Sessão Solene Comemorativa do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas


10 de Junho de 1999


Portugueses
 
Celebramos, hoje, Portugal, o vínculo que une os portugueses e as comunidades, a nossa história e a nossa cultura, que simbolizamos em Camões.

Esse vínculo que une todos os portugueses de agora, estejam onde estiverem, une-nos também aos portugueses do passado e aos portugueses do futuro.

Aos portugueses do passado, porque uma Pátria é feita de memória partilhada, de referências comuns, de património colectivo, de permanência e transmissão. Une-nos aos portugueses do futuro, porque uma Pátria é responsabilidade perante as gerações que nos renderão, é mudança e transformação, é esperança, expectativa e renovação, é sonho e desejo de acrescentar o recebido, de fazer melhor do já feito.

Um País constrói-se com o contributo de todos e é, em cada momento, ponto de chegada e ponto de partida. A diversidade de modos como, ao longo de épocas e em cada época, os portugueses foram vendo Portugal não impede, todavia, a existência de uma identidade largamente sedimentada, em que nos reconhecemos e que faz de nós um Estado Nação independente dos mais antigos do Mundo.

Portugal foi, é e será uma criação dos portugueses. Como disseram Herculano e Oliveira Martins, Portugal é independente porque, de entre todos os factores que concorreram para essa independência, há um que se manteve inalterável - a vontade.

Portugal foi, é e será independente porque essa foi, é e será a vontade dos portugueses, uma vontade todos os dias reafirmada em actos. Os portugueses criaram o território, criaram uma língua e uma cultura, criaram um Estado-Nação.

Como mostrou Orlando Ribeiro, apesar dos contrastes geográficos, os portugueses criaram uma unidade territorial, impedindo que esses contrastes fossem factor de divisão. A valorização da unidade territorial continua na ordem do dia. Tem alcance económico e social e tem alcance político. O país precisa tanto de um litoral ordenado, onde as continuidades e os equilíbrios sejam garantidos, como de um interior povoado, onde o risco de desertificação ecológica seja sustido.

A relação com o Atlântico, historicamente tão importante, é complementar da relação com a Europa e o Mediterrâneo. A língua é outra das criações identitárias de Portugal. A unidade linguística fortaleceu Portugal e deu dinamismo à sua afirmação cultural. Com o fim do Império, a língua tornou-se um dos fundamentos mais decisivos para o estreitamento das relações, não só entre Portugal e as comunidades portuguesas, como entre Portugal, o Brasil e os países africanos onde o português é língua oficial.

Temos de dar à língua a maior atenção e usá-la como um instrumento estratégico da nossa projecção no Mundo. Uma política de língua, com meios e recursos apropriados, é uma prioridade fundamental. E não podemos esquecer que a aprendizagem e o domínio do português é a primeira condição para um ensino com bases, qualquer que seja o rumo que, mais tarde, venha a tomar.

Outro factor de reforço da nossa identidade é a defesa e valorização do património cultural. O consenso democrático em torno do património pode e deve ser aprofundado, tomando o património como um conceito que evoluíu muito e que abrange realidades muito amplas e diversas: os monumentos, os documentos, as obras de arte, a paisagem, o saber, o saber fazer, as memórias, as representações, os símbolos, os lugares.

O Estado Nação foi outra criação dos portugueses. "Somos independentes porque o queremos ser: eis a razão absoluta, cabal, incontestável, da nossa individualidade nacional", afirmou Herculano. A coesão nacional foi a grande condição que, mesmo nos momentos difíceis, fez com que nos entendessemos como portugueses, superando as dificuldades e as crises.

Herdeiros de uma cultura de que nos orgulhamos e de uma história de oito séculos e meio, com luzes e sombras, que assumimos, somos hoje um País livre e democrático, europeu e universalista. Durante os anos de ditadura, as comemorações nacionais eram apresentadas como a expressão de um unanimismo falso, que ia ao ponto, para o ser, de recusar existência àqueles que não partilhavam a versão oficial da História e da identidade portuguesas.

