Discurso do Presidente da República por ocasião da inauguração oficial do Colégio "Casa das Abelhinhas"

Lisboa
07 de Setembro de 2005


Uma primeira palavra é dirigida à Cooperativa “Colmeia” que quero felicitar por toda a actividade que vem desenvolvendo e que abrange não apenas a solução de problemas habitacionais mas também os restantes domínios conexos. A cooperativa aplica uma visão integrada da habitação, contribuindo para um desenvolvimento urbano mais equilibrado, mais humano e, dessa forma, promove também a cidadania.

O equipamento social agora inaugurado é um exemplo significativo desta linha de orientação: por um lado, tem como destinatária a população mais jovem; e, por outro complementa iniciativas já realizadas ou previstas para outros grupos etários. Tomei nota de que, entre os projectos da “Colmeia”, figura também a “Casa dos Mestres”, para pessoas mais idosas. Trata-se de um outro contributo para que a acção realizada se torne mais abrangente, integrada e até intergeracional.

Sublinho, a este propósito, a necessidade de não exclusão das pessoas em situação de grande dependência, qualquer que seja a sua idade. Como sabemos, tal dependência pode resultar não só da idade muito avançada mas também de outras causas tais como a doença grave, a deficiência profunda e o acidente incapacitante.

Gostaria que a minha presença aqui fosse interpretada como estímulo e homenagem a todo o cooperativismo de habitação e ao movimento cooperativo em geral, incluindo as suas uniões, federações e confederações, cuja representação neste acto me apraz registar e saudar.

O movimento cooperativo, a par do mutualista e do associativismo em geral, soube preservar os ideais de emancipação e de cidadania caldeados nas lutas e utopias sociais do século XIX. A acção desses pioneiros reveste-se hoje de uma actualidade e exemplaridade extremas.

Como eles, nós atravessamos dificuldades que parece , por vezes, insuperáveis. Mas, ao contrário deles dispomos de condições de vida muito superiores às do século XIX.

Como eles, também nós lutamos pela consagração e desenvolvimento de direitos. Temos de lutar também contra certa atrofia do sentido de responsabilidade colectiva e a transferência sistemática para o Estado de deveres de cidadania. O vazio e o desencanto que hoje se observam na sociedade portuguesa resultam, em parte, da demissão pessoal e colectiva perante as nossas responsabilidades.

O facto de estarmos aqui todos a inaugurar uma obra desta natureza, apesar das dificuldades orçamentais e económicas que Portugal atravessa, que o movimento cooperativo tem força e capacidade de iniciativa. Mostra também que estamos em condições de continuar a promover os direitos sociais dos mais fracos.

Devemos este trabalho a uma cooperativa. E as cooperativas são uma forma de propriedade social, uma modalidade de iniciativa infra-estatal directamente vocacionada para ser vir o bem público. O movimento cooperativo muito tem contribuído e muito contribuirá para o bem-estar cultural, social e económico dos portugueses.

Sei que devemos esta obra ao movimento cooperativo mas também sei que sem o apoio do Estado não estaríamos aqui.

Por isso, neste momento em que temos que reformar o Estado, incluindo a mudança de alguns regimes da função pública, sinto o dever de assinalar esta questão. Essas reformas são indispensáveis e, para terem sucesso, devem ser feitas com os funcionários públicos.

Sem o espírito devotado do conjunto dos funcionários públicos, seria por certo impossível que o Estado pudesse cumprir as suas obrigações. Quando se fala em sacrifícios a exigir aos funcionários importa não esquecer esse património de serviço, de profissionalismo e de dedicação.

Em nome desse património, há que zelar pelos princípios da ética republicana na nomeação de cargos de elevada responsabilidade técnico-administrativa. A ética republicana exige competência, devoção ao serviço público, transparência, disponibilidade para abandonar o cargo exercido a outros melhores, nos termos da lei. A ética republicana exige que o funcionário sirva a República e proíbe-o de se servir da República para promover os seus fins pessoais ou os de um determinado grupo.

