Discurso de SEXA PR, por ocasião da Sessão de Boas Vindas da Câmara Municipal de Guimarães

Guimarães
09 de Junho de 2005


Celebramos o Dia Nacional num momento particularmente exigente da nossa vida colectiva. É nestes momentos que precisamos de reforçar a nossa coesão e a nossa identidade, o nosso sentimento de pertença a uma comunidade portadora de uma história e de uma cultura e o nosso sentido de partilha de responsabilidades. A escolha de Guimarães para sede das comemorações deste ano, que é também o último 10 de Junho dos meus mandatos presidenciais, representa um encontro com as origens da nacionalidade, nas quais devemos buscar inspiração, energia e impulso para construirmos o futuro, pois foi no futuro de Portugal que D. Afonso Henriques, Egas Moniz e os seus companheiros estavam a pensar quando agiram e ousaram. Mas a escolha de Guimarães representa também uma homenagem a uma terra que preservou o seu património, recebendo por isso a honrosa classificação de Cidade Património Mundial, mas soube, ao mesmo tempo, modernizar-se e avançar no caminho do progresso.

Agradeço muito as boas vindas que V. Exa., Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, me dirigiu, em nome desta terra tão ilustre e das suas gentes. Sei que sou aqui bem recebido, quer como Presidente da República, que como cidadão que se orgulha de ter aqui as suas raízes familiares e afectivas.

Neste dia que tradicionalmente é dedicado às boas-vindas e a lançar um olhar sobre a terra que nos acolhe para as comemorações, quero saudar Guimarães e todos os que aqui vivem e trabalham, aproveitando a oportunidade para proceder a uma reflexão sobre a importância do poder local na construção da nossa democracia e na melhoria de vida das nossas populações.

De facto, qualquer balanço sobre a evolução da sociedade portuguesa na era democrática, o desenvolvimento regional e o bem estar das populações terá de integrar, em plano destacado, um capítulo dedicado à acção e às realizações das autarquias.

Importa lembrar isto, já que as opiniões sobre o relevo dessa intervenção nem sempre são pacíficas, pelo que o poder local continua, mesmo na idade adulta, a necessitar de se afirmar e de se reforçar. É, antes de tudo, uma questão de pedagogia democrática.

A avaliação que eu próprio faço da acção do poder local é clara e conhecida: considero que a generalidade dos nossos concidadãos, e em particular muitos dos mais desfavorecidos economicamente, beneficiaram de forma clara, em termos de acesso a condições básicas de bem estar, com a acção dos eleitos locais.

Não se trata apenas de uma convicção subjectivamente alimentada pela minha experiência como autarca, que, sendo pessoalmente gratificante, foi também muito rica, inspiradora e reveladora de novas realidades e novos temas. Essa convicção decorre, em grande parte, da observação in loco, feita ao longo dos meus mandatos como Presidente da República, de realizações concretas levadas a cabo pelas autarquias, de Norte a Sul do País.

Mas a minha convicção de que a administração local contribuiu positivamente para a melhoria das condições de vida dos portugueses baseia-se, além disso, na análise sistemática de alguns indicadores das transformações ocorridas a nível de desenvolvimento e qualidade de vida das populações durante o período de formação e consolidação do poder local democrático.

Direi, sem ser este o momento para entrar em pormenores, que, quando se olha o País no seu conjunto, tomando como critério de observação o padrão de distribuição de recursos e do acesso a equipamentos mais directamente dependentes da iniciativa municipal, o panorama que se obtém revela níveis de equidade e de coesão territorial bem mais elevados do que quando as comparações são feitas exclusivamente na perspectiva da criação e distribuição da riqueza.

E não foi só na criação de infra-estruturas essenciais para a satisfação das necessidades básicas das populações. De facto, quer na construção de equipamentos educativos, culturais e desportivos, quer na resolução dos problemas de alojamento das populações mais carenciadas, quer no combate à pobreza e à exclusão social, quer ainda na dinamização, de formas por vezes muito criativas, da vida cultural local – em todos estas outras dimensões (e não posso ser exaustivo), a marca do poder local está bem presente no quotidiano dos portugueses.

