Conferência de SEXA o PR por ocasião da entrega de Diplomas de Doutoramento, no Instituto Universitário Europeu de Florença: “Relançar a construção Europeia”

Instituto Universitário Europeu de Florença (Fiesole)
30 de Setembro de 2005


Relançar a construção europeia

As minhas primeiras palavras são de agradecimento ao Instituto Universitário de Florença, na pessoa do seu Presidente e meu estimado amigo, o Professor Yves Mény, pelo amável convite que me foi endereçado para participar nesta cerimónia tão marcante da vida desta casa.

Como é sabido, o meu país assegura este ano a Presidência do Conselho Superior do Instituto, razão pela qual me faço acompanhar, nesta visita, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e um conjunto de personalidades que mantêm estreitas ligações – afectivas ou funcionais – a esta instituição, em testemunho do apreço e do vivo interesse que lhe votamos.

É, de resto, com particular agrado que assinalo que irá ter lugar a assinatura da Convenção de renovação da Cátedra Vasco da Gama, uma prova tangível do nosso empenho em afirmar a presença portuguesa no Instituto e do reconhecimento do seu valor na constelação das iniciativas europeias.

Esta decisão do Governo português, tomada num contexto de restrições orçamentais, representa um esforço, mas sobretudo uma convicção: a do inequívoco interesse que esta Cátedra reveste no quadro da transmissão de conhecimentos que este Instituto Universitário garante. Fizemo-lo ainda na certeza de que assim continuaremos a contribuir para o estudo mais aprofundado da história europeia e do papel de Portugal na construção do que alguns historiadores chamaram já a primeira globalização.

Permitam-me que aproveite esta oportunidade para, uma vez mais, prestar sincero tributo a todos quantos trabalham e colaboram com esta instituição, dando um valioso contributo para uma percepção mais esclarecida da Europa, na multiplicidade das suas vertentes.

Compreenderão que seja sobre a Europa que deseje partilhar convosco algumas reflexões pessoais, pois, como é bem conhecido, a União Europeia encontra-se actualmente mergulhada num clima de crise. Importa, assim, identificar com a possível clareza os contornos essenciais da presente situação, para, à luz de um bom diagnóstico da extensão e natureza das dificuldades, podermos depois definir formas possíveis de a ultrapassar.

Dividirei a minha intervenção em duas partes: primeiro abordarei a actual crise, que considero iniludível e grave, não só por ameaçar impor um prolongado embargo à construção europeia, mas também por contribuir para esboroar a confiança dos cidadãos no projecto europeu; procurarei, depois, apontar caminhos possíveis para relançar a construção europeia.

Trata-se apenas de um conjunto de reflexões, que faço a título puramente pessoal, aproveitando a presença de um público académico habituado ao debate livre de ideias. Elas reflectem a minha preocupação em concorrer para fazer avançar a Europa, fiel a uma visão que, sendo-me embora própria, é partilhada por muitos europeus e concordante com o propósito dos Pais fundadores.


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A actual crise europeia – leituras

Na actual crise cruzam-se diversos factores de raiz diversa, com uma multiplicidade de dimensões, cujas origens remontam já a alguns anos.

Alguns dos problemas actuais são derivados do alargamento e poderão ser classificados como “problemas de crescimento”, até porque a União Europeia cresceu muito em relativamente pouco tempo. Estas dificuldades não parecem à partida especialmente preocupantes pois, em princípio, passado um período de adaptação dos novos Estados Membros a uma cultura integracionista, poderão ser ultrapassadas com a ajuda de medidas de acompanhamento adequadas, se, com lucidez, as soubermos preparar e decidir.

Existe depois uma segunda categoria de problemas, ligados à natureza evolutiva e aberta do processo de integração europeia mas que, pela sua persistência, criam um ruído de fundo perturbador. É o caso das sucessivas e sempre provisórias reformas institucionais que têm, nos últimos anos, monopolizado atenção e esforços. O constante uso e abuso do procedimento da revisão dos Tratados - em flagrante contraste com a longevidade dos textos fundadores – denuncia bem a existência deste conjunto de problemas, não só mal resolvidos, como pouco mobilizadores do interesse dos cidadãos.