A situação financeira do Estado exige que aos funcionários públicos, mais ainda do que ao comum dos cidadãos, sejam pedidos sacrifícios tanto mais dolorosos quanto são inesperados e correspondem à frustração de expectativas que aliás eram estimuladas pelos mais altos responsáveis da Administração Pública. Teremos de promover essas reformas sem sacrificar o mínimo social, mesmo para aqueles grupos que não beneficiam da protecção de poderosos lobis organizados. Devemos preocupar-nos sempre em dignificar a função pública, não confundindo a necessidade dos sacrifícios com a facilidade que consiste em apontar o dedo a um determinado grupo de cidadãos.

Contrastando com algum derrotismo que se manifesta hoje entre nós, o movimento cooperativo continua fiel ao seu progressismo responsável e solidário, distinguindo-se pelo exercício harmonioso de direitos e responsabilidades da cidadania, ao serviço do bem comum.

O movimento cooperativo continua a dar conteúdo ao princípio enunciado por John Kennedy e que eu tantas vezes evoco: antes de saber o que é Portugal pode fazer por nós, devemos perguntar o que é que nós podemos fazer por Portugal.

Este é um princípio, uma norma de conduta cidadã, absolutamente fundamental, sendo certo que o que nós não fizermos por Portugal – por nós e pelas gerações futuras – ninguém mais o fará.

Antes de terminar estas minhas palavras, gostaria de partilhar convosco algumas preocupações, relacionadas com o momento actual e as perspectivas de evolução do sector cooperativo e social. Antes de mais parece-me deveras positivo que prossiga o esforço de intercooperação de todos os ramos do cooperativismo. Louvo os avanços já conseguidos e espero, confiadamente, que eles se intensificarão e institucionalizarão cada vez mais. Espero até que não esteja muito distante a data em que o sector cooperativo se assuma e coopere como um todo. É exactamente como um todo, sem prejuízo de cada parte, que ele é absolutamente indispensável à sociedade portuguesa.

Uma outra preocupação que vos apresento respeita ao conhecimento dos problemas sociais relacionados com cada ramo do sector. Considero notável o trabalho de diagnóstico social realizado pela organizações cooperativas; aliás, esse trabalho esteve, frequentemente, na origem da criação e desenvolvimento de inúmeras cooperativas. No momento actual, marcado pelo aparecimento e agravamento de problemas sociais, recomenda-se que redobre o esforço de conhecimento, incidindo sobretudo nas realidades mais graves e ocultas. Olhando para os domínios sociais correspondentes aos ramos do sector cooperativo, consagrados no respectivo Código, verifica-se a existência, em todos eles, de omissões de conhecimento e de acção que respeitam a problemas sociais de extrema gravidade, perdidos não raro na amargura do anonimato e do abandono.

É claro que o conhecimento de tais problemas não é uma responsabilidade específica do sector cooperativo. Mas, como é seu timbre, ele não deixará de dar o seu contributo próprio, em termos de conhecimento e de procura de solução. E na linha da sua constante história, reconhecerá as vítimas dos problemas sociais como primeiros agentes das soluções a adoptar, em clima de cooperação e de associativismo.

Por fim e sem prejuízo da autonomia do sector, há que prosseguir a estreita articulação com o Estado através dos seus diferentes organismos, realçando-se a posição charneira do Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo. O INSCOOP já ocupa uma posição relevante na história do cooperativismo dos últimos trinta anos. Essa relevância será tanto mais acentuada no futuro quanto mais o INSCOOP for uma instância de encontro, aprofundamento e convergência de todo o movimento cooperativo – e, porventura, de todo o sector cooperativo e social – em ordem à consecução dos seus objectivos.

Agradeço à Cooperativa “Colmeia” a oportunidade desta sessão. Agradeço a presença de todos vós. E agradeço, particularmente, todo o trabalho cooperativo realizado por cada um de vós e, bem assim, pelas vossas organizações e por todos os cooperadores.

Penso que o melhor prémio para o vosso mérito é a nossa certeza de que ele vai prosseguir no futuro.