Perante o mapa revelador do desenvolvimento regional e dos níveis de bem estar ao alcance das populações, forçoso é concluir que o País seria bem mais pobre e bem mais desigual se, por absurdo, a acção das autarquias não tivesse existido, nas últimas décadas.

Sendo claro o meu pensamento sobre esta matéria, sou obrigado a reconhecer problemas que persistem e dificuldades que o poder local não soube, não quis ou não pôde, até hoje, resolver de forma cabal.

Primeira dificuldade: a relutância em conceber e partilhar estratégias de utilização de recursos e de desenvolvimento de âmbito supra-concelhio. Não obstante todos os passos dados, nalgumas regiões do País, em direcção ao associativismo inter-municipal – passos esses responsáveis, nalguns casos, pela elaboração e concretização de planos de desenvolvimento integrado bem sucedidos –, o avanço nesta direcção é ainda insuficiente.

Reconheço que as hesitações de sucessivos Governos em matéria de descentralização administrativa e de delimitação clara de responsabilidades nos diferentes escalões da administração não têm, quanto a este ponto, facilitado a vida ao poder local. A verdade, porém, é que, se quisermos vir a fazer, no futuro próximo, um uso criterioso e dotado de sentido estratégico dos fundos estruturais postos à disposição do País, para não falar já de outros recursos, a resolução desta questão é absolutamente crucial.

Outra dificuldade prende-se com a necessidade de elevar os níveis de qualificação do pessoal ao serviço das autarquias. Sendo uma questão comum a outros sectores da vida portuguesa, a verdade é que ela assume aqui particular relevância. De facto, se o poder local quiser continuar a impor-se, junto das outras instâncias de poder e junto da opinião pública, como um espaço particularmente criterioso e eficiente na utilização dos dinheiros públicos, não poderá pactuar com falta de rigor e de credibilidade técnica na sua actuação.

Sei que a solução para esta dificuldade, que passa pela possibilidade, sempre dispendiosa, de recrutar pessoal com qualificações técnicas elevadas, não depende exclusivamente, nem talvez predominantemente, dos responsáveis autárquicos.

Julgo, contudo, que seria muito positivo para o País, até pelas condições de empregabilidade que propiciaria às gerações jovens mais qualificadas, que os autarcas se constituíssem em interlocutor exigente em futuras negociações com o poder central e com as instâncias de coordenação regional sobre esta matéria.

Uma terceira dificuldade tem a ver com o próprio figurino institucional mais adequado às virtualidades do governo local e da proximidade dos eleitos aos problemas das populações.

Vale a pena pedir aos protagonistas do poder local em Portugal que, num esforço de distanciação em relação à sua própria experiência e ao entusiasmo que tantas vezes investem no seu trabalho, reflictam com objectividade sobre a melhor forma de pôr em prática, nas autarquias, os desígnios da transparência política e financeira, do fomento da participação das populações e da mobilização das organizações da sociedade civil que devem caracterizar a governação em sociedades abertas e cada vez mais reflexivas.

Tenho ouvido recentemente os autarcas portugueses pronunciarem-se, perante as críticas de que são alvo, a favor de uma avaliação séria e global do seu contributo para o desenvolvimento e democratização do País. Não posso senão aplaudir tal posição.

De facto, sendo eu um defensor intransigente da avaliação em todos os domínios de actividade, em particular os que se prendem com o interesse público, parece-me muito saudável, na perspectiva do aperfeiçoamento do sistema democrático português, que a avaliação global do funcionamento do poder local em Portugal se faça urgentemente e de forma séria.

Todos aqueles que, como eu, valorizam o papel insubstituível do poder local, são os que mais devem exigir que se lute com determinação contra aquilo e contra aqueles que o desprestigiam e põem em causa com as suas actuações.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Renovo as minhas saudações ao Sr. Presidente da Câmara, a todos os autarcas aqui presentes, aos senhores convidados e à população de Guimarães. Todos juntos, Estado central, poder local e sociedade civil, temos de dar o nosso contributo para vencer os graves desafios que temos pela frente. Ninguém pode, seja a que pretexto fôr, pôr-se fora deste esforço nacional ou considerar-se a excepção à regra que os outros cumprem. A hora exige rigor, trabalho, lucidez e visão de futuro. Não há tempo a perder. É também essa a lição que nos dá o simbolismo histórico que Guimarães encerra.