Temos, em seguida, problemas resultantes da evolução da situação internacional e das mutações que o mundo sofreu nas últimas décadas, as quais têm repercussões directas no quotidiano dos cidadãos.

É bom não esquecer que os países europeus, com uma população envelhecida, Estados Providência razoavelmente generosos, confortáveis modelos sociais e sistemas de produção em perda de competitividade, se encontram a braços com a questão da sua sustentabilidade e postos à prova pelos desafios da globalização, lutando contra o aumento do desemprego e da insegurança e batendo-se pela preservação do nível e da qualidade de vida dos seus cidadãos.

Ora é precisamente nas áreas em que os efeitos negativos da globalização mais se têm feito sentir – economia, emprego, segurança - que a Europa mais tem revelado as suas insuficiências e a sua incapacidade em sustentar a acção dos Estados.

A debilidade dos resultados até agora obtidos é vista por alguns como uma refutação da tese de que a integração europeia constitui a resposta certa aos desafios da globalização e leva, até, a pôr em questão a bondade do projecto europeu e as suas realizações emblemáticas, de que são exemplos o mercado único, o euro ou a União Económica e Monetária, as quais eram supostas terem dotado a União de meios adequados para, com mais sucesso do que os Estados Nacionais, travar esta luta.

A percepção, por parte das opiniões públicas, de que quer a Europa, quer os seus próprios Estados, têm fracassado neste desígnio, agrava o sentimento de insegurança, lança o descrédito sobre o projecto europeu e alimenta o desencanto dos cidadãos em relação à política em geral.

Estamos, em suma, perante uma crise de confiança na Europa e até nos próprios Estados Nacionais, estribada no avolumar das dificuldades e na multiplicação de sinais do enfraquecimento do espírito de unidade europeia e da dinâmica comunitária, da deterioração das relações entre os Estados Membros e da perda de peso do projecto europeu.

Na verdade, à falta de confiança devem somar-se ainda, por um lado, a ausência de um rumo claro do projecto europeu, toldado por contraditórios debates sobre a sua natureza e objectivos e, por outro, a inexistência de uma visão efectivamente partilhada das suas finalidades, de uma liderança forte e mobilizadora e de uma estratégia firme de actuação.

A este respeito, não posso deixar de evocar o fracasso do Conselho Europeu de Junho relativamente à aprovação do orçamento comunitário para 2007-2013. O facto de nem sequer ter sido possível fazer vingar o argumento do “custo político” de um não-acordo mostra bem, no meu entender, até que ponto a presente crise se situa num patamar de superior gravidade.

Esta crise de confiança na Europa é para mim motivo de profunda preocupação, na convicção de que só o restabelecimento desta relação básica e essencial, que está no âmago do Pacto Social que sustenta as nossas sociedades democráticas bem como aliás a própria Comunidade Internacional, nos permitirá de facto formar entre europeus uma comunidade de destino e construir o futuro de progresso sonhado por Monnet e Schuman.

Como estancar pois esta crise? Como restaurar a confiança no projecto europeu?

Reabrir as discussões e reeditar os debates sobre o chamado “futuro da Europa” que desde a Declaração de Laeken monopolizaram a atenção e canalizaram energias? “Fechar para balanço” e encerrarmo-nos num timorato período de reflexão ?

Meus Amigos

Parece-me que o caminho é outro, que chegou a hora de sermos pragmáticos e de parar e pensar, mas para... agir!

A reflexão é indispensável. Tem, no entanto, de ser orientada para uma obrigação de resultado. Neste momento precisamos, sim, de visão estratégica, de prioridades e sobretudo de acções concretas, especialmente nos domínios que afectam a vida dos cidadãos, para assim melhorar o poder de atracção da construção europeia e reforçar a sua legitimidade.

Só restauraremos a confiança no projecto europeu, se utilizarmos plenamente os seus instrumentos e, com eles, começarmos a resolver os problemas que afligem os europeus, se formos capazes de ir ao encontro das suas expectativas, se conseguirmos apagar receios, dúvidas e inseguranças.

