Discurso do Presidente da República por ocasião da imposição de insígnias do grande Colar da Ordem da Liberdade ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan

Palácio Nacional da Ajuda
11 de Outubro de 2005


Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas
Minhas Senhoras e meus Senhores

Em boa hora nos encontramos aqui reunidos para cumprir uma grata obrigação: a de prestar a Vossa Excelência, em nome de Portugal e dos portugueses, uma merecida e sincera homenagem.

Ao longo de dois mandatos como Secretário-Geral das Nações Unidas, Vossa Excelência tem sabido dar voz e defender os valores consagrados na Carta e conferir um novo sentido e uma nova urgência ao papel insubstituível que cabe a esta Organização desempenhar no mundo de hoje, em prol da paz, do desenvolvimento e da defesa dos direitos humanos.

A escolha de Vossa Excelência para este cargo, escolha essa que, pela primeira vez, distinguiu um funcionário da Organização com a confiança dos Estados Membros, constituiu em si mesma o reconhecimento das suas altas qualidades humanas e profissionais.

No exercício das suas funções, nas quais tantas expectativas e esperanças são depositadas, Vossa Excelência tem granjeado um enorme prestígio, aliando o sentido do equilíbrio com uma profunda visão dos desafios com que as Nações Unidas estão confrontadas; e, outrossim, conseguindo, através de um esforço impressionante, mobilizar as vontades para fazer frente a esses desafios, sem transigir na defesa dos princípios da Carta.

Na acção da Vossa Excelência ao longo destes anos, muito há a destacar: o sentido de independência e a coragem que sempre tem demonstrado; a vigorosa defesa dos direitos humanos; o empenho que colocou na promoção do estatuto da mulher e na igualdade de género; a prioridade que tem atribuído à luta contra a pobreza e a doença, lançando designadamente o processo que culminou com a aprovação dos Objectivos do Milénio; o decisivo impulso ao processo de reforma da Organização.

Ainda recentemente, ao participar na cimeira que assinalou o sexagésimo aniversário das Nações Unidas, pude mais uma vez constatar como a perseverança, a habilidade e a autoridade de Vossa Excelência foram decisivas para lograr um consenso que, embora permaneça aquém das nossas mais elevadas expectativas, permite mesmo assim manter acesa a chama do processo de reforma da Organização.

Para Portugal, a todos estes motivos para louvar a acção do Secretário-Geral acrescenta-se um que nos é especialmente caro e que quero particularmente destacar: refiro-me, naturalmente, ao papel fundamental de Vossa Excelência no processo que culminou na independência de Timor Leste.

Todos os que tivemos a honra de intervir nesse processo — muitos dos quais estão hoje aqui presentes — e que nos orgulhamos de ter contribuído para o nascimento de Timor Leste como país livre e soberano, não podemos esquecer o apoio e a intervenção de Vossa Excelência nessa causa tão cara à nação portuguesa, pela qual, durante mais de vinte anos, travámos uma batalha que muitos julgavam inglória e antecipadamente perdida.

Com efeito, fui testemunha do empenho pessoal de Vossa Excelência em relançar e aprofundar o processo de negociações entre Portugal e a Indonésia que decorria sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas quando foi eleito para esse cargo no início de 1997; não esqueço o cuidado com que acompanhou e o estímulo que deu a essas negociações, mesmo quando nada permitia antever que tivessem um desfecho positivo; recordo também a firmeza que demonstrou nos momentos críticos que sucederam ao anúncio dos resultados do referendo de Agosto de 1999 e o apoio que deu à constituição da Força Multinacional que estabilizou a situação no território e às diversas forças e missões das Nações Unidas que lhe sucederam e que tanto contribuíram para fazer de Timor Leste um caso de sucesso de que todos nos podemos congratular.

Nesse processo tão atribulado, que foi marcado por momentos inesquecíveis tanto de intensa alegria como de profunda ansiedade e tragédia, forjaram-se laços de cumplicidade que perduram para sempre. Por isso, é com especial alegria e emoção que, ao receber Vossa Excelência em Portugal, o saúdo não apenas como um grande servidor da paz e um defensor incansável dos valores universais consagrados na Carta das Nações Unidas, mas também como um amigo e uma pessoa que, cumprindo com exemplar isenção as suas funções, tem dado a Portugal provas de especial simpatia e consideração.

Por todos estes motivos, é-me especialmente grato, Senhor Secretário-Geral e caro Amigo, atribuir-lhe, em nome do Estado português, o Grande Colar da Ordem da Liberdade, cujas insígnias lhe vou agora impor.