Discurso do Presidente da República na Reunião Plenária de Alto Nível da 60ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas

Nova Iorque
16 de Setembro de 2005


Senhor Presidente da Assembleia-Geral,
Senhor Secretário-Geral,
Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Minhas Senhoras e meus senhores,


No ano em que celebramos os 60 anos das Nações Unidas, é com grande honra que me dirijo a esta Assembleia pela ultima vez no meu mandato como Presidente da República de Portugal. Nesta data histórica, sinto que incumbe à geração a que pertenço uma responsabilidade inadiável: a de dar resposta aos desafios globais que, cada vez mais, exigem respostas integradas e colectivas e a de corresponder às justas aspirações de milhões de indivíduos para quem o quotidiano não passa de uma permanente e inglória luta pela sobrevivência. É às Nações Unidas, sempre acreditei e sempre o disse, que compete articular essas respostas e mostrar o caminho para corresponder a essas expectativas.

Prova do carácter visionário da sua criação é o facto de, nestas seis décadas, as Nações Unidas terem sempre ocupado um lugar central na cena internacional, não deixando nunca de ser uma referência de esperança para a humanidade.

Paz, desenvolvimento e protecção dos direitos humanos à escala global foram os alicerces da ambição fundadora. As esperanças e o idealismo iniciais cedo se confrontaram com as duras realidades do poder e dos interesses em conflito. Nem tudo foram sucessos, temos de admitir. Mas, porque se confundiam com as mais básicas aspirações do ser humano — as da dignidade, da liberdade e do desenvolvimento económico — esse idealismo e essa esperança continuaram sempre a afirmar-se e a renovar-se mesmo na adversidade.

Sabemos que, em nenhum outro período da História da Humanidade como durante estas seis décadas se verificaram tantos progressos em matéria de esperança e qualidade de vida, saúde e educação. Mas também sabemos que, infelizmente, muitos milhões de seres humanos ainda vivem e morrem na mais dramática pobreza.

Esta cimeira é uma ocasião para a Comunidade Internacional renovar o seu compromisso com os ideais que presidiram à fundação das Nações Unidas. Os objectivos de desenvolvimento do Milénio permitem traduzir esses ideais em realizações concretas que vão ao encontro das necessidades em especial dos mais pobres e dos mais vulneráveis. Alcançá-los é não apenas uma obrigação moral, mas também um imperativo político para garantir um futuro mais seguro para toda a humanidade. Portugal reitera o seu apoio a esses grandes objectivos e o seu empenho num sistema multilateral eficaz, condição para os atingir.

Senhor Presidente

A Cimeira do Milénio foi um ponto de viragem, ao estruturar e sistematizar uma parceria global de Cooperação para o Desenvolvimento com metas claramente definidas. Desde então, registou-se uma grande tomada de consciência dos Governos e das opiniões públicas para a prioridade absoluta de reduzir a pobreza. Com efeito, como podemos ficar em paz com as nossas consciências quando, nesta era de abundância sem precedentes na história, milhões de seres humanos morrem por ser demasiado pobres até para viver?

Está ao nosso alcance cumprir as metas então definidas. Se a política é a arte do possível, incumbe-nos, como lideres políticos, tornar o possível realidade.

Portugal, enquanto membro da União Europeia assumiu o compromisso de que o nível de ajuda europeu atinja os 0.56% em 2010 e os 0.7% em 2015. No plano estritamente nacional, tencionamos aumentar o nosso volume de ajuda pública ao desenvolvimento para 0.51% do PIB em 2010.

Portugal tem orientado grande parte do seu esforço para países onde o flagelo da pobreza se sente de forma mais dramática. Atribuímos especial destaque aos Países Menos Avançados, em particular na África, aos quais dedicamos 0.20% do nosso PIB, cumprindo integralmente, neste caso, aqueles objectivos. As relações, que desde há séculos, Portugal mantém com este Continente, bem como a situação de pobreza extrema e o manifesto atraso no cumprimento das metas estabelecidas, justificam-no plenamente.

