|
|
|||
Discurso proferido por SEXA o PR por ocasião do Dia Mundial do Professor integrado nas comemorações da Implantação da República
Palácio de Belém
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Antes de mais, quero agradecer a vossa presença e a possibilidade de comemorarmos a feliz coincidência de duas datas: a implantação da República e o Dia Mundial do Professor. O ideário republicano concedeu um papel central à educação. A Reforma de 1911 abre com palavras que ficaram célebres: “O homem vale, sobretudo, pela educação que possui”. Reconhecendo que “nem sempre as câmaras municipais têm mostrado desvelo pela causa da instrução”, a reforma consagra uma orientação clara no sentido da descentralização do ensino e dirige-se aos professores, dizendo que nunca será demais “tudo o que se faça em favor desses beneméritos trabalhadores”. No dia de hoje, sabendo que a realidade ficou muito aquém das ambições, não quis deixar de recordar alguns princípios que a República trouxe para o debate político no nosso país. No dia 5 de Outubro de 1966, procedeu-se à assinatura de uma recomendação conjunta da Unesco e da Organização Internacional do Trabalho sobre a condição dos professores. Em Portugal, graças à acção de Rui Grácio, este documento teve uma grande importância na dinamização do movimento associativo docente. Esta data será escolhida, mais tarde, como Dia Mundial do Professor. Minhas Senhoras e Meus Senhores, Durante os meus mandatos presidenciais, dediquei uma atenção muito especial à educação. Visitei dezenas e dezenas de escolas e contactei com milhares de alunos e de professores. De todos os níveis de ensino, de todas as regiões. Verifico com agrado que o país tem hoje uma consciência mais nítida (e mais aguda) dos problemas e das soluções. Sabemos o que é preciso fazer. Mas é ainda longo o caminho a percorrer. E, desta vez, não podemos ficar apenas pelos programas ou pelas intenções. Está em causa o futuro de Portugal. Não vale a pena fazer declarações retóricas, nem dramatizações excessivas. O país constrói-se com “pedras vivas”, com uma aposta clara na formação e na qualificação dos portugueses. A Semana da Educação, que organizei no início do meu primeiro mandato, desenvolveu-se a partir de três orientações principais. Retomo-as agora, em jeito de balanço, com a satisfação de as ver finalmente consagradas como uma base sólida (e consensual) para resolver os problemas educativos. Mas também com a preocupação do tempo perdido e dos passos incertos que foram dados nos últimos anos.
Não consigo ficar indiferente à situação de muito jovens que, no final da escolaridade obrigatória, revelam gravíssimas deficiências de formação. O que é que se passou durante os nove anos em que estes jovens estiveram na escola? O que é que falhou? Como é que eles passaram pelas malhas do sistema sem terem sido apoiados e amparados? As dificuldades destes jovens não se resolvem com mais horas das mesmas matérias dadas da mesma maneira. A responsabilidade dos professores não se esgota no tempo da aula. É preciso encontrar estratégias de diversificação pedagógica e de apoio às aprendizagens dos alunos. É preciso que a escola tenha sentido e que, deste modo, seja possível conquistar os jovens para o estudo e para o trabalho escolar. A geografia do insucesso coincide sempre com a geografia da pobreza. Temos de concentrar os nossos esforços nas zonas mais difíceis, imaginando soluções locais que promovam verdadeiramente o sucesso de todos os alunos. Não há integração social, nem democratização do ensino, se os alunos não adquirirem conhecimentos, se não houver uma melhoria visível dos resultados escolares.
A realidade, portuguesa e internacional, diz-nos que o currículo escolar tem dificuldade em integrar as culturas do trabalho e dimensões mais profissionalizantes. Mas diz-nos também que há iniciativas notáveis de ligação entre a educação, a formação e o trabalho. Ainda hoje tive oportunidade de visitar duas experiências muito importantes de resposta à desmotivação e ao abandono escolar, primeiro na Escola Secundária do Monte da Caparica, onde existem vários cursos de formação profissional, e depois na Câmara do Comércio Luso-Alemã, onde funcionam cursos do Sistema de Aprendizagem. É urgente desenvolver políticas de entendimento entre as instituições e de colaboração com as empresas. Parece-me inaceitável que haja instituições de ensino (de ensino secundário, de ensino superior politécnico, de ensino universitário) com excelentes instalações e pessoal altamente qualificado… mas sem alunos! E que, ao lado, haja centros e instituições de formação profissional que não conseguem acomodar toda a procura.
