Discurso de SEXA o PR na ocasião em que Confere posse ao Presidente do Tribunal de Contas, Dr. Guilherme Oliveira Martins

Palácio de Belém
28 de Outubro de 2005


Nesta breve cerimónia de posse, é meu grato dever dirigir as minhas primeiras palavras ao Presidente cessante do Tribunal de Contas, Senhor Conselheiro Alfredo José de Sousa, para lhe prestar testemunho de reconhecimento do Estado pela forma como desempenhou as suas funções. Delas se retira agora por vontade própria, após quase vinte anos de dedicado serviço público, em que prosseguiu a linha de independência legada por outros que o antecederam na Instituição que tão dedicadamente serviu.

O Tribunal de Contas, de prestigiada existência secular, é – por definição constitucional – o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento de contas. Trata-se de um vasto campo de competências, cuja natureza se desdobra num trabalho de fiscalização financeira do Estado, designadamente emitindo parecer sobre a respectiva conta geral, e num outro, de carácter jurisdicional, para efectivação de responsabilidades financeiras.

No desempenho dos seus deveres e em circunstâncias por vezes não isentas de dificuldades, o Tribunal de Contas tem vindo a alargar a sua intervenção, tanto no aspecto da legalidade, como no do exame da boa gestão financeira, numa correcta percepção do bem público, que os Governos nem sempre apreciam ou parecem compreender. Indispensável instituição do Estado de direito, importa pois consolidá-la como garante da transparência da Administração Pública, designadamente por uma mais activa prática de cooperação com a Assembleia da República, afinal instância de julgamento de responsabilidades políticas decorrentes dos seus relatórios de auditoria, ou bem assim pela valorização do visto prévio do Tribunal, meio imprescindível para acompanhamento fiscalizador de grandes projectos nacionais e posterior análise de eventuais violações da legalidade da contratação pública. Esta parece-me uma via indispensável para preservar a credibilidade de uma instituição fulcral para o estabelecimento de uma efectiva cultura de responsabilidade, a tão celebrada “accountability” da tradição anglo-saxónica, pilar reconhecido das democracias consolidadas e com elevado grau de desenvolvimento económico e social.

Para isso, é imperioso evitar que se alimente na opinião pública a imagem de impunidade quanto a erros culposos de gestão dos bens do Estado, sem excluir o sector público empresarial, tornando mais efectivas as suas funções jurisdicionais ou superando disfuncionamentos internos. Importará, assim, corrigir imprecisões legislativas que têm impedido uma melhor actuação em matéria de processos de efectivação de responsabilidades financeiras, quando aquela pertence à exclusiva iniciativa do Ministério Público. A este respeito, seria útil uma maior clareza na atribuição de competências quanto à realização de diligências instrutórias complementares, a fim de se evitar uma penalizadora ausência de resultados condenatórios, apesar das respectivas auditorias identificarem a existência de infracções.

As nomeações para cargos públicos – exceptuadas aquelas feridas logo à nascença pela sua evidente desadequação – encerram de certo modo uma aposta para o futuro. Ao acolher a proposta do Governo, designando o Dr. Guilherme Oliveira Martins, pesei bem o seu perfil perante o relevante papel que cabe ao Tribunal de Contas no quadro do funcionamento do Estado. Com efeito, todos, mesmo aqueles que avançaram reparos de oportunidade, reconheceram as suas qualidades humanas e profissionais; a sua carreira de serviço à coisa pública; a sua competência e experiência na área de economia e finanças para que de novo é agora chamado.

A República não é tão rica de personalidades para se fechar num formalismo porventura excessivo que subalternize exigentes critérios de merecimento, quando, em casos como este, nenhuma dúvida existe sobre os méritos técnicos e a honestidade pessoal dos seus cidadãos.

Num momento em que os portugueses, até por serem colocados perante difíceis sacrifícios, mais agudamente escrutinam os actos e decisões dos seus homens públicos e das suas instituições, as tarefas cometidas ao Tribunal de Contas, dentro das amplas competências que a Constituição lhe atribui, irão revelar-se da maior importância para fazer cumprir, aos vários níveis da Administração, a legalidade e a lisura das contas públicas. Para isso, a dedicação, a qualidade do trabalho e a isenção dos seus juízes e funcionários, justamente reconhecidas, são garantia da aplicação rigorosa e competente da lei.

Na Instituição a que Vossa Excelência agora passa a presidir, caber-lhe-á dar seguimento ao espírito de isenção que nela impera, bem como, num rumo de íntegra independência, alargar as relações funcionais com outras instâncias do Estado; propor e dar corpo a medidas que o Tribunal considere concorrerem para uma maior eficácia das suas competências ou que a evolução da sociedade nacional requerer; e, ao mesmo tempo, reforçar laços de cooperação cada vez mais necessários e vantajosos, com instituições homólogas externas, especialmente com o Tribunal de Contas Europeu.

Vai ser um trabalho de particulares exigências, pois será realizado sob a luz, porventura pouco habitual, de uma mais alargada atenção pública. Estou seguro, porém, que este é um desafio a que Vossa Excelência saberá dar a resposta que o prestígio da Instituição e os interesses do Estado reclamam.