547, em que observa ser esta “uma terra agradável”, os japoneses já então “muito duros no trabalho” e – num registo tipicamente latino – as mulheres “bem proporcionadas, muito doces e ternas”. Por sorte, um outro grande escritor português, Mendes Pinto, esteve também com os primeiros a chegar ao Japão, à costa de Tanegashima, tendo deixado uma saborosa descrição do primeiro tiro de espingarda que se deu e ouviu em terras japonesas.

Durante os cem anos que se seguiram, a nossa história comum regista um encontro fecundo de culturas, curiosidades, informações, agora guardadas em inúmeros relatos, cartas, na primeira gramática e no primeiro dicionário de português-japonês (de João Rodrigues), ou no saboroso Tratado de Luís Fróis sobre as diferenças de costumes ente europeus e japoneses. Eram sobretudo os anos de Nobunaga e desse tempo, nos arquivos de Lisboa, guardamos hoje, entre muitas outras, as referências entusiastas de Fróis, de Gaspar Vilela e de tantos outros aos Templos de Kyomizu-Dera, Kofukuji, Kasuga e descrições de diversificada realidade do Japão de seiscentos.

Este foi um intercâmbio cultural activo até à época de “Sakoku” (país fechado), o qual não escapou ao vosso grande realizador de cinema Kurosawa ao mostrar, com simpatia, os padres portugueses no seu magnífico filme épico “Ran”. Aqui chegavam para ganhar almas para a fé católica no “Kurofune”, vindo regularmente de Macau, ou juntamente com mercadores e sedas, nas caravelas de que os vossos magníficos biombos Namban deixaram uma descrição gráfica inesquecível.

O português foi, pois, a primeira língua europeia a chegar ao Japão, e foi por ela também que a Europa então soube de vós e do vosso modo de viver: pelos relatos escritos em português chegaram ao ocidente as primeiras notícias da vossa força como nação e da notável riqueza da vossa cultura.

Esta é, afinal, a nossa história comum, de que ficaram laços exclusivos entre os dois povos. Bem o compreendeu esta universidade no seu trabalho de ajustar esses antigos vínculos ao tempo presente, mais uma vez pela língua, veículo de afectos e de amizade.

É de facto extremamente gratificante saber que esta Universidade se tem afirmado como um centro de excelência do ensino do Português, sendo outrossim uma das instituições japonesas que mais tem contribuído para a promoção da lusofonia.

Gostaria pois de aproveitar a presente ocasião para felicitar publicamente a Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto, na pessoa do seu Director, pela acção muito relevante desenvolvida ao longo dos anos, em prol da difusão da língua portuguesa no mundo.

Mas quero também dirigir uma particular e calorosa saudação às senhoras e senhores professores bem como aos alunos de português aqui presentes pois considero-vos grandes amigos e amigas da língua portuguesa, a quem Portugal deve reconhecimento, estímulo e apreço.

Reconhecimento pelo trabalho, esforço e dedicação despendidos ao longo dos anos, graças aos quais a nossa língua pode ser hoje estudada, ouvida e falada em vários pontos do Japão.

Estímulo, porque esta situação deve-se ao vosso empenho, que não pode esmorecer porque a questão das línguas é uma batalha em que jamais nada está adquirido e nunca nenhuma vitória é definitiva.

Apreço, por fim, porque o magistério das línguas requer um enorme entusiasmo e investimento pessoal uma vez que, o que está em causa, é cultivar a comunicação, o diálogo e a abertura aos outros.


Os contactos que tenho estabelecido com as comunidades portuguesas e lusófilas em muitos países que visitei ao longo da última década, na minha qualidade de Presidente da República, fizeram de mim um militante e um defensor da causa da língua portuguesa, que considero um meio insubstituível para a construção e reforço da identidade, para o exercício da cidadania plena, para a ampliação da nossa intervenção num mundo globalizado.

Como sabem, o português reúne todas as condições para ser uma língua do futuro. Falado por cerca de 200 milhões de pessoas, em todos os continentes – da Europa a África e da América à Ásia -, a língua portuguesa é a sexta ou a sétima mais falada no mundo inteiro. Língua de comunicação internacional - a par do inglês e do espanhol - o português é hoje uma língua estratégica em que vale a pena investir.

Língua oficial de 7 países espalhados pelos cinco continentes – Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, S.Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Timor-Leste, que formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)-, o português é ainda o idioma falado por milhões de cidadãos da CPLP disseminados pelo mundo inteiro e por todos aqueles que, independentemente da sua nacionalidade, aprenderam, falam e usam o português no seu trabalho ou por puro prazer.

