Discurso de SEXA PR por ocasião da Abertura do Ano Lectivo na Universidade da Beira Interior

Universidade da Beira Interior
09 de Novembro de 2001


É com muito prazer que visito a Universidade da Beira Interior. Quero felicitar os responsáveis pela vossa instituição e, em particular, o Senhor Professor Doutor Manuel Santos Silva, seu Reitor, pelo empenhamento e esforço realizados para oferecer boas condições para o estudo e para a investigação científica. Está de parabéns toda a comunidade académica pelo acto de inauguração da Biblioteca que hoje se realiza.

Quero felicitar também esta Universidade pelo trabalho de valorização e recuperação do património industrial e pela sua inserção na cidade. Estão de parabéns os arquitectos que tiveram a seu cargo os projectos.

Na primeira parte da minha intervenção, permitam-me que partilhe convosco algumas preocupações relativas ao desenvolvimento educativo do país. É o apelo a uma reflexão conjunta sobre um sector que exige o empenhamento de todos para que se registem indispensáveis progressos na oferta e na qualidade da educação e da formação.

Portugal mudou muito nos últimos anos, tendo a educação constituído uma base essencial para essa mudança. Passámos, em pouco tempo, de um sistema reservado a uma elite social, a um sistema aberto à maioria da população portuguesa jovem.

Foi grande o esforço financeiro realizado, tendo sido muito significativo o aumento do acesso a todos os níveis de ensino. Temos de nos regozijar com esta evolução, sendo o número de crianças na educação pré-escolar três vezes superior ao que era há vinte anos. A frequência no ensino superior é hoje cinco vezes superior à de 1980. Também o acesso à educação básica registou significativos progressos abrangendo a quase totalidade da população dos níveis etários equivalentes.

Apesar desta evolução, cujo ritmo não tem paralelo nos outros países da União Europeia, há que progredir em dimensões essenciais ao desenvolvimento e à democracia. É necessário um esforço conjugado de todo o país para recuperar o atraso acumulado em décadas da nossa História.

Referirei duas dessas dimensões em que é manifesta a urgência dessa recuperação.

A primeira dimensão diz respeito ao desenvolvimento da educação ao longo da vida e à formação daqueles que cedo foram excluídos da escola. Os portugueses, com idades superiores a trinta e cinco anos, apresentam qualificações escolares muito baixas e a oferta existente de novas oportunidades não corresponde às necessidades das pessoas e do país.

Trata-se de um dos maiores obstáculos ao nosso desenvolvimento e de uma injustiça social que é necessário atenuar. Com efeito, se as oportunidades de formação dos jovens aumentaram de modo muito significativo, tal não acontece para quem decide voltar a estudar noutras fases da vida.

As instituições de ensino básico, secundário e superior têm de realizar nesta área esforços significativos quer ao nível do reconhecimento de competências e habilitações adquiridas, quer no processo essencial de motivação e de valorização de percursos individuais de formação, quer ainda ao nível da organização de programas pertinentes.

A educação ao longo da vida constitui um instrumento essencial ao desenvolvimento das sociedades, requerendo das instituições e dos professores, novas competências, diferentes ritmos e estilos de actuação.

Há, por outro lado, que fazer um esforço para evitar que persistam processos de abandono precoce da escola, sem a obtenção de uma qualificação profissional ou académica. Há aqui um investimento prioritário a realizar ao longo de todo o ensino básico e secundário.

A segunda dimensão diz respeito à melhoria da qualidade do ensino e à promoção de uma educação eficaz para todos os alunos. Temos de ser capazes de melhorar os níveis de aprendizagem proporcionados. O grande investimento realizado com êxito, visando aumentar a capacidade de acolhimento em todos os níveis de ensino exige agora um esforço que incida na qualidade do ensino e na eficácia das escolas. Ouvem-se, hoje, muitas queixas da sociedade em direcção à escola pública.

Argumenta-se, por exemplo, que não se aprende porque existe facilitismo e porque se tolera em demasia a indisciplina. Esta imagem da escola preocupa-me por se tratar da instituição pública com maior peso na vida de todos os cidadãos do país.

Há que corrigir esta imagem, promovendo um melhor conhecimento das instituições educativas e da sua evolução, mas também garantindo que nelas se criem hábitos de trabalho, responsabilidade e exigência.