Em democracia, a unidade nacional a que este Dia apela constrói-se na diversidade, no pluralismo e na diferença. Sabemos que uma sociedade moderna é feita de equilíbrios que se procuram e que nunca são definitivos, pois estão sujeitos, como sabemos, a forças de integração e forças desintegradoras. Ter isso presente é ter consciência de que a coesão não nos é dada, que a temos de construir e aprofundar a cada momento.

Os dias simbólicos como o de hoje, em que, para além das divergências, nos sentimos fazendo parte de um todo, apelam ao patriotismo. Esse patriotismo não é mais invocado, como o foi no passado recente, para excluir portugueses ou os dividir entre bons e maus. É um patriotismo moderno e democrático que representa o compromisso de cada um de nós para com os outros e para com o País, é um patriotismo que vê na democracia, na participação de todos os portugueses e na cidadania as condições do engrandecimento de Portugal.

A democracia é o regime da Lei, da legitimidade, da responsabilidade e do respeito pelas regras. É o regime da autoridade democrática do Estado, serena, firme e eficaz. Não é e não poderá ser nunca o regime da predominância dos particularismos, dos corporativismos, ou dos localismos sobre o interesse nacional.

A autoridade do Estado democrático resulta do voto, que expressa a soberania popular e lhe dá legitimidade exerce-se em nome da Lei e na defesa dos direitos de todos e de cada um.

Numa democracia, a autoridade do Estado de Direito é a outra face da cidadania e da participação. É assim que tem se ser entendida e praticada. Para isso, tenha-se por claro que a Justiça - serviço de dar a cada um o que de direito lhe pertence - é uma co-responsabilidade de todos, enquanto poderes e enquanto cidadãos.

Aos poderes compete a organização e a disciplina dos meios que permitam ao Estado de direito ser Justiça pronta e eficaz e assim revelar a sua autoridade; a todos, poderes e cidadãos, compete usar esses meios de forma responsável, resistindo à tentação de fazer deles um inaceitável instrumento de confrontação ou de os colocar ao serviço de egoísmos sociais em prejuízo de toda a comunidade.
 
 
Minhas Senhoras e Meus Senhores
 
É sob a evocação de Camões que celebramos o Dia de Portugal. Não devemos fazer, porém, como se de uma rotina ou de uma retórica festiva se tratasse. A obra de Luís de Camões não pertence ao passado. Mantém intacta a sua capacidade de inquietação. Ao longo da nossa história, foi nela que se buscou a energia para mudar o que estava mal e para fazer ressurgir o País. Foi em Camões que Garrett encontrou inspiração para a sua grande obra literária, cívica, política e cultural, que representa um momento fulcral de viragem. Foi em Camões que, após o Ultimato, se buscou a força do protesto e da mudança. É ainda, hoje, em Camões que podemos medir o sentido e o alcance da nossa ambição para Portugal e para os portugueses.

Este Dia é, por isso, também o dia adequado para olhar o futuro. Temos orgulho no que somos e nas realizações em que projectamos o que de melhor pudemos e soubemos, mas também estamos conscientes de que a encruzilhada é difícil e o espaço para a afirmação de Portugal e dos portugueses não está garantido. Só nós o podemos garantir, com o nosso trabalho, com a nossa inteligência, com a nossa determinação e, atrevo-me até a dizer, com a nossa capacidade para superarmos os próprios limites.

De entre as nossas prioridades, estou convencido de que a educação é, nos próximos anos, um factor absolutamente decisivo. Portugal joga a força da sua posição na Europa e no Mundo através da qualificação que o seu sistema escolar puder assegurar. Não tenhamos medo das palavras: se não conseguirmos converter esta razão antiga do nosso atraso num factor de competitividade, nada faremos de duradouro e o caminho será estreito.