O nosso quadro de trabalho terá de ser naturalmente o Tratado de Nice. As incertezas que pesam sobre o futuro do Tratado Constitucional não podem servir de pretexto para justificar inacções.

Sobre este último ponto, em que me não quero alongar, a minha posição é a seguinte: devemos saber aproveitar o revés sofrido com o Tratado Constitucional para o transformar em oportunidade.

Em todo este processo, é forçoso constatar que algo falhou, defraudando as altas expectativas criadas pelos trabalhos da Convenção, pelos ciclos de debate público de uma inédita amplidão e abertura que os acompanharam e pela vontade popular expressa nos Estados Membros que já ratificaram o texto constitucional.

Estamos nesta matéria perante um impasse, cuja superação irá exigir um esforço colectivo de concessões nacionais para defesa do que é essencial no projecto de integração, não o deixando deslocar para um plano subalternizador da sua componente política.

Embora não me escapem as dificuldades e até susceptibilidades em jogo (nomeadamente tendo em conta as ratificações já realizadas), um rumo possível apontará para o aproveitamento da moratória decidida pelo Conselho Europeu para se procurar aperfeiçoar o Tratado existente. Atendendo à sua rejeição por franceses e neerlandeses, estamos perante uma realidade a que importa dar uma resposta pragmática. Assim, numa primeira fase, talvez fosse útil a constituição de uma reduzida task force, mandatada para apresentar um texto revisto, que depois seria discutido e aprovado no seio de uma CIG e submetido, mais tarde, desejavelmente, se para tal se reunirem condições, a um referendo europeu único.

Tal comité poderia debruçar-se, não só sobre uma eventual divisão do actual Tratado em dois blocos autonomizados, concentrando-se porventura nas suas partes I e II, evitando cair, nas disposições sobre a reforma institucional, em egoísmos nacionais de partilha de poder e na escolha cirúrgica das normas que os podem sustentar. Pela minha parte, continuo a pensar que se deveria aproveitar a ocasião para ousar reabrir uma discussão séria sobre a introdução do sistema bicameral no seio da arquitectura europeia, pelos equilíbrios que dele decorreriam e pela possibilidade de assim dar respostas a várias inquietações manifestadas em alguns Estados Membros.

Decerto que o que acabo de dizer se situa na fronteira da provocação útil, mas gostaria, aliás, de vos lembrar um momento passado da aventura europeia, não porque a história se repita, mas porque a sua evocação ajuda por vezes a construir o futuro. Quando, em 1952, o Tratado da Comunidade Europeia de Defesa foi chumbado pelo Parlamento francês e o projecto europeu patinou, foi decidida a Conferência de Messina para relançar a construção europeia, de que resultaram, uns anos mais tarde, os Tratados de Roma.

Ouso esperar que também hoje possamos fazer do actual impasse uma oportunidade para a Europa. Mas para tal é fundamental saber preparar o caminho, trabalhar em várias frentes para, antes de mais, reconquistar a confiança dos cidadãos.

Sem restaurar essa confiança indispensável não estaremos, penso, em condições de propor ao eleitorado nenhum Tratado – o mesmo ou qualquer outro –, que parecerá sempre letra morta. Teremos, primeiro, de demonstrar, com base em provas concretas e resultados tangíveis, que a União Europeia vale a pena, e que só apostando no reforço da União Política estaremos aptos a vencer o futuro.

Esta é a nossa urgente e prioritária tarefa, que a todos deve mobilizar.


O futuro da construção europeia

Perante a complexidade deste tempo europeu, penso que, mais do que nunca, importa seguir as máximas do velho mas sempre actual Descartes, procedendo com método, resolvendo os problemas um a um, avançando gradualmente, segundo uma ordem de prioridades previamente definida.

Para tal, devemos começar por nos interrogar sobre o que a União Europeia tem deixado sem resposta adequada, face às expectativas legítimas que a sua evolução e poderio económico foram suscitando junto dos cidadãos.

