Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão de Abertura da Conferência Internacional “Investir nas Florestas Portuguesas”

Coimbra
11 de Julho de 2005


Esta Conferência Internacional reveste-se de muita importância, quer pelos temas que trata e pelos especialistas que reune, quer pelo momento oportuno em que se realiza. De facto, estamos, nestes domínios, perante uma responsabilidade e um grande desafio.

Os espaços de possível vocação florestal ocupam mais de metade do país, estando arborizada boa parte dessa área. A floresta significa vida, riqueza, emprego, paisagem, turismo, indústria, água, caça, entre outras actividades que se podiam mencionar. Há sinais e realidades muito positivos, mas há ainda imensos espaços sub?aproveitados e até frequentemente abandonados e a sociedade não beneficia de tudo aquilo que eles lhe poderiam fornecer. Perdem?se oportunidades, desperdiçam?se recursos e não se perspectiva o futuro. Sendo Portugal um país de florestas (pinhais, montados, soutos e plantações para fins indústriais), estas e a silvo-pastoricia deverão ter um papel de relevo nas políticas da silvicultura, do desenvolvimento rural e do ambiente sustentável.

É urgente assegurar uma dinâmica de aproveitamento para todos aqueles espaços, que potencie a diversidade dos seus usos, funções e actividades e que garanta a sua perenidade (vimos como, recentemente, se desenvolveu uma campanha internacional contra a cortiça – que a ter êxito levaria ao abandono dos montados de sobro).

A floresta portuguesa é um espaço em mutação, à procura de um equilíbrio que ainda não foi conseguido após as profundas alterações sociais que abalaram o país desde os meados do século XX. O abandono e a desorganização em que está o espaço florestal é sintomático de um sistema produtivo que já não é sustentável. O advento da sociedade industrial perspectivou a floresta como um recurso estratégico renovável e gerador de riqueza, onde o homem desempenhava um papel fundamental na sua criação e manutenção. Com a litoralização da actividade económica, o êxodo e as alterações do mundo rural, os instrumentos de gestão deste espaço deixaram de existir e provocaram o colapso do sistema.

Na actual sociedade da inovação e do conhecimento as lógicas que promovem a exploração da floresta são outras, bem como as ferramentas que permitem a sua gestão. Estamos perante um desfasamento entre a sociedade e o sistema florestal herdado. Há portanto que criar novos modelos de gestão dos espaços florestais, baseados em informação e conhecimento, onde bem se compatibilizam produção lenhosa e suberícola e silvo-pastorícia, com actividades como recreio, caça e conservação da biodiversidade.

Nesta Conferência analisar-se-ão seguramente as respostas para duas questões fulcrais:

A primeira é saber qual o modo de ultrapassar os entraves quer da estrutura fundiária existente, onde predomina o minifúndio, quer dum conjunto de proprietários envelhecidos e absentistas. É na floresta do minifúndio privado que estas questões se colocam com maior pertinência, seja pela pressão humana a que ainda por vezes está sujeita, seja pelo potencial produtivo das zonas mais húmidas que lhe estão associadas, seja ainda pelo abandono devido ao êxodo rural. Ora temos que encontrar soluções que satisfaçam as expectativas do proprietário e simultaneamente as da sociedade.

A segunda questão é a de saber quais os incentivos ao investimento no sentido da modernização e valorização sustentável da nossa floresta industrial e também da silvo-pastoricia nos soutos e montados de carvalho, sobro e azinho.

Teremos que procurar modelos dinamizados quer pelo sector produtor de madeira quer pelo sector da indústria e comércio florestais, quer pela silvo-pastoricia. Os vários modelos podem complementar?se com vantagens mútuas.

Os incentivos ao investimento terão de cubrir os riscos inerentes ao carácter de médio e longo prazo da sua rentabilização. Estes incentivos deverão ter como um dos elementos de arranque os sistemas da União Europeia, buscando abrigo nos programas de desenvolvimento rural e de boas práticas ambientais. Mas que não são suficientes.

Com longos ciclos inerentes ao crescimento das árvores, a implementação de um plano mobilizador nacional, sustentado numa política florestal clara, tem também de constituir um pacto inter?geracional: usamos hoje uma floresta planeada e instalada há dezenas de anos e a nossa clarividência determinará qual a floresta que as gerações vindouras usufruirão.

O Estado desempenhará um papel importante na elaboração e manutenção deste plano. Mas são chamados à iniciativa todos os sectores da sociedade civil, nomeadamente, as instituições financeiras que são essenciais para criar os instrumentos e dar sustentabilidade que garanta a sua implementação no médio e longo prazos.

Uma floresta pensada e planeada, gerida activamente pelo seus proprietários e usuários, garante a valorização dos bens e serviços produzidos, criando?se deste modo emprego e riqueza para o pais. A floresta é aliás uma alavanca fundamental do desenvolvimento rural. Como exemplo, podemos olhar para o caso de países que, geração após geração, souberam valorizar a floresta através de uma notável organização colectiva e da gestão activa e inteligente dos seus espaços florestais. Estes povos (por ex. nalguns paises nórdicos) de estrutura de propriedade similar à nossa e às vezes com potenciais produtivos bastante inferiores, criaram uma economia de base florestal e um sistema social que hoje consideramos exemplares.

Em conjunto, proprietários, agentes económicos, administração, central e autarquias locais têm que desenvolver modelos de gestão inovadores e, acima de tudo, eficazes, que ultrapassem as rotinas e os estrangulamentos há muito diagnosticados. Temos que agir de uma forma concertada e duradoura no tempo, arquitectando um plano sustentado por competências, atribuições e meios claramente estabelecidos. A criação recente das zonas de intervenção florestal descentralizadas dá alguma esperança neste sentido. O tempo é de acção, sem dúvida.

Convém realçar a importância da “investigação e desenvolvimento tecnológico”, no sentido da melhoria das espécies florestais, da adequação dos povoamentos às condições ecológicas regionais e das práticas silvícolas que assegurem melhor produtividade.

A todos estas preocupações, aliás interligada com elas, juntou-se o elemento da intensificação dos fogos florestais.

Apraz-me registar positivamente o acervo de legislação publicado após a tragédia dos incêndios de 2003, que permite um enquadramento global e actualizado de actores e funções. E saliento o crescimento quantitativo dos meios disponíveis para o combate aos fogos em 2005. Mas não aprofundo estas matérias, apesar de muito relevantes, pois desviar-vos-iam dos objectivos desta muito oportuna Conferência.

Termino saudando todos os participantes e felicitando os organizadores e o seu presidente. Faço votos de que cheguem a conclusões sólidas e passiveis de serem rápidamente levadas à prática. O que é tão importante para Portugal e para os portugueses.