Desde então, muito se fez. Mas quanto continua ainda por fazer?! Tenho acompanhado com muito interesse as estratégias de reconhecimento e validação de competências, que devem ser incentivadas e aprofundadas, juntando as dimensões pessoais e profissionais. Hoje mesmo pude testemunhar o modo como estes processos contribuem para aumentar a auto-estima e o gosto pelo estudo. A formação é um trabalho longo e paciente, que só tem sentido se contribuir para mudanças no plano pessoal, mas também para a valorização social e profissional de cada um. Recusemos os grandes planos, com metas irrealistas, que servem apenas para iludir a realidade. Portugal tem um património associativo muito importante, nomeadamente na área da educação de adultos e do desenvolvimento local. A mobilização destes grupos e experiências é essencial para que uma cultura de formação passe a fazer parte da vida das pessoas, das instituições e das empresas. Não é uma saída fácil, mas é a única que nos permite obter resultados seguros, na medida em que articula o esforço individual de formação com uma mudança estrutural das organizações do trabalho. Minhas Senhoras e Meus Senhores, Ao recordar convosco estes temas não posso deixar de me sentir satisfeito pelo caminho percorrido nos últimos anos. Hoje, o país reconhece claramente a sua importância. É um sinal positivo, mas insuficiente. A consciência, que já temos, dos problemas deve traduzir-se em compromissos claros, em acções concretas, de melhoria da educação básica, da formação profissional e da qualificação dos portugueses. Dirijo-me, por último, aos professores. Para lhes transmitir uma palavra de muito apreço, de apoio e de incentivo. Não há profissão mais necessária do que a vossa. Ao longo dos anos, encontrei professores notáveis, que me chamaram a atenção para três desafios actuais da profissão. Em primeiro lugar, para a necessidade de consolidar equipas pedagógicas, mais coerentes e estáveis, capazes de uma responsabilidade conjunta e partilhada. Em segundo lugar, para a importância de reconhecer os mais capazes e competentes, dando-lhes um papel de liderança no espaço escolar. Em terceiro lugar, para a urgência de assegurar a credibilidade dos professores, promovendo uma cultura profissional marcada pela avaliação e pela prestação pública de contas. Estes desafios ganham-se no “interior” da profissão. Os professores não são meros “ensinantes”. São profissionais capazes de promover a aprendizagem dos alunos, em todas as dimensões, criando as condições para apoiar e acompanhar os seus percursos. A responsabilidade docente não termina no final de cada aula. Define-se num compromisso ético com a vida escolar de cada criança. É isto que caracteriza, e que dignifica, os melhores professores. Mas os desafios da profissão ganham-se, também, no seu “exterior”. Evitemos os discursos ambíguos. Não podemos responsabilizar os professores por todos os problemas, iludindo assim os deveres da família e da sociedade. E não devemos afastá-los das decisões que dizem respeito à educação e à sua própria vida. Precisamos de uma profissão forte e prestigiada. Felizmente, temos professores de grande qualidade no nosso país. Através das condecorações que vou atribuir no final desta cerimónia, pretendo distinguir o mérito e a competência de homens e mulheres que se têm notabilizado pela sua acção na educação de infância e no ensino primário, no ensino secundário e na universidade, nas escolas profissionais e na educação especial, na administração escolar e na educação artística… Mas, para além do mérito de cada um dos agraciados, a minha escolha recaiu sobre pessoas com uma relevante intervenção social e institucional, que se distinguem pelo trabalho que realizam junto dos alunos, dos colegas e das comunidades locais. Estas condecorações têm um sentido que não é apenas individual mas também colectivo. Em 1912, o primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, recebeu os participantes no Congresso Pedagógico promovido pela Liga Nacional de Instrução e, nesta mesma Sala das Bicas, dirigiu-lhes palavras de profundo reconhecimento: “Os grandes mentores, pais espirituais, da geração nova, são os professores. Saúdo-vos comovidamente. A pátria confia em vós; a minha soberania é a vossa”. São outros os tempos. Passou quase um século. Mas também eu quero dizer-vos que o futuro de Portugal depende, e muito, da vossa acção. Temos de assumir com clareza as orientações que acabo de expor. E prossegui-las com determinação e firmeza. Juntos, saberemos construir um país à altura dos nossos sonhos e das nossas ambições.
|