Discurso proferido por SEXA o PR por ocasião do Dia Mundial do Professor integrado nas comemorações da Implantação da República

Palácio de Belém
04 de Outubro de 2005


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Antes de mais, quero agradecer a vossa presença e a possibilidade de comemorarmos a feliz coincidência de duas datas: a implantação da República e o Dia Mundial do Professor.

O ideário republicano concedeu um papel central à educação. A Reforma de 1911 abre com palavras que ficaram célebres: “O homem vale, sobretudo, pela educação que possui”.

Reconhecendo que “nem sempre as câmaras municipais têm mostrado desvelo pela causa da instrução”, a reforma consagra uma orientação clara no sentido da descentralização do ensino e dirige-se aos professores, dizendo que nunca será demais “tudo o que se faça em favor desses beneméritos trabalhadores”.

No dia de hoje, sabendo que a realidade ficou muito aquém das ambições, não quis deixar de recordar alguns princípios que a República trouxe para o debate político no nosso país.

No dia 5 de Outubro de 1966, procedeu-se à assinatura de uma recomendação conjunta da Unesco e da Organização Internacional do Trabalho sobre a condição dos professores. Em Portugal, graças à acção de Rui Grácio, este documento teve uma grande importância na dinamização do movimento associativo docente.

Esta data será escolhida, mais tarde, como Dia Mundial do Professor.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Durante os meus mandatos presidenciais, dediquei uma atenção muito especial à educação. Visitei dezenas e dezenas de escolas e contactei com milhares de alunos e de professores. De todos os níveis de ensino, de todas as regiões.

Verifico com agrado que o país tem hoje uma consciência mais nítida (e mais aguda) dos problemas e das soluções. Sabemos o que é preciso fazer. Mas é ainda longo o caminho a percorrer. E, desta vez, não podemos ficar apenas pelos programas ou pelas intenções. Está em causa o futuro de Portugal.

Não vale a pena fazer declarações retóricas, nem dramatizações excessivas. O país constrói-se com “pedras vivas”, com uma aposta clara na formação e na qualificação dos portugueses.

A Semana da Educação, que organizei no início do meu primeiro mandato, desenvolveu-se a partir de três orientações principais. Retomo-as agora, em jeito de balanço, com a satisfação de as ver finalmente consagradas como uma base sólida (e consensual) para resolver os problemas educativos. Mas também com a preocupação do tempo perdido e dos passos incertos que foram dados nos últimos anos.


Em Janeiro de 1998, falei na necessidade de assegurar uma escola básica de qualidade para todos os alunos. Sem uma adequada formação de base, os percursos escolares transformam-se numa corrida de obstáculos inultrapassáveis, com cada insucesso gerando ainda mais insucesso.

Não consigo ficar indiferente à situação de muito jovens que, no final da escolaridade obrigatória, revelam gravíssimas deficiências de formação. O que é que se passou durante os nove anos em que estes jovens estiveram na escola? O que é que falhou? Como é que eles passaram pelas malhas do sistema sem terem sido apoiados e amparados?

As dificuldades destes jovens não se resolvem com mais horas das mesmas matérias dadas da mesma maneira. A responsabilidade dos professores não se esgota no tempo da aula. É preciso encontrar estratégias de diversificação pedagógica e de apoio às aprendizagens dos alunos. É preciso que a escola tenha sentido e que, deste modo, seja possível conquistar os jovens para o estudo e para o trabalho escolar.

A geografia do insucesso coincide sempre com a geografia da pobreza. Temos de concentrar os nossos esforços nas zonas mais difíceis, imaginando soluções locais que promovam verdadeiramente o sucesso de todos os alunos. Não há integração social, nem democratização do ensino, se os alunos não adquirirem conhecimentos, se não houver uma melhoria visível dos resultados escolares.


Em Janeiro de 1998, referi ainda a necessidade de definir novas relações entre a educação e o trabalho, através de um reforço dos programas de formação profissional.

A realidade, portuguesa e internacional, diz-nos que o currículo escolar tem dificuldade em integrar as culturas do trabalho e dimensões mais profissionalizantes. Mas diz-nos também que há iniciativas notáveis de ligação entre a educação, a formação e o trabalho. Ainda hoje tive oportunidade de visitar duas experiências muito importantes de resposta à desmotivação e ao abandono escolar, primeiro na Escola Secundária do Monte da Caparica, onde existem vários cursos de formação profissional, e depois na Câmara do Comércio Luso-Alemã, onde funcionam cursos do Sistema de Aprendizagem.

É urgente desenvolver políticas de entendimento entre as instituições e de colaboração com as empresas. Parece-me inaceitável que haja instituições de ensino (de ensino secundário, de ensino superior politécnico, de ensino universitário) com excelentes instalações e pessoal altamente qualificado… mas sem alunos! E que, ao lado, haja centros e instituições de formação profissional que não conseguem acomodar toda a procura.
Portugal não pode desperdiçar recursos. Recuso-me a aceitar a fatalidade de divisões institucionais ou administrativas que impedem a concretização de políticas integradas. Na área da educação – mais do que em qualquer outra – é preciso um esforço conjunto, um aproveitamento inteligente das pessoas e dos recursos existentes. Para isso, torna-se necessário consolidar redes locais, com capacidade de iniciativa e de organização, que permitam colocar toda a nossa capacidade institucional ao serviço da formação dos jovens e dos adultos.