Estou convencido de que hoje, como ontem, existem bons alunos e bons professores. Há, todavia, um número muito elevado de alunos que não aprende, cujo percurso escolar é perturbado porque não dispõe de um ambiente educativo e cultural estimulante, nem dos apoios de que necessita. Todos sabemos as desigualdades que existem entre aqueles que pertencem a famílias com elevadas formações académicas e condições para o estudo e aqueles que não dispõem dessas condições.

A uns como aos outros deve ser exigido trabalho e esforço, mas todos devem encontrar na instituição educativa um meio estimulante e respostas diferenciadas e motivadoras. Para tal, as escolas devem investir na mudança ao nível dos métodos pedagógicos, da organização das aprendizagens e da vida escolar, da formação e da avaliação dos professores.

É, igualmente, indispensável que funcionem dispositivos de avaliação do trabalho desenvolvido que sirvam de base à melhoria das aprendizagens.

Há que conciliar a obtenção de bons resultados nas provas de avaliação e nos exames, com o esforço de criação de uma escola verdadeiramente inclusiva onde todos os alunos encontrem condições para adquirirem conhecimentos e aprenderem a ser cidadãos. A escola deve ser exigente para com os alunos, mas essa exigência só faz sentido se lhes proporcionar condições de trabalho e apoio.

Uma escola em que uma parte dos alunos obtém excelentes resultados não pode ser considerada uma escola eficaz se não conseguir apoiar aqueles que apresentaram dificuldades ao longo do percurso. A Cimeira da Unesco sobre “A Educação para Todos” realizada em 1990, em Jomtien (Tailândia) tinha subjacente um novo paradigma de escola: uma escola que promove a educação de todos os seus alunos.

Há que rever conceitos como o de escola boa ou escola eficaz. Uma escola boa tem de assentar no princípio de que todos os alunos podem e devem aprender. É uma escola que visa a integração educativa e social e que forma pessoas capazes de compreender e intervir na sociedade. Por isso a escola obrigatória do passado, que excluía uma parte muito significativa das crianças, não pode ser encarada como modelo numa educação onde a promoção da igualdade de oportunidades é assumida como um princípio.

A escola que defendo é uma escola de trabalho e exigência para todos os alunos e professores. É uma escola que premeia o mérito daqueles que trabalham para que todos os alunos aprendam, mas é também uma escola que não aceita a indiferença face às dificuldades dos alunos e que cria condições para ajudar os professores a serem mais competentes e eficazes.

Acredito que a avaliação das escolas e dos professores tem de ser um instrumento essencial na construção de uma educação eficaz e democrática. Uma avaliação da qual é essencial que se tirem consequências.

Tenho conhecido interessantes projectos de escolas onde, em condições muito difíceis, se desenvolve um trabalho de integração dos alunos notável. Por isso, não estou pessimista e acredito que há em muitos casos vontade e capacidade de inovação.

Mas a mudança é urgente.

Considero inadiável a criação de condições de estabilidade, responsabilidade perante os percursos escolares dos alunos e, sobretudo, para uma avaliação consequente. É necessário estabelecer metas exigentes em termos das aprendizagens realizadas e das competências desenvolvidas na escola. Só assim teremos uma escola eficaz e inclusiva.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A segunda parte da minha intervenção será dedicada ao ensino superior. Assistimos nas últimas décadas à expansão, diversificação e ao alargamento da rede de estabelecimentos do ensino superior.

Trata-se de importantes evoluções. A experiência das universidades que, como esta, foram recentemente criadas, bem como a dos institutos politécnicos, mostrou a pertinência de objectivos de formação profissional e de participação nos processos de desenvolvimento regional, através do estabelecimento de parcerias no campo científico, económico, social e cultural. O papel destas novas instituições foi essencial para a democratização do acesso ao ensino superior e para o desenvolvimento do nosso país.