Desde já, sem ter a preocupação de ser exaustivo, identifico os seguintes pontos, só para citar alguns dos que me parecem particularmente significativos:

- no plano económico, apesar da realização do mercado interno e da União Económica e Monetária, o crescimento da economia da zona euro continua a ser inferior ao dos EUA e mesmo do Reino Unido;

- o Pacto de Estabilidade e de Crescimento, ao não considerar a composição da despesa pública, não favoreceu a realização de investimentos públicos necessários para aumentar o potencial de crescimento das economias;

- a Estratégia de Lisboa, destinada a tornar a economia dos Quinze na mais competitiva do mundo, continua a mostrar limites e inoperâncias, não mobilizando os Governos para o seu efectivo cumprimento, designadamente por falta de incentivos para a realização das reformas necessárias e da sua efectiva coordenação no seio da União Europeia;

- no plano social, o desemprego apresenta níveis intoleráveis, não parecendo a Europa nem os seus Estados Membros ter a determinação política ou deter os instrumentos necessários para o combater;

- no plano da segurança, e apesar de alguns progressos, a Europa não tem mostrado uma capacidade de cooperação que fomente um clima de maior confiança e entreajuda, num momento em que ataques terroristas espalham o pânico entre as populações, ameaçam o seu quotidiano, alimentando por outro lado atitudes racistas e xenófobas geradoras de tensões entre as comunidades que compõem a maior parte das nossas sociedades multi-étnicas;

- no plano político, as instituições comunitárias não conseguiram ainda elaborar uma estratégia clara para responder aos múltiplos, e muitas vezes inéditos desafios deste século, sem que os Estados ou os cidadãos tenham a possibilidade de accionar os tradicionais mecanismos de controlo democrático (problema da accountability das instâncias comunitárias);

- a nível das relações entre os Estados Membros, é manifesta a erosão do espírito de unidade e de coesão europeias e do indispensável clima de confiança mútua e de solidariedade entre os parceiros – os últimos Conselhos Europeus têm disso dado provas eloquentes.

De facto, o debate travado no contexto dos referendos realizados em França e nos Países Baixos, os estudos de opinião então feitos e os próprios Eurobarómetros regularmente publicados, indicam claramente, por um lado, que este conjunto de preocupações é partilhado por franjas cada vez mais extensas das sociedades europeias; por outro, que há uma forte expectativa de Europa, a que ainda não soubemos dar resposta. Entendo que este duplo ensinamento vale como um aviso que não podemos ignorar.

“Melhor Europa” parece ser a reivindicação comum dos europeus. Importa, a meu ver, apostar neste desejo de Europa por parte dos cidadãos para relançar a construção europeia, até porque os Estados na maior parte dos casos já não têm condições de responder adequadamente, a nível estritamente nacional, à pressão da mundialização e às mutações operadas pela era da informação.

Se, no início, a paz foi o móbil da construção europeia, a que acresceram naturalmente a prosperidade e a democracia, temos agora de passar um outro cabo, o da Europa vincadamente política e social, à qual caberá defender outrossim os bens comuns da segurança, das liberdades e do progresso social e económico e os valores do humanismo.

Precisamos de políticas que criem novas solidariedades entre os parceiros comunitários – como o fizeram os projectos da comunidade do carvão e do aço, o da realização do mercado único ou da União Económica e Monetária –, sem as quais poderemos entrar num longo período de quase estagnação económica, em que a alternativa será o ressurgimento de nacionalismos desajustados e de toda a espécie de proteccionismos, com a instabilidade, as tensões e os conflitos que lhes são inerentes.

Parece-me indispensável apostar em dois ou três projectos fortes que contribuam para uma melhoria significativa do desempenho da economia europeia, para uma redução dos níveis de desemprego e para um reforço da segurança na Europa.