Hoje em dia, no nosso mundo globalizado, em que vivemos em rede e estamos em comunicação praticamente permanente com o mundo inteiro graças às novas tecnologias da informação, a escolha do português é não só um imperativo da razão, para além de todas as razões sentimentais – causas do coração, diria – que possam ditar esta opção...

Escolha de razão, dizia, porque o espaço de língua portuguesa está em plena expansão económica, o que faz do português um passaporte em matéria de relações económicas e de trabalho. Língua de negócios e da diplomacia, o português é, cada vez mais, um instrumento competitivo que marca a diferença no mundo do trabalho.

Saber português é pois um trunfo, querer aprendê-lo é uma aposta estratégica. Em jeito de breve demonstração, basta pensar que o nosso idioma é:

- uma língua oficial da União Europeia, que abrange actualmente 25 Estados Europeus, entre os quais Portugal se conta, e é hoje o maior parceiro comercial mundial;

- a língua de grandes potências económicas emergentes - como o Brasil e Angola – e de países, como Moçambique, que ocupa uma posição diplomática e económica importante na África Austral;

- uma língua das novas Tecnologias da Informação, sendo já a oitava mais utilizada na internet;

- uma língua de trabalho de um número crescente de organizações internacionais.

Escolha do coração, dizia também, porque o português é uma língua de expressão de diversas culturas - nomeadamente através da literatura, da música, do teatro, do cinema – e que reflecte, na multiplicidade das suas variantes e das diferentes abordagens aos mundos onde é falada, uma dimensão universal.

O português é pois um magnífico passaporte cultural com um potencial praticamente inesgotável que permite não só cimentar o conhecimento mútuo entre os povos como, muitas vezes, renovar a afirmação da nossa própria identidade e das suas virtualidades.

Pelo nosso passado comum, estamos, Japoneses e Portugueses, particularmente bem colocados para nos empenharmos nesta aventura e e dela colhermos benefícios recíprocos. Não só para redescobrirmos o muito que nos une, mas também para melhor desfrutarmos da nossa diversidade recíproca e assim criar novas cumplicidades para o futuro.

Falei-lhes dos primeiros relatos que, em português, no séc. XVI, chegaram à Europa. Vários séculos passados, um outro escritor português, Wenceslau de Moraes, em Kobe, primeiro, e depois em Tokushima, onde acabou os seus dias, em 1929, e onde, num cemitério budista, repousam as suas cinzas, viveria uma intensa paixão pela multifacetada realidade do vosso país. Da sua estadia deixaria vários livros, que retratam o Japão desse tempo e a sua cultura, estando as suas obras completas publicadas em japonês. Numa das suas crónicas escreveu com emoção: “O Japão é o país onde eu mais vivi pelo espírito, onde a minha individualidade pensante mais viu alargarem-se os horizontes do raciocínio e da compreensão, onde as minhas forças emotivas mais pulsaram em presença dos encantos da natureza e da arte”.

Por tudo isto que nos aproxima, desafio-vos a aprofundar o vosso conhecimento do Portugal moderno – no domínio da literatura, do cinema, da arquitectura, da pintura, da música, do design. E como não evocar também os restantes países de língua portuguesa, em que evidentemente o Brasil ocupa um lugar muito especial pelo seu extraordinário dinamismo e notável pujança cultural.

Caros amigos

Faço votos para que, ao longo das vossas vidas, continuem a alimentar o vosso amor e interesse pela língua portuguesa – de que já recebi comoventes testemunhos – bem como pelas culturas que nela se expressam, para que valorizem estes sentimentos, para que continuem a consolidá-los e a desenvolvê-los.

Nesta minha primeira visita ao Japão, fiz questão em dar um destaque especial à língua portuguesa. Tive razão ao fazê-lo e hoje, ao estar aqui convosco e depois de vos ter ouvido, sinto particular júbilo ao ver o lugar da língua portuguesa nas vossas aprendizagens e nas vossas vidas.

É tocante ver como jovens de diferentes origens como vós se esforçam para aprender o português. Como forma de prepararem o vosso futuro profissional e de se valorizarem no plano cultural e também, para alguns, como homenagem aos vossos antepassados.

Como defensor da causa do português, este encontro foi para mim motivo de grande prazer e alegria. Bem-hajam!