Quero sublinhar que possuímos hoje um conjunto de edifícios da maior qualidade, adquirimos equipamentos, formámos professores. São progressos muito importantes, essenciais a um ensino superior de qualidade. Temos de continuar, em alguns casos, como por exemplo nas áreas da saúde, este esforço de crescimento. Tenho acompanhado com preocupação esta área, em que são grandes as carências de diplomados. Sigo, com o maior interesse, o alargamento do número de vagas nos cursos já existentes e a criação de novos cursos. Visitarei esta tarde com muito prazer a Faculdade de Ciências da Saúde e falarei com docentes e alunos. Mencionei que era uma nova exigência. Será, certamente, uma nova responsabilidade. Ligação com o meio, com os serviços de saúde, com a investigação. Em especial quando se sabe que, no mundo inteiro, a formação médica é uma matéria em plena discussão e evolução. Pelo que se exigem menos questões de poder e mais cooperação.

Pode, porém, considerar-se ultrapassada a fase em que a preocupação dominante incidiu sobre o aumento do número de vagas no ensino universitário e politécnico. Sabemos também que a evolução recente foi muitas vezes objecto de pressões que ditaram linhas de rumo menos coerentes. A sua correcção exige que se repense o sistema que temos e a sua organização. Eis o que me leva a propor-vos, uma vez mais, a participação de todos na construção de consensos que permitam a evolução do ensino superior.

Estou convencido de que o investimento nos próximos anos terá de privilegiar a qualidade do ensino e a investigação científica, bem como a organização de novas respostas à evolução da sociedade e às exigências decorrentes da criação de um espaço de ensino superior europeu.

Antes de terminar esta minha intervenção, gostaria de vos propor sete temas para reflexão sobre o ensino superior:

1. A avaliação das instituições, das aprendizagens realizadas e competências desenvolvidas, da qualidade dos diplomas e da investigação são essenciais ao desenvolvimento da excelência. Como incentivar e aperfeiçoar o funcionamento desses sistemas de avaliação? Como garantir que os resultados obtidos são tidos em conta nos projectos de ensino e investigação?

2. É importante rentabilizar o trabalho realizado nas escolas superiores, o que exige que estas se organizem para melhorar o trabalho de professores e alunos. Como diminuir os níveis de insucesso escolar? Como garantir melhor eficácia na aquisição de conhecimentos e no desenvolvimento de competências requeridas pela sociedade e pelo mundo do trabalho?

3. O terceiro tema prende-se com a diversificação de modelos pedagógicos no trabalho universitário. Existem hoje experiências em que são ensaiados novos processos organizativos em que os papéis tradicionalmente desempenhados por professores e alunos sofrem importantes mudanças. É o caso do vosso curso de medicina. Trata-se de um processo pedagógico centrado no aluno em que lhe é requerida uma permanente actividade de aprendizagem.

Considero importante esta diversificação de modelos pedagógicos, sendo a avaliação e divulgação destes processos essencial. Estes processos inovadores podem contribuir para o debate pedagógico no ensino superior. Como estimular este debate?

4. A Declaração de Bolonha vem criar novos e importantes desafios. Estão as Universidades e os Institutos Politécnicos a preparar-se para integrar o espaço de ensino superior europeu? Como se perspectivam questões como a mobilidade de alunos e professores?

5. A educação ao longo da vida deve tornar-se uma dimensão efectiva nas instituições do ensino superior. Como adaptar processos pedagógicos, ritmos de trabalho e programas às características e interesses dos novos públicos e de programas de educação ao longo da vida?

6. A investigação científica tem de estar indissociavelmente ligada ao desenvolvimento da qualidade do ensino superior. Em que medida estão a ser criadas dinâmicas nas Universidades e nos Institutos Politécnicos para que a investigação científica se torne uma dimensão essencial da vida dessas instituições?

7. O sétimo tema, foi-me sugerido pelas magníficas intervenções do Senhor Reitor e do Senhor Presidente da Associação de Estudantes. Sempre considerei louvável o esforço das instituições para gerarem receitas próprias. Não compreendo, por isso, que mal há na utilização das receitas próprias das instituições para acudir às suas necessidades, desde que o Estado assegure as verbas indispensáveis.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Portugal fez muito, num espaço de tempo menor do que outros países. Esta capacidade demonstrada não nos permite porém descansar, porque é necessário progredir muito mais neste sector. Acredito que o aprofundamento dos processos de avaliação, a todos os níveis, pode ser decisivo.

Os novos desafios colocados pelo desenvolvimento económico e social e pela Democracia continuam a exigir uma grande dedicação de todos nós.