A sociedade de informação está aí e as competências indispensáveis para que Portugal nela se integre exigem uma atitude generalizada favorável à ciência como condição para o conhecimento da realidade e para a nossa modernização em todos os domínios da actividade, da administração à economia. Temos, pois, diante de nós dois desafios muito exigentes, absolutamente prioritários e entre si articulados: a educação e a ciência. São desafios cruciais como não me canso de sublinhar.

A estes dois somaria, um outro: o do ambiente. A demonstração de que economia e ambiente não podem caminhar de costas voltadas já não precisa de ser feita. Todos os dias, da forma mais crua, somos confrontados com as ameaças à qualidade de vida. Vencemos algumas batalhas neste domínio, mas há muitas outras a travar e a urgência é agora maior.

Precisamos, em suma, de aprofundar o desenvolvimento, assegurando, ao mesmo tempo, a coesão nacional, a solidariedade e promovendo a justiça contributiva e distributiva, de modo a combater as assimetrias.

A força da nossa participação na construção da Europa e a voz que nela podemos ter dependem muito da nossa capacidade de nos modernizarmos e tornarmos mais competitivos. Mas dependem também da fidelidade a nós mesmos, aos valores e às causas universalistas que defendermos.

A cidadania europeia continua a ser um combate de todos os europeus. As eleições do próximo domingo são um momento da sua afirmação. Por isso, renovo o apelo á participação eleitoral dos portugueses.

A situação em Timor-Leste continua a merecer o nosso cuidado mais permanente. Na sequência dos acordos de Nova York, que abriram caminho para o exercício livre e democrático do direito de autodeterminação, Timor-Leste está a viver momentos decisivos na sua história.

Portugal está preparado para assumir todas as suas responsabilidades decorrentes dos acordos e dos resultados de uma consulta livre e democrática. Continuam, no entanto, longe de estar asseguradas as necessárias condições de estabilidade no Território, apesar dos esforços das Nações Unidas para pôr fim à violência organizada contra a população. Quero renovar, neste momento, o meu apelo à pronta libertação de Xanana Gusmão, cuja participação no processo de reconciliação é determinante.

Não podemos deixar de manifestar a nossa preocupação pelo atraso na criação de um clima de segurança e de liberdade indispensável para garantir uma consulta democrática. Permaneceremos, por isso, vigilantes e empenhados em trabalhar com as Nações Unidas para assegurar o cumprimento rigoroso dos acordos e o sucesso do processo de autodeterminação.

Temos confiança nos timorenses e queremos que saibam que os Portugueses estarão sempre com eles na luta pelos seus direitos e pela sua liberdade.

No final do ano, será concluída a transferência de Portugal para a China da soberania de Macau. Tem sido possível conduzir esse processo com tranquilidade e na salvaguarda dos direitos da população do território. Macau continuará a ser um lugar único de encontro do Ocidente com o Oriente, ao qual permaneceremos ligados por laços afectivos e culturais indissolúveis.
 
Neste Dia, quero também louvar a acção exemplar que as Forças Armadas vêm desenvolvendo, no país e no estrangeiro, cooperando com as autoridades civis, na melhoria da vida dos cidadãos, no quadro da cooperação técnico-militar com os Países de Língua Oficial Portuguesa e em missões de apoio à paz e segurança internacionais, que muito têm prestigiado Portugal.

Portugueses,

A poucos meses de entrarmos no novo século e no novo milénio, neste tempo de mudança, em que a preocupação se cruza com a esperança e com o desafio, celebramos a Pátria, Camões e as Comunidades, em Aveiro, cidade que fez do patriotismo democrático, de que vos falei, uma marca que honra as suas gentes e que merece a nossa homenagem.
É daqui que me dirijo a vós, para dizer: façamos de Portugal uma responsabilidade assumida por cada um e uma criação realizada por e para todos os portugueses.

Viva Portugal!