Em Janeiro de 1998, sublinhei, por último, a importância da educação de adultos e de um modelo de desenvolvimento baseado na qualificação escolar e profissional. Disse que eram inaceitáveis as percentagens de analfabetismo e os baixos níveis de qualificação dos portugueses. E expliquei que tínhamos a obrigação de dar uma “segunda oportunidade” a todos os portugueses.

Desde então, muito se fez. Mas quanto continua ainda por fazer?! Tenho acompanhado com muito interesse as estratégias de reconhecimento e validação de competências, que devem ser incentivadas e aprofundadas, juntando as dimensões pessoais e profissionais. Hoje mesmo pude testemunhar o modo como estes processos contribuem para aumentar a auto-estima e o gosto pelo estudo.

A formação é um trabalho longo e paciente, que só tem sentido se contribuir para mudanças no plano pessoal, mas também para a valorização social e profissional de cada um. Recusemos os grandes planos, com metas irrealistas, que servem apenas para iludir a realidade.

Portugal tem um património associativo muito importante, nomeadamente na área da educação de adultos e do desenvolvimento local. A mobilização destes grupos e experiências é essencial para que uma cultura de formação passe a fazer parte da vida das pessoas, das instituições e das empresas. Não é uma saída fácil, mas é a única que nos permite obter resultados seguros, na medida em que articula o esforço individual de formação com uma mudança estrutural das organizações do trabalho.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Ao recordar convosco estes temas não posso deixar de me sentir satisfeito pelo caminho percorrido nos últimos anos. Hoje, o país reconhece claramente a sua importância. É um sinal positivo, mas insuficiente. A consciência, que já temos, dos problemas deve traduzir-se em compromissos claros, em acções concretas, de melhoria da educação básica, da formação profissional e da qualificação dos portugueses.

Dirijo-me, por último, aos professores. Para lhes transmitir uma palavra de muito apreço, de apoio e de incentivo. Não há profissão mais necessária do que a vossa.

Ao longo dos anos, encontrei professores notáveis, que me chamaram a atenção para três desafios actuais da profissão.

Em primeiro lugar, para a necessidade de consolidar equipas pedagógicas, mais coerentes e estáveis, capazes de uma responsabilidade conjunta e partilhada.

Em segundo lugar, para a importância de reconhecer os mais capazes e competentes, dando-lhes um papel de liderança no espaço escolar.

Em terceiro lugar, para a urgência de assegurar a credibilidade dos professores, promovendo uma cultura profissional marcada pela avaliação e pela prestação pública de contas.

Estes desafios ganham-se no “interior” da profissão. Os professores não são meros “ensinantes”. São profissionais capazes de promover a aprendizagem dos alunos, em todas as dimensões, criando as condições para apoiar e acompanhar os seus percursos. A responsabilidade docente não termina no final de cada aula. Define-se num compromisso ético com a vida escolar de cada criança. É isto que caracteriza, e que dignifica, os melhores professores.

Mas os desafios da profissão ganham-se, também, no seu “exterior”. Evitemos os discursos ambíguos. Não podemos responsabilizar os professores por todos os problemas, iludindo assim os deveres da família e da sociedade. E não devemos afastá-los das decisões que dizem respeito à educação e à sua própria vida. Precisamos de uma profissão forte e prestigiada.

Felizmente, temos professores de grande qualidade no nosso país. Através das condecorações que vou atribuir no final desta cerimónia, pretendo distinguir o mérito e a competência de homens e mulheres que se têm notabilizado pela sua acção na educação de infância e no ensino primário, no ensino secundário e na universidade, nas escolas profissionais e na educação especial, na administração escolar e na educação artística…

Mas, para além do mérito de cada um dos agraciados, a minha escolha recaiu sobre pessoas com uma relevante intervenção social e institucional, que se distinguem pelo trabalho que realizam junto dos alunos, dos colegas e das comunidades locais. Estas condecorações têm um sentido que não é apenas individual mas também colectivo.

Em 1912, o primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, recebeu os participantes no Congresso Pedagógico promovido pela Liga Nacional de Instrução e, nesta mesma Sala das Bicas, dirigiu-lhes palavras de profundo reconhecimento:

“Os grandes mentores, pais espirituais, da geração nova, são os professores. Saúdo-vos comovidamente. A pátria confia em vós; a minha soberania é a vossa”.

São outros os tempos. Passou quase um século. Mas também eu quero dizer-vos que o futuro de Portugal depende, e muito, da vossa acção. Temos de assumir com clareza as orientações que acabo de expor. E prossegui-las com determinação e firmeza. Juntos, saberemos construir um país à altura dos nossos sonhos e das nossas ambições.