Acompanhamos o movimento no sentido de perdão da dívida e acreditamos também na identificação criativa de fontes alternativas de financiamento da ajuda ao desenvolvimento.

Dedicamos particular atenção às pandemias, que afectam aqueles países de forma brutal, tendo recentemente aumentado para 5 milhões de dólares a nossa contribuição para o Fundo Global para a SIDA, Malária e Tuberculose. Estas doenças, em tantos casos absolutamente evitáveis, constituem, em particular em África, a mais temível ameaça à segurança humana. Que pensarão de nós as gerações futuras se, com os meios e a informação de que dispomos, nos mostrarmos incapazes de lhes fazer face?

Em matéria de cooperação para o desenvolvimento, existe uma responsabilidade partilhada entre doadores e receptores de ajuda, pois esta nunca será suficiente se não for correctamente aplicada. Por isso atribuímos decisiva importância à boa governação, designadamente ao primado do direito, à consolidação da democracia, mas também à restauração da capacidade do Estado no desempenho das suas funções básicas.

Senhor Presidente

Sem segurança não há desenvolvimento sustentável. Só uma estratégia coerente e integrada permitirá agir com eficácia para prevenir conflitos e, quando tal for impossível, prestar o necessário apoio à reconstrução e à restauração da capacidade do Estado e das instituições na fase de pós-conflito. Essa é a dupla função da Comissão para a Consolidação da Paz, proposta apresentada inicialmente por Portugal em 2003 e cuja fundação constituirá certamente um dos marcos desta cimeira.

Acreditamos que as Nações Unidas têm um papel importante no combate ao terrorismo internacional, garantindo uma resposta multilateral e eficaz a esta nova e dramática ameaça. A negociação e conclusão de uma Convenção global sobre a matéria deve continuar a constituir uma prioridade.

Relançar as discussões sobre o desarmamento e a não proliferação das armas de destruição em massa no quadro desta Organização constitui igualmente uma necessidade urgente.

Nas primeiras seis décadas da sua existência, as Nações Unidas deram um enorme contributo para que, através do exercício do direito à auto-determinação dos povos, se constituíssem dezenas de novos Estados independentes. Concluído em larga medida esse processo, é o momento de colocarmos os indivíduos no centro das nossas preocupações. Por isso, a minha última referência é aos Direitos Humanos. Acreditamos profundamente que o respeito pelos Direitos Humanos é uma aspiração universal. Portugal, que dedica desde há muito uma especial atenção a este tema no quadro das Nações Unidas, considera que o Conselho dos Direitos Humanos, cuja criação fica decidida nesta cimeira, deve reflectir, com coragem e ambição, uma exigência acrescida nesta matéria por parte da Comunidade Internacional.

Senhor Presidente,

O documento que iremos aprovar nesta sessão de alto nível é um passo no bom sentido: demonstra a capacidade da Comunidade Internacional para se unir em torno dos grandes princípios em que se funda as Nações Unidas; renova e reitera o compromisso com os objectivos de desenvolvimento do Milénio; inicia o processo de reforma da Organização, de modo a torná-la mais apta a responder aos desafios do nosso século. O caminho está traçado. Compete agora a esta Assembleia a grande responsabilidade de dar continuidade e terminar o processo agora iniciado.

Portugal, pela sua parte, reitera o compromisso firme com o multilateralismo, com as Nações Unidas e com uma ordem internacional em que o interesse colectivo não seja sistematicamente sacrificado às conveniências e aos interesses egoístas. Hoje, como no momento da sua fundação, as Nações Unidas têm de ser a âncora indispensável de um sistema de relações internacionais assente no Direito e na justiça. Reforçar a autoridade, a legitimidade e a relevância das Nações Unidas é uma tarefa imprescindível para que o século XXI seja um século de paz, de progresso e de respeito pela dignidade de todos os seres humanos.