Não ignoro, porém, as dificuldades que este propósito de relançamento da construção europeia suscita. Desde já porque a condição prévia à programação de quaisquer iniciativas é a existência de um orçamento plurianual suficiente, de que a União Europeia não dispõe ainda; depois, porque atendendo à escassez de recursos orçamentados e à estrutura prevista das despesas do orçamento europeu para 2007-2013, se coloca a questão de saber como fazer face às novas necessidades e financiar opções e políticas já decididas; em terceiro lugar, porque é previsível a persistência de divergências entre os parceiros da União Europeia sobre o caminho ou o ritmo a seguir, pelo que não se pode iludir a questão das chamadas “cooperações reforçadas”. Abordarei seguidamente este conjunto de problemas.

Em relação à questão das Perspectivas Financeiras, gostaria, antes de mais, de lançar um apelo no sentido de, até ao fim deste ano, ser adoptado o Orçamento Comunitário para 2007-2013. Não só porque representaria um sinal positivo para a opinião pública europeia, mas também pelas consequências extremamente negativas que mais um adiamento teria para toda a dinâmica comunitária e para as nossas economias. Uma decisão favorável nesta matéria, com base nas propostas apresentadas pela Presidência Luxemburguesa, teria, para além de um valor simbólico forte, um impacto político, económico e social considerável.

Depois, quero ainda sublinhar a necessidade de se encetar um debate mais vasto sobre os limites do actual sistema orçamental, bem patente no crescente desfasamento entre as discussões orçamentais e as decisões sobre as prioridades políticas da União.

Neste contexto, bem iria a União se os seus dirigentes assumissem, juntamente com a aprovação do Orçamento 2007-2013, o compromisso de encetar, para o futuro, uma discussão sobre um orçamento comunitário adaptado aos desafios do século XXI. É um debate urgente, que deverá permitir uma maior consciencialização dos Estados e dos cidadãos acerca do carácter falacioso e prejudicial do conceito de “saldos líquidos nacionais”, bem como da necessidade de distinguir claramente o problema do financiamento da questão dos objectivos que determinam as despesas.

Pela minha parte, sou partidário de um orçamento comunitário, concebido em termos de bens públicos europeus, assentando as despesas basicamente nos objectivos prosseguidos pelas políticas comuns da União. Quanto às receitas, embora reconheça as dificuldades que têm impedido uma alteração dos recursos próprios, não me repugna a ideia da introdução, a prazo, de um imposto europeu, se dessa maneira se assegurar de forma mais eficaz o financiamento de eventuais novas competências da União. Sendo os orçamentos nacionais amputados de tais despesas, seria possível evitar que um eventual imposto europeu viesse onerar a carga fiscal dos cidadãos.

Em relação à segunda questão – a de saber como financiar iniciativas destinadas a relançar a construção europeia para além do quadro do Orçamento Comunitário para 2007-2013 -, parece-me que também nesta matéria ganharíamos em aliar pragmatismo e algum risco inovador. A meu ver, uma solução poderia ser a de recorrer a mais financiamentos por parte das instituições comunitárias, como o Banco Europeu de Investimentos.

A este propósito, recordo que há dez anos o então Presidente Delors apresentou um ambicioso Plano para o Crescimento, Competitividade e Emprego, para cujo financiamento era proposta a emissão de obrigações pela própria União Europeia, ideia que na altura esbarrou com a oposição de alguns Estados Membros, impedindo assim a concretização do Plano. Não obstante, agora com o euro, esta possibilidade torna-se mais viável. Não só porque para os países da zona euro já não há, como no passado, o risco de desestabilização por especulação cambial, mas também porque todos os pagamentos no interior da zona euro se fazem agora na moeda única europeia. Acresce que a prossecução de programas deste género num qualquer Estado Membro da União Europeia beneficiaria também as economias dos restantes pela via da expansão do rendimento e do comércio.

Esta parece-me pois ser uma pista a explorar para responder ao problema do cabal financiamento de eventuais novas políticas que possam vir a ser lançadas e para as quais o quadro do Orçamento Comunitário para 2007-2013 se possa revelar insuficiente. Penso, em primeira linha, nas matérias de que tratava o Plano Delors, mas também na necessidade de um Plano Tecnológico e de Inovação ou de Programas na área da Investigação e da Ciência, que ajudem a uma melhor coesão do espaço europeu.

Quanto à terceira e última questão – a do caminho a seguir para relançar a construção europeia -, perante as diferentes percepções dos Estados sobre a via a seguir, é muito provável que o futuro passe pela adopção de um modelo de Europa a várias velocidades ou de geometria variável, através do recurso à utilização do instrumento das cooperações reforçadas abertas. Esta solução só é, no entanto, aceitável desde que assente num princípio de não exclusividade, dentro do quadro institucional único que nos rege, não configurando, pois, qualquer tentativa de instituir directórios ou de formar clubes ou grupos vanguardistas.

Sei que o risco desta solução será, sem dúvida, o de uma heterogeneização crescente da construção europeia. No entanto, encerra outrossim a oportunidade de se fazer avançar progressivamente a Europa, sem cair num modelo inaceitável de um projecto integrador “à la carte”, especialmente se houvesse um compromisso fundador de todos os Estados Membros de participarem na referida cooperação quando estiverem reunidas as condições necessárias para o efeito.

São diversas as áreas possíveis de actuação - governação económica, inovação e tecnologia, investigação e ciência, segurança e luta contra o terrorismo, questões de imigração, redes de transportes terrestres continentais, matérias ligadas à política externa e de segurança comum etc.

Destas desejaria destacar particularmente a primeira, a da Governação Económica, particularmente no conjunto dos países do euro, por este me parecer especialmente vocacionado para servir de catalizador da integração europeia, dado a moeda única ser uma poderosa alavanca federadora, na base da qual se pode tecer, mais facilmente, uma malha mais extensa de solidariedade política, económica e social.

Correspondendo o reforço da coordenação das políticas económicas do Eurogrupo a uma necessidade unanimemente reconhecida, parece-me que se deveria avançar desde já nesta via, através da atribuição ao Eurogrupo de responsabilidades acrescidas no âmbito da zona euro e também no desenvolvimento global de políticas económicas, com vista a melhorar a governação económica da Europa e o desempenho da economia europeia.

Termino, referindo muito rapidamente mais duas áreas de actuação em que importa, a meu ver, avançar rapidamente – por um lado, a da luta contra o terrorismo, porque os trágicos ataques deste verão em Londres vieram demonstrar uma vez mais a vulnerabilidade da Europa e a imperiosa necessidade de caminharmos progressivamente para um espaço único de segurança e de liberdades, que representam afinal bens públicos europeus de primeira necessidade; por outro, a de uma diferente política de imigração, não só porque o envelhecimento das nossas sociedades, com o seu conhecido lote de problemas, a nível económico, social e de finanças públicas, não se compadece com delongas, mas também porque o contexto internacional, o peso da ameaça terrorista e a actualidade das questões de segurança tornam prioritárias políticas comuns de integração, fundadas no pluralismo cultural e no princípio de uma cidadania participativa, erradicando assim eventuais más razões para justificar atitudes xenófobas, actos discriminatórios e comportamentos racistas.

Gostaria de concluir com uma última reflexão, que diz respeito à necessidade de a União Europeia não perder nunca de vista que a sua riqueza repousa na sua diversidade, devendo esta permanecer o motor da sua capacidade de renovação e de forjar compromissos.

É num contexto em profunda mutação que a Europa é chamada a oferecer-nos um futuro. Não tenho dúvidas de que os valores europeus, o nosso modelo de sociedade e desenvolvimento, baseados numa economia social de mercado, e o papel que atribuímos ao multilateralismo na cena internacional são armas indefectíveis que nos permitirão prosseguir o projecto comum e assim vencer os desafios da globalização.

Mas, para tal, teremos de mostrar capacidade de adaptação, abertura e espírito de inovação, bem como vontade política de reforçar a unidade europeia, de criar novos laços de solidariedade entre os Estados membros e de afirmar a nossa efectiva capacidade de influenciar o rumo de progresso internacional. Só assim conseguiremos relançar a construção europeia e restaurar a confiança no futuro da Europa.


Muito